73 Um dia de cada vez

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Eloá,
(voltando ao sábado pela manhã)

Acordo com uma lembrança estranha. Acho que sonhei com o Donga me dizendo algo. Não consigo me recordar direito...

São quase dez da manhã quando deixo o conforto preguiçoso da cama e adentro o banheiro, disposta a tomar um banho revigorante. Entre as roupas que o Raul me trouxe encontro e gosto de um short e uma blusa larga, comprida, azul clara. E um chinelo emprestado do armário do quarto de hóspedes.

Ele não dormiu em casa essa noite...

Sinto saudade das minhas coisas. Não tenho nada aqui e é um saco isso.

Arrumo a cama e estico bem os lençóis, assim que finalizo meu banho e estou devidamente vestida. Minha obsessão por organização e limpeza não permitem que eu deixe um amassado sequer no lençol.

Com o quarto metodicamente organizado, desço para o café. É costume a mesa estar repleta de coisas. Raul compra na padaria, e aquilo que eu não consigo comer, ele e os outros dois seguranças mandam ver. Assim evitamos desperdícios.

Hoje ele comprou bolo de milho e suco de caixinha. Me alimento pensando em quanto tempo mais o Donga vai continuar com essa loucura. Quando vou poder ir para casa? Na semana que vem, caso a greve termine, terei aula e não posso perder matéria.

E se ele não me libertar? Iria permitir que eu visitasse minha mãe e frequentasse a faculdade? Eu jamais voltaria para cá, se fosse esse o caso. Ele deve saber disso, e por essa razão acredito que não vai me deixar ir em nenhum dos dois lugares. Minha segunda opção é perdoa-lo, mas como isso não vai acontecer nunca, devo contar com o bom senso dele.

Não gosto de pensar em ficar aqui a longo prazo. Uma pequena parte de mim tem esperanças de que, assim que ele entender que sua atitude só me afasta ainda mais dele, cairá em si e me deixará ir. Ele não me manteria aqui por muito tempo. Ou manteria? Ai, Cristo... Tenho crise de ansiedade só em pensar nisso!

Finalizando, limpo o que sujei e aviso ao Raul que eles podem vir tomar café. Eles não comem aqui dentro. Entram, pegam o que desejam e voltam lá para o quintal. Ordens...

Não tenho muito o que fazer aqui: é tv ou celular. Evito o celular para não sofrer vendo as mensagens da minha mãe, ou a Duda online, sem que eu possa contar a ela o que está acontecendo. Me resta a tv...

É tão frustrante e angustiante estar sozinha nessa casa sem nada para fazer, sem ninguém para conversar. Ainda assim, prefiro isso do que a companhia dele.

Infelizmente, minha solidão não dura muito. Aproximadamente uns quarenta minutos depois de eu tentar me concentrar num episódio de Outlander, a voz dele sobe pelas escadas, bem humorada, enquanto faz piadinha com os meninos.

Seu humor deve estar ótimo mesmo, não é ele quem passa horas e horas oceosas e trancafiado. Bem, ele deixou claro que eu poderia sair, ir na Duda se quisesse, inclusive Raul se ofereceu para me levar. Suponho que tentando me entusiasmar a sair de casa. Mas, na boa, vou chegar na Duda e falar o quê? Fingir que está tudo mil maravilhas, sendo que ela sabe muito bem da traição e até agrediu a Jessy para me defender? O que ela vai pensar? Que simplesmente reatei com ele? E ai, como eu explico a ela, se não posso dizer a verdade por enquanto?

Espero que ele aceite quanto antes que essa sua atitude não vai mudar minha decisão e pare com essa teimosia de me obrigar a ficar aqui.

Ele rompe pela porta aberta do quarto, trazendo consigo um monte de sacolas. Raul vem logo atrás, trazendo mais algumas.

Mais perdida do que cego em tiroteio, alço meu corpo da cama, cruzando as pernas para sentar no meio do colchão. As sacolas são postas diante de mim.

Love no Morro da Liberdade 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora