Tudo o que é desordem, revolta e caos me interessa; e particularmente as atividades que parecem não ter nenhum sentido.
- Jim Morrison
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Lynn
A figura em minha frente parecia ser um monstro tecido de sombras, com longas garras que se projetavam para fora e estampava um sorriso com longas presas afiadas.
Não dava para ver muita coisa através daquela penumbra, ele parecia se esconder da luz do fogo que Callum carregava, mas ficou próximo o suficiente para que pudéssemos vê-lo.
- Você me conhece? - questionei, como coração descompassado. Eu estava olhando para a origem de tudo o que era mal e perverso, do mundo que eu conhecia e talvez de todos os mundos.
- Conheci quando era Griffin, e conheço também como Lynn - aquela voz áspera tinha uma tonalidade odiosa, algo que emanava puro desprezo - Conheço todas as almas que adentram minha casa. Aqui, seu segredo também é o meu, porque tudo o que você é me pertence enquanto estiver em meu lar.
- Quem é você? - o monstro se dissolveu com minha pergunta, ele havia virado parte de toda aquela escuridão.
- Sou aquele que domina as trevas de todos os mundos - o eco das palavras se reverberava por todo o recinto, parecia que ele estava em todo lugar, e ao mesmo tempo não estava em lugar algum - sou o criador das sombras e rei dos espíritos perdidos. Sou quem domina a magia negra e espalha o caos nas terras e nos homens, sejam eles humanos, imortais ou seres além dos reinos que vocês conhecem.
- Você é um exilado - Callum anúnciou, fazendo com que o lugar onde estávamos ficasse ainda mais frio e com sensação de morte.
A criatura voltou a ganhar forma, dessa vez ele tinha uma silhueta humana, feita de escuridão e magia oculta, ele olhava para Callum com ódio, como se ele fosse um tipo de sujeira mundana.
- Não fale comigo quando não tem permissão para tal gesto, filho do gelo. Você é fraco e me traz desgosto. Não permitiria que estivesse em minha presença novamente, se não estivesse acompanhado de minha inimiga.
Aquela palavra se somou a mais um peso que eu teria que carregar.
Ser inimiga de Hazor já não era bom. Mas ser inimiga da fonte do próprio mau, isso era a pior coisa que eu poderia imaginar que acontecesse comigo.
- Como assim se estivesse em sua presença novamente? - Callum deu um passo a frente, fazendo com que a luz da tocha penetrasse um pouco mais naquela criatura. O monstro se afastou como se o gesto o machucasse, e um rosnado feroz foi um aviso para que Callum não desse nem mais um passo.
Percebi com um certo tipo de alívio que a criatura era capaz de ser derrotada se fosse enganada. Era só ter um fiapo de luz.
O monstro então se dissolveu novamente, e com ele o lugar onde estávamos parecia mudar e ganhar forma.
O lugar escuro onde estávamos desapareceu, para dar forma a um salão do trono. Alto, espaçoso e totalmente majestoso.
As paredes eram feitas de jóias, e o chão era brilhante e polido. O trono que se prostrava em minha frente era adornado de esmeraldas e uma pele confortável em sua volta.
Meu coração pareceu pular do peito quando vi Hazor, parecendo um tanto mais jovem, entrando no salão com um bebê em seu colo. Ele vinha em minha direção com os olhos famintos de poder, e achei que ele estava realmente me vendo quando seu corpo simplesmente atravessou o meu.
Eu estava dentro de uma lembrança.
Callum se colocou em meu lado, e senti sua mão apertar a minha. Os olhos dele estavam arregalados e lágrimas adornavam aquela esfera gélida e azul.
- Sou eu - sussurrou Callum, apontando com a cabeça para o bebê, que dormia de forma serena no colo de seu pai.
Hazor sentou no trono com a criança ainda adormecida em seus braços, ele olhava para o pequeno como se fosse uma extensão sua, algo que ele admirava. Eu via orgulho nos olhos de Hazor, algo que nunca vi antes.
- Hazor, por favor, pare! - Uma mulher linda entrou no salão com outra criança no colo. Ela tinha os cabelos louros que se estendiam até o fim de suas costas. Carregava um tiara em sua cabeça. Os olhos azuis escuro estavam aos prantos, ela tinha lágrimas em toda sua face. - Por favor, não faça isso.
Senti Callum apertar ainda mais a minha mão, ele tinha uma expressão tão perturbada que achei que ele iria intervir naquilo. Mas como poderia, se estávamos vendo algo que já aconteceu?
- É a minha mãe - Callum fechou os olhos enquanto uma lágrima escorria por eles - Meu pai disse que ela morreu quando deu a luz a mim e Kira. Mas isso...
Ele não continuou quando a voz de Hazor cortou o salão.
- Já chega, Harriet - bradou Hazor - Será feito. Callum carregará o poder sombrio dentro dele, ele trará as trevas e será o ser mais poderoso que já existiu. E então, quando Griffin retornar, ele irá matá-lo.
Pela Deusa, Hazor iria oferecer o próprio filho como sacrifício, como um hospedeiro.
- Ele é só um menino, Hazor! - Harriet gritou, fazendo com que a criança em seu colo começasse a chorar - Está tudo bem Kira, shhhh, vai ficar tudo bem.
- Ele será um líder. Você não pode fazer nada - Hazor se levantou e estendeu a mão para um dos guardas, que o entregou um livro negro.
Harriet deu mais alguns passos para alcançar o trono quando dois guardas a cercaram e mantiveram-a presa.
Hazor abriu o livro e começou a entoar um cântico em uma língua estranha, algo que nunca vi antes.
As tochas do salão foram apagadas de uma vez, e a escuridão tomou o recinto. Era possível ainda distinguir o que estava acontecendo, pois havia algumas luzes que entravam no salão do castelo através das janelas altas das paredes.
- Venha, Eidolom. - Chamou Hazor.
Então uma sombra passou bem ao meu lado, e tomou a forma de um humano feito de escuridão. Ele se esquivava de qualquer luz que pudesse atingi-lo diretamente.
- Por que me convoca, Hazor? - perguntou a criatura, com a mesma tonalidade odiosa com que havia falado comigo e com Callum momento antes.
- Nosso acordo será feito. Eu te entrego meu filho como hospedeiro, e você passa a dominar uma forma humana, podendo andar entre nós e espalhar o caos. Em troca, você mata Griffin quando chegar a hora, e toma a magia que tanto quer.
A criatura gargalhou alto, causando um arrepio em minha espinha. Ele era totalmente infernal.
- Finalmente - sibilou a criatura - finalmente destruirei minha inimiga. Finalmente acabarei com a magia da luz.
A criatura se aproximou de Hazor e se prostrou em frente ao bebê, que ao sentir a presença fria do mau, começou a chorar de uma forma quase torturante.
O monstro então se afastou, transformando sua risada em um rosnado cruel.
- Ele não serve - disse para Hazor - Seu filho é fraco.
Hazor estava com a expressão dura e indignada.
- O que quer dizer? Meu filho não é fraco.
- Ele possui o dom da luz, Hazor. O coração do menino é fraco para as trevas. Ele morreria com meu poder e não serve para mim.
A criança ainda chorava, desesperada com a presença da criatura, e antes o olhar que Hazor ostentava como admiração, se tornara desprezo.
- Harriet - Chamou Hazor - Leve-o.
A mãe de Callum se aproximou rapidamente do trono, e tomou o bebê em sua mão direita, enquanto mantinha Kira no braço esquerdo. Seus ombros caíram com o que parecia ser alívio.
- Ora, ora, ora - A criatura se aproximou de Harriet, fazendo com que ela abraçasse seus filhos com mais força, como se pudesse protegê-los da criatura - Essa criança, dê para mim.
A criatura apontou para Kira, que mesmo com a presença do mau, dormia serena nos braços da mãe, como se não sentisse nada.
- Essa criança, Hazor. Eu a quero, ela serviria. Eu vejo as sombras que a rodeiam.
- Fique longe da minha filha - sussurrou Harriet, se afastando do monstro.
- Kira? - questionou Hazor, com repudia em sua voz - ela é fêmea. Como poderia ser mais forte e mais resistente que o menino?
- Você subestima o sexo oposto, Majestade - A criatura ainda encarava Kira, como se quisesse engoli-la.
- Afaste-se, monstro. - Hazor agora estava se aproximando de sua mulher com o livro aberto novamente.
- O que vai fazer? - A criatura se afastou de Harriet, quando percebeu as intenções do rei.
- Nenhuma mulher se tornará mais poderosa do que eu. Nem mesmo se tiver meu sangue.
E sem nenhum aviso, Hazor mandou a criatura de volta para seu mundo.
Percebi que o livro era um tipo de fonte. Quem o controlava, também controlava a magia negra. Controla a Criatura das Sombras.
As luzes retornaram ao salão, as tochas se acenderam e todos ali se mantinham congelados de medo.
Aos poucos, Harriet se movimentava, abraçando os filhos como se estivesse aliviada.
- Guardas, levem meus filhos de volta aos berços. Preciso ter uma conversa com a Rainha.
Dois guardas se aproximaram de Harriet e cada um pegou um dos bebês, levando-os para fora da sala do trono e fechando a porta logo em seguida.
- Você é um monstro - disse Harriet quando Hazor se aproximou dela - Nunca mais vou deixar que toque em meus filhos novamente.
A mulher deu meia volta e marchou para longe do rei. Mas antes que chegasse até a porta, Hazor a puxou pelo braço e se aproximou de seu rosto, olhando-a com ódio.
- Você é fraca, Harriet. Você me causa nojo, e a culpa é toda sua.
- O que está falando?
Hazor sacou uma faca de seu cinto sem que a mulher percebesse, e senti Callum largar minha mão e dar um passo à frente.
- Isso é por ter me dado uma menina - Ele então enfiou a faca na garganta de sua mulher, e arrastou em seu pescoço como se não fosse nada.
Callum gritou em desespero, de uma forma que nunca vi ninguém gritar em toda minha vida. Era um grito de dor. Dor da perda.
Enquanto Harriet engasgava como próprio sangue no chão da sala do trono, me aproximei e ajoelhei ao lado de Callum, que chorava desesperado pela mãe.
Enquanto o abraçava, o mundo ao nosso redor voltou a se tornar frio e sombrio novamente.
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Depois das Chamas
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