57 Pressentimento...

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Eloá,

— Se você tivesse visto ela teria dó... Ela está totalmente diferente, o semblante abatido, os olhos fundos... Nem maquiagem passou, acredita? — Continuo no assunto "Mia" com a Duda. Agora, com nossos copos de açaí já limpos.

— Nossa... Mia abatida, sem maquiagem? Não consigo imaginar... — Ela rejeita a provável imagem que vem em sua mente, o que deve ser difícil de criar. Eu mesma, se não tivesse visto, não conseguiria criar uma Mia assim, tão diferente da que convivia conosco.

— Ai, vamos esquecer dela! Está uma vibe muito bad falar disso... — Ela se balança, um típico cachorrinho molhado tentando se secar.

Nos distraímos fofocando das meninas da nossa sala: quem está pegando quem na calada, quem passou vergonha na última social... Esse tipo de assunto que nutre uma boa fofoqueira.

Meu celular vibra, é minha mãe avisando que não volta para casa depois do plantão. Maravilha! Os astros estão me abençoando! Talvez eu passe a noite com Donga...

Bendito Paulo, me salvando!

Respondo a ela que tudo bem e guardo o celular.

— Vai ver o Donga hoje? — Duda provavelmente interpretou o sorrisinho astuto acentuado em meu rosto.

— Sim, mais tarde ele vai me buscar na tua casa. Falando nisso, vou deixar a moto lá, pode? — Peço, como o gato de botas pediria.

— Claro, pô. Tua sorte é que meus pais te adoram e gostam muito do Donga. — Com seus trejeitos rebeldes, ela futuca o piercing de prata em seu septo. Lembra muito uma ferradura, porém, bem mais delicada e fina, com duas bolinhas em ambas as pontas. Duda é uma garota muito estilosa. Queria ter coragem de furar um piercing, mas não acho que meu estilo seja esse. Combina bem mais com a personalidade forte dela.

— Todo mundo gosta muito dele aqui, né!? — A pergunta soa como uma afirmação, e Duda concorda.

— Depois do Bola, essa é a melhor gestão... minha mãe conta que as coisas antigamente eram mais complicadas. Melhorou com a gestão do pai do Bola, ainda assim ele não foi tão bom quanto o filho, porque usava muitas drogas e bebia o dia todo. O Bola quando assumiu foi bem melhor e agora o Donga segue o mesmo padrão. — Ela explica, ainda revirando o piercing.

— Ele me fala muito desse Bola... — Remexo levemente meus dedos na mesa, curtindo o movimento calmo da rua.

— É... eles eram carne e unha...

Raramente ocorre de Duda e eu não termos assunto, e essa é uma dessas poucas ocasiões. De uma maneira incrível, nosso silêncio e a nossa companhia nos bastam. Contudo, minha atenção é dedicada a garota de cabelos negros e curtos que se acomete pela calçada, rumo ao açaí.

Conheço ela, é a namorada do Samuca, a que vi no restaurante. Naquele dia ela estava de touca, não pude ver seu cabelo, mas eu sigo o Samuca e anteontem ele postou uma foto deles deitados em um sofá, ou cama, não sei. A foto era escura, a claridade vinha da tv capturada aos pés deles. Ela estava deitada em seu ombro, tudo que aparecia era o topo da cabeça dela. Samuca a marcou. Duda e eu, fuxiqueiras que somos, tratamos de segui-la. Ela nos aceitou. Em suas fotos ela pousava com longos cabelos brilhosos e sedosos; deve ter cortado recentemente.

Ao trilhar pela lateral de nossa mesa, ela sorri carinhosamente para mim. Que fofa! Eu devolvo o sorriso. Duda mais que depressa roda a cabeça para saber do que se trata, vendo somente suas costas enquanto ela adentra o estabelecimento.

Ela é muito bonita e Samuca deve ser muito apaixonado. Fico feliz por ele. Não há nada melhor do que amar e ser amado, ele merece o mundo.

Duda se curva na mesa, aproximando seu rosto confidencialmente.

Love no Morro da Liberdade 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora