Fiz desaparecer a minha individualidade para nada ter que defender; afundei-me no incógnito para não ter qualquer responsabilidade; foi no zero que procurei a minha liberdade.
- Henry Amiel
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Lynn
Kian tinha a aparência de um garoto de 23 anos, mais ou menos.
Sempre achei atraente a curva de seu rosto anguloso, as linhas que contornavam seus olhos dourados, e até mesmo aquele cabelo escuro e desgrenhado que ele não se importava em arrumar.
Olhar para ele era como estar sempre voando nas costas de um grifo, o frio na barriga nunca ia embora, e talvez eu devesse me acostumar a isso, já que aparentemente esse sentimento era mais antigo do que eu poderia me lembrar.
Mas agora, meus olhos também eram os olhos de Griffin, e minha alma era tão valiosa quanto a que Kian sempre carregou.
Ele era Misac.
Um líder e um guerreiro voraz.
E eu não conseguia olhá-lo sem que meu coração sangrasse por ele não ter me contado a verdade antes. E eu não podia ignorar a decepção que sentia, e o medo que me consumia naquele instante.
- Desculpe-me, Lynn - disse Vizeu, retornando a biblioteca - não temos mais tempo. Hazor está nesse momento marchando para as suas terras com um exército maior do que a própria Ghalan. Precisa se preparar.
- Acabei de descobrir o que sou, Vizeu. Me deixa ao menos pensar - minha voz estava rouca e irritadiça, era como se o poder em minhas veias tivesse acordado, eu sentia toda aquela magia se movendo - Aliás, ainda não sei se confio em você.
- Compreendo. - Vizeu circundou a mesa até estar diante de mim - vou prová-la que mereço sua confiança, vou conquistá-la novamente. Me deixe redimir todos os meus erros, irmã.
- Não me chame assim! Eu não tenho irmãos.
Vizeu deu um passo para trás, como se eu o tivesse ferido. Não queria dizer aquelas coisas, mas estava furiosa com toda a verdade sendo despejada na minha cara de um vez só.
Eu não odiava ser quem eu era, só queria ter descoberto a verdade antes, assim eu saberia o que enfrentar.
Minha missão até aquele momento era ser uma ponte para a magia, eu só precisava encontrar Griffin e devolver seu poder. Mas agora eu era a fonte e a esperança, era eu que deveria salvar Keevard de tiranos mentirosos, antigos e extremamente poderosos. Que por infortúnio do destino, tinham o meu sangue.
- Carl, venha comigo para Ghalan, preciso da sua ajuda. - pedi a ele quando o vi escorado em uma das prateleiras da biblioteca, era o único daquela sala em quem eu realmente confiava.
- E eu disse não para você alguma vez? - ele ergueu os braços e veio em minha direção, me confortando por alguns preciosos segundos.
Era por ter ele por perto. Era como se sentir em casa novamente, apesar de saber que, de qualquer forma, aquela minha realidade iria ruir.
- Vizeu, não posso deixar de te perguntar - concentrei minha atenção nele novamente - Como sabia que eu ia achar essa passagem? Estava esperando por mim, não estava?
- Sim, Lynn. Eu estava - era estranho olhá-lo, ele parecia representar o fogo vivo com todo aquele vermelho impregnado nele, Vizeu tinha uma aparência estranhamente peculiar - Nosso pai me disse que você viria a mim quando chegasse a hora, e eu tinha certeza que seria quando Hazor estivesse com medo e isso o dominasse tanto que ele começaria a cometer erros grotescos.
- Como assim? - perguntei.
- Enquanto o desespero dele domina seu coração, ele pensou que levando o livro negro para Ghalan seria o suficiente para te destruir, já que já fez isso antes - Vizeu fez um sinal para que eu o acompanhasse, e senti Kian levantar-se de seu lugar e se prostrar ao meu lado com sua mão na bainha - Fique tranquilo, Misac, isso não é uma armadilha.
- Vindo de você, eu ficarei com o benefício da dúvida.
- Compreendo.
Vizeu seguiu em frente e dobrou alguns corredores, o que me fez imaginar qual seria o tamanho daquela biblioteca.
Todos os livros de Ermont estavam lá, guardados e muitos deles acorrentados. As estantes eram gigantescas, banhadas em ouro puro e sustentavam livros de todas as cores e formas.
Mas era doloroso ver todos aqueles objetos tão preciosos trancafiados naquela sala.
Após mais algumas curvas, Vizeu parou em frente a uma parede de mármore, e encostou sua mão numa fina linha na parede, que se parecia mais com uma rachadura, quase imperceptível.
Um som de tranca se desprendendo foi ouvido e uma passagem se abriu à nossa frente, dando a vista para longas escada que desciam até uma escuridão angustiante.
- Descobri essa passagens há muitos anos, em uma das minhas visitas a Hazor. Mas não faço ideia do que há lá embaixo. - Vizeu pegou uma das tochas que iluminavam a biblioteca e sorriu como um louco - Vamos?
- Pode ir na frente - falei, ainda desconfiada.
Descemos aquela escadaria escura e entramos em mais um corredor inundado por um silêncio absoluto. Andamos em linha reta por mais ou menos 10 minutos, até pararmos numa bifurcação. Vizeu praguejou alguma coisa em uma língua antiga, o que poderia ser um xingamento.
- Vindo de Hazor, você realmente esperava que seria fácil? - Disse Kian, sorrindo de maneira debochada.
- Eu tinha me esquecido como você é extremamente desprezível, soldado. - Vizeu estava visivelmente frustrado, mas sabia que Kian estava certo.
- O que você procura? - perguntei.
- O livro dourado. Era de nosso pai, e ficou perdido por milhares de anos. Sessenta e sete anos atrás, Hazor o encontrou em uma caverna e desde então tenta destruí-lo. Sem sucesso, é claro. O livro é mágico, só pode ser tocado por quem possui a magia profunda.
- E você espera que eu o abra para entregar de bandeja a Hazor? - eu não poderia descartar nenhuma hipótese.
- Não vou traí-la.
- É claro que não - sussurrei, de forma sarcástica.
- O que acontece se errarmos o caminho? - perguntou Carl, olhando para as duas direções, seus olhos demonstravam medo e uma parte de mim se feriu, imaginando o que ele havia sofrido dentro daquele castelo.
- Provavelmente ambos os caminhos tem armadilhas mortais, mas um deles provavelmente leva a algo extremamente cruel e sádico, pelo que conheço de meu irmão.
- Então temos que adivinhar o melhor caminho? - Carl já estava com a voz embargada.
- Não - Kian olhava para Vizeu com uma compreensão absoluta - O livro estará guardado por algo extremamente cruel e sádico. Temos que adivinhar o pior caminho.
- Que animador. E por que temos que pegar a droga desse livro mesmo? - questionei.
Kian suspirou enquanto fazia uma cara reprovadora, mas não para mim, para si mesmo. Ele estava escondendo outra coisa.
- Fala, Kian - já começava a sentir minha raiva retornando.
- Darius usava esse livro para escrever como dominar a magia de forma íntegra, era o objeto que ele guardava com a sua vida. E não poderia ser diferente, porque esse livro literalmente guarda a vida dele.
- O que?
- Antes de desaparecer, Darius findou o livro com o último sopro de sua magia e se prendeu lá dentro. Se você conseguir pegá-lo, pode trazer seu pai de volta a vida, e terá mais uma ajuda para acabar com essa guerra.
Parecia que eu estava vivendo para assistir a ascensão de antigas almas.
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Oi, amores!!
Perdão novamente pelo sumiço, a vida anda uma loucura!!
Vou tentar reparar isso essa semana, a intenção é postar entre um ou dois capítulos por dia!!
Não desistam de mim.❤
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Depois das Chamas
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