58 Destruição...

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Eloá,

Duda sabe onde é a casa do Cavera. Ela sabe muitas coisas, menos pilotar. Se ela pilotasse eu teria deixado que levasse a moto. Como ela não sente confiança nem mesmo com uma inofensiva Biz, tive de levar eu mesma, aos trancos e barrancos.

Os becos em que tivemos que passar pareciam estreitos de mais, os cachorros sempre surgiam pelo caminho e todas aquelas curvas e subidas, me davam enjoou. Entrei em uma crise de ansiedade; fato!

E meus pensamentos? Os mais diversos possíveis — e nenhum deles eram bons! Acelerei tanto quanto pude naquelas vielas cheias de obstáculos humanos e não humanos. Duda sinalizou quando nos aproximamos do local.

Nem foi necessário que ela indicasse qual era a casa. Mesmo sendo uma área isolada, haviam outras poucas casas por perto. Logicamente, bem mais humildes. A casa do Cavera só poderia ser a fechada pelo típico portão alto. Por cima dele, a laje era a única coisa visível. Cavera deve lucrar muito com o tráfico, a julgar pelo estilo de sua morada. Não são comuns casas como a deles por aqui. Por mais discretos que sejam o exterior, elas se destacam pelo "padrão de segurança", por assim dizer. Concluo que não foram compradas prontas, e sim, construídas a gosto deles. Muros altos tampando a visão de curiosos, o exterior simples para não atrair atenção indesejada. Por dentro, ostensivas, verdadeiras mansões como são as do Donga.

Freio a moto num solavanco, causando a colisão do corpo da Duda no meu. Rodo a chave e nós duas saltamos, deixando os capacetes pendurados no guidom. Eu costumo carregar um reserva no baú e preferimos usa-los. Nas atuais circunstâncias, eu poderia nos derrubar e queríamos evitar o pior.

Determinada e consumida pelo enfurecimento, marcho como um soldado para os seguranças. Eles se distraiam entre risadas e piadas, mas ficaram na atividade quando viram minha moto parar. Agora vedavam o portão. Eu sei o que significa: eles vão dificultar.

E por quê? O que tem lá dentro que eu não possa ver? É o que eu quero urgentemente saber!

Ainda é fresca a recordação daquela "festinha" em que Samuca me levou na casa do Saulo. A cena desabrocha perfeitamente para mim, como um filme numa tela de cinema: Donga beijando uma mulher seminua, ela em seu colo, outras dez dançando com as tetas de fora. Certamente o que eu vou encontrar aqui não é tão diferente, por isso a interdição nos olhos dos seguranças.

— E ae, patroa? Podemô tá ajudando em alguma parada? — Papagaio se adianta, deixando entrever seu desconforto.

— Pode! Chama a Manuela, faz favor! — Num tom hostil, indico a casa com um aceno intolerante de mão, depois, prostro meus braços atravessados acima da barriga. 

— Tu não quer falar com o patrão? —
Ele é péssimo em disfarçar.

— Não! Pode chamar a Manuela! — contra-ataco, pungente. Como a Duda disse, tenho que aprender a lidar com minha nova realidade. Eles me respeitam, usarei isso a meu favor.

Ele aciona alguém pelo rádio, pedindo para que essa pessoa avise a Manu que estou esperando por ela. Ela não demora a sair, carregando na mão um copo grande de plástico contendo bebida, e abrindo os braços, junto a um sorriso, ao me avistar.

— Eiii, cunha! — Vindo até nós, me abraça, dá dois beijos no meu rosto e um "oi" de longe para a Duda. — Que bom que você veio! Vamos entrar!

É esquisito quando ela pega minha mão, nunca me ocorreu. Preciso dela para entrar, então, ok.

Ela se vira para os homens, que pelo jeito não aprovam aquilo.

— Está de boa, Papagaio, me resolvo com meu irmão depois. — Dito isso, eles não se metem e entramos.

Manu toma a dianteira, nos levando um tanto afobada. Acho que ela queria muito que eu entrasse quanto antes. Ando em sua cola, até porque ela não solta minha mão. Duda se apressa para andar ao meu lado, trocamos um olhar suspeito. Isso tudo é estranhamente suspeito, na verdade.

Love no Morro da Liberdade 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora