Um plano para nós (PAUSADO)

By MihBrandao

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Após ter sua família irrevogavelmente desestabilizada por um infeliz acontecimento que resultou na separação... More

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11 - Parte I
Capítulo 11 - Parte II
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Palavras de uma autora esgotada
Capítulo 37 part. I
Capítulo 37 part. II
Capítulo 37 part. III
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64 - Parte I
Capítulo 65
Capítulo 66 - Parte I
Capítulo 66 - Parte II
Capítulo 67
Capítulo 68 - Parte I
Capítulo 68 - Parte II
Capítulo 69
Capítulo 70
Capitulo 71

Capítulo 64 - Parte II

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By MihBrandao

Thomas narrando:

- Ainda era o turno de Robert e Josh, eles devem ter aberto o portão. - Sullivan disse enquanto eu continuava embasbacado encarando a tela. - Desde que o senhor permitiu os empregados receberem visitas fica difícil filtrar quem entra e sai.

- Elas são irmãs. - Angeline emitiu numa voz fraca, perplexa.

Olhei para ela, o choque em meus olhos refletido nos dela.

Como raios eu não sabia disso?

- Senhor, vai querer ver isso. - Carl chamou minha atenção outra vez.

Olhei a tela novamente que agora continha a imagem da câmera do corredor do segundo andar. Era notável que o momento retratado no vídeo era no mínimo uma hora posterior ao vídeo anterior, já que a claridade entrando pelas vidraças denunciava que o dia havia clareado totalmente.

Eileen estava de pé com o ouvido pregado na porta do meu quarto segurando as roupas de Kelly nas mãos. Ela permaneceu assim por alguns segundos antes de abrir uma pequena fresta e espiar dentro, então entrou furtivamente e fechou a porta atrás de si. Cerca de dez segundos depois a porta de um dos quartos de hóspedes do outro lado do corredor se abriu e Kelly saiu vestida apenas com a camisa que eu usava na noite anterior, fechando os botões.

- O senhor queria saber como essa mulher entrou no seu quarto? - Carl perguntou se virando pra me olhar. - Bem, ela não entrou.

Ele voltou sua atenção para o monitor bem a tempo de ver Eileen sair do meu quarto, fechando a porta com cuidado.

- O que está fazendo? - Ela indagou ao encontrar Kelly no corredor. - Alguém pode ver você!

- Não é esse nosso objetivo?

Eileen balançou a cabeça para os lados e se aproximou da irmã para bagunçar seu cabelo com as mãos.

- Não sei quanto tempo ele vai levar no banho, então seja rápida. Se ele sair antes dela chegar tudo vai estar perdido.

Kelly riu.

- Do jeito que ele estava bêbado ontem, duvido que se lembre de alguma coisa.

- Mesmo que se lembre, ele não vai poder provar nada. - Eileen garantiu. - Pelo menos não antes da namoradinha fugir chorando para as montanhas.

Ambas riram e Eileen recuou um passo para observar Kelly, assentindo com olhos orgulhosos.

- Perfeita. Agora vá, depois me encontre no casebre. Seja discreta. Não quero que alguém pense que a gente se conhece.

- Tem certeza que este lugar não tem câmeras?

- Eu trabalho aqui há anos, eu saberia se tivesse.

Kelly assentiu.

- Onde fica a cozinha?

- É só virar à direita no final da escadaria. Vá.

Kelly saiu do alcance do vídeo quando desceu as escadas, e após olhar para os dois lados do corredor, Eileen ajeitou o avental e desceu também.

Carl e Sullivan se viraram para mim, que por minha vez olhei para Angeline. Ela tinha os olhos chocados fixos na tela e a boca aberta em descrença, sem nenhuma reação.

Eu queria poder dizer algo, mas tudo o que existia em minha mente era o desejo desenfreado de sair daquela guarita e voltar para casa; no entanto eu sabia que se fizesse isso certamente dormiria numa cela de prisão por alguns anos. Então respirei profundamente e tentei me concentrar na garota à minha frente, buscando em seu rosto a calma que eu precisava para permanecer onde estava.

Angeline piscou parecendo lentamente despertar do seu estado de choque.

- Por que elas fariam uma coisa dessas? Isso é... cruel.

Apertei os lábios com força e olhei para Sullivan em seguida:

- Ligue para o Mike. Processe as duas por invasão de privacidade, invasão de domicílio, difamação, injúria, que seja, não importa. Quero que elas... - Mas minha voz se perdeu quando a mão de Angeline tocou a minha, entrelaçando gentilmente nossos dedos.

Olhei para ela, que sorriu pra mim.

- Eu tenho uma ideia melhor.

- Peça qualquer coisa, menos que eu tenha piedade.

Ela respirou profundamente e apertou os lábios, desviando os olhos para a tela ao balançar a cabeça.

- Me dê alguns minutos com elas. Depois faça o que quiser.

Permaneci encarando Angeline por vários segundos, perguntando a mim mesmo se eu conseguiria manter minha fúria sob controle por alguns minutos enquanto ela fazia o que quer que sua mente piedosa cogitava. Honestamente, eu não tinha ideia se seria capaz, mas poderia fazer um esforço por ela.

Olhei para Carl novamente.

- Os empregados ainda têm direito de receber visitas, mas a partir de agora, os únicos que podem permitir a entrada de qualquer pessoa na propriedade são Angeline e George. Ninguém mais. - Olhei a tela do computador e fechei a cara. - Essa mulher, no entanto, não entra nem sob a ordem do presidente. Eu fui claro?

- Sim, senhor.

- Cuide pra que Robert e Josh saibam disso.

- Certamente, senhor.

Menos de dois minutos depois, quando saímos da guarita, eu podia sentir o ar absolutamente carregado de uma energia hostil a minha volta. Cada impulso nervoso do meu corpo me estimulava a socar uma das árvores ao meu redor de modo a descontar pelo menos uma pequena porcentagem da minha raiva, mas a mão delicada de Angeline junto a minha era um empecilho poderoso o suficiente pra barrar meu instinto.

Então, após colocarmos poucos passos de distância entre nós e a porta de aço no chão, ela parou subitamente na minha frente e se ergueu na ponta dos pés, soltando minha mão e abraçando meu pescoço me pegando totalmente de surpresa.

Pisquei, por um momento confuso com sua atitude. Por fim, retomando vagamente meus reflexos, a envolvi pela cintura num abraço hesitante.

- Obrigada por não ter dormido com ela. - A ouvi dizer num sussurro.

Fiquei parado segurando seu corpo junto ao meu enquanto os pensamentos cruzavam minha mente substituindo aos poucos a raiva pela incerteza. As lembranças do dia anterior, a maneira como a sacudi, seu olhar assustado, sua decepção, sua tristeza, suas lágrimas. Ela tinha tantos motivos para me odiar, tantos motivos para me deixar sem nem sequer olhar para trás... mas ao invés disso estava me agradecendo.

Me perguntei, não pela primeira vez, que tipo de pessoa seria essa mulher.

- Você não vai embora, não é? - Eu quis saber.

Angeline se afastou de mim sorrindo, mas seu sorriso vacilou quando ela notou minha expressão.

- Você quer que eu vá? - Ela perguntou com uma leve ruga se formando entre suas sobrancelhas.

Respirei fundo olhando as manchas escuras em seus dois braços, sentindo um gosto amargo na boca antes de admitir:

- Eu fiz isso.

Seus olhos seguiram os meus, mas antes que ela pudesse responder, segurei suas duas mãos e as ergui.

- E isso. - Apontei os cortes em suas palmas, em seguida levantei seu rosto para mim e afastei seu cabelo da testa, roçando levemente o dedo sobre o band-aid recém-colocado. - E isso.

- Não. - Ela se afastou do meu toque balançando a cabeça. - Isso foi culpa da Eileen e da Kelly.

- Mas não teria acontecido se não estivéssemos juntos.

Ela ficou me olhando por alguns segundos como se tentando entender onde eu estava querendo chegar. Então desviou os olhos para algo atrás de mim, pensou por mais alguns segundos e franziu a testa, me encarando novamente.

- O que está tentando me dizer, Thomas?

Engoli em seco sem quebrar nosso contato visual. O pensamento era deprimente mas ainda assim, era a única certeza que eu tinha no momento. Droga, eu não sou bom o suficiente pra ela.

- Você merece alguém melhor do que eu.

Angeline recuou um passo, mas não respondeu. Enquanto me encarava sem qualquer emoção, eu pude sentir as batidas do meu coração se tornarem pesadas e sem ritmo. Eu gostaria de poder voltar no tempo e apagar toda a burrada que havia feito, mas visto que isso está fora do meu alcance, só me resta tentar evitar piorar o que já está um fracasso. Eu não posso machucá-la. Não de novo.

Me aproximei dela e acariciei seu cabelo, segurando seu rosto entre as mãos e sentindo minha garganta se fechar conforme a percepção me atingia:

- Você merece alguém que te ame sem nunca ter te machucado, Angel. Alguém que não tenha um maldito peso na consciência pela quantidade de vezes que te fez chorar. - Pisquei para disfarçar as lágrimas. - Alguém em quem você confie cegamente, e que tenha as mesmas crenças que você pra te apoiar quando precisar. Alguém com um coração tão puro quanto o seu... que te faça tão feliz quanto você merece ser.

Afastei minhas mãos do seu rosto deixando-as cair ao lado do meu corpo e franzi a testa para mim mesmo antes de repetir:

- Você merece alguém melhor do que eu.

O peito de Angeline subiu e desceu com uma respiração suave antes dela desviar sua atenção para a floresta.

- Tem razão. - Disse baixinho.

Senti meu coração literalmente se encolher dentro de mim. Uma coisa era eu estar ciente de que não sou bom o suficiente para ela, outra coisa é ela reconhecer isso.

E subitamente eu soube que estava na hora de abrir mão. Eu não posso prendê-la a mim só porque minha vida sem ela fica cinza. Eu a amo demais pra fazer isso.

Abri minha boca, mas ela foi mais rápida que eu:

- Então é melhor você começar a ser esse alguém.

Pisquei, minhas palavras se perdendo antes de serem pronunciadas.

Angeline suspirou e balançou a cabeça para os lados entediada, como se explicando pela décima vez a tabuada pra uma criança:

- Você é o único homem que eu quero, Thomas. Então se acha que eu mereço alguém melhor, torne-se esse alguém, porque eu não pretendo desistir de você. Mesmo sendo um completo babaca irracional as vezes... eu ainda estarei aqui.

Em poucos segundos suas palavras acalmaram o tumulto em minha mente e aqueceram novamente meu coração. O que de tão bom eu devo ter feito na vida para merecer essa mulher?

- Por quê? - Perguntei franzindo a testa. - O que te garante que vamos dar certo?

Ela encolheu os ombros, os olhos determinados se tornando perceptivelmente mais suaves:

- Minha fé. - E antes que eu respondesse, ela completou: - Mas claro, isso não te impede de procurar uma ajuda profissional.

- Ajuda profissional? - Juntei as sobrancelhas.

- Pra controlar esse seu jeito impulsivo. - Seus olhos se mantinham suaves conforme ela dizia calmamente, roçando devagar o dedo indicador pela minha clavícula: - Porque se você tocar em mim daquele jeito de novo, Thomas... eu vou colocar sonífero na sua comida, esperar você dormir, pegar uma marreta e esmagar cada ossinho da sua mão. E acredite, isso não vai ter nada a ver com o que eu sinto por você.

Fiz uma careta para sua expressão séria de quem não estava brincando. Uau, nunca imaginei que essa delicada garota ingênua pudesse me ameaçar...

- Vou aceitar a ajuda profissional, então. - Garanti.

- Ótimo.

Ela se afastou de mim para continuar o caminho pela floresta, mas antes que desse o primeiro passo, eu a parei novamente. Engoli em seco quando ela se voltou para mim, me perguntando se eu não devia apenas deixá-la ir.

- Estou arruinando sua vida, Angeline. - Libertei o que me atormentava. - E eu prometi que não faria isso.

Ela permaneceu me olhando por alguns segundos como se esperando eu dizer algo mais, mas como eu não disse, ela se adiantou sem desviar seus olhos dos meus:

- Por isso você acha que eu devo ir embora?

Não respondi. Merda, ela deve ir porque eu sou um maldito miserável que sempre estraga tudo o que existe de melhor na vida, e não vou conseguir viver comigo mesmo se fizer isso com ela. Mas honestamente, um futuro onde ela não exista não é algo que eu consigo imaginar.

Angeline revirou os olhos e cruzou os braços diante do meu silêncio.

- Você prometeu que não iria me magoar, e eu prometi que só iria embora quando você dissesse que não me ama mais. Vai dizer agora?

O silêncio cresceu outra vez, o que a fez erguer uma sobrancelha.

- Você vai dizer agora? - Perguntou de novo. - Porque se não disser, essa conversa termina aqui.

Expirei o ar e balancei a cabeça, levando um momento até encontrar minha voz:

- Eu nunca vou conseguir dizer isso.

- Ótimo. Porque temos coisas mais importantes pra fazer em vez de discutir nosso relacionamento no meio de uma floresta.

Ela me deu as costas e continuou andando sem olhar para trás, me forçando a acompanhá-la. Quem diria que uma conversa que imaginei que terminaria com um coração partido, terminou com um maldito sorriso idiota tentando se formar em meu rosto.

- O que você vai fazer com elas? - Perguntei um momento depois segurando sua mão, aceitando sua conveniente vontade de encerrar o assunto anterior.

- Eu não sei.

Enruguei o nariz.

- Pensei que você tivesse um plano.

- Eu tinha. - Ela se defendeu. - Te impedir de envolver a polícia. Funcionou.

Estreitei meus olhos para ela sem acreditar que ela havia me enganado. Eu podia facilmente estar vendo as duas respondendo a um processo agora.

- Eu vou pensar em alguma coisa. - Angeline disse encarando as folhas secas no chão enquanto passava sobre elas.

- Posso te ensinar alguns golpes de karatê, se quiser. Podem ser úteis.

Ela me olhou surpresa.

- Eu não sabia que você lutava karatê.

- Meu irmão luta. Ele me ensinou algumas coisas.

- Eu agradeço, mas dispenso. - Ela desviou os olhos. - Não sou muito fã de violência.

- E lá se foi meu sonho de ver duas mulheres brigando por mim.

Ela soltou uma gargalhada curta, levando a mão ao corte na testa logo em seguida.

- Ai. - Gemeu.

Olhei para onde ela tocou e balancei a cabeça em reprovação.

- Evite movimentos bruscos, vou cuidar melhor disso quando chegar em casa.

Ela assentiu, focando sua atenção no chão novamente.

- Ano passado eu vi duas mulheres brigando por você.

Franzi a testa.

- É mesmo?

- Na verdade eram duas garotas que estudavam comigo. Acho que tinha algo a ver com alguma matéria que elas leram.

Minha curiosidade foi despertada quando ela parou de falar.

- Me conte mais.

- Eu não sei exatamente como começou. Sei que eram duas amigas que se empolgaram demais com o amor que sentiam pela sua aparência e começaram a discutir.

- Amor pela minha aparência. - Repeti curioso.

- Claro. Se elas conhecessem sua personalidade naquela época, provavelmente não teriam brigado.

Eu ri, o que levou Angeline a deixar escapar um leve sorriso também.

- Eu e Diana rimos muito. Foi ridículo.

- Ridículo elas brigarem, ou ridículo elas brigarem por mim?

Ela revirou os olhos.

- Ridículo brigarem por você. Brigar é normal, todo mundo briga, mas brigar por um homem que você nem sequer conhece... fala sério, é patético.

Não pude deixar de concordar.

- Mas e você? - Eu quis saber dando espaço pra que ela passasse em minha frente quando chegamos às pedras do lago, o que ela fez devagar, sem soltar minha mão. - O que achava sobre essas matérias?

- Eu nunca parei pra ler alguma matéria sobre você.

Ergui as sobrancelhas surpreso, observando atentamente os passos de seus pés, sem o menor interesse em olhar onde os meus estavam pisando.

- Nunca?

Ela negou com a cabeça e me olhou quando chegou do outro lado em segurança.

- O seu ramo de trabalho não me interessava e você parecia esnobe em todas as fotos em que aparecia. Nunca vi uma em que estivesse sorrindo. Pra mim era apenas mais um executivo pé no saco que se achava o soberano porque sabe que possui muitas qualidades. - Ela encolheu os ombros enquanto deixávamos para trás a área de descanso dos empregados - Não era alguém que eu desejava conhecer.

- Uau. E eu pensando que as adolescentes me amavam porque eu sou sexy.

Ela sorriu.

- A maioria delas, sim. Mas fala sério, existem milhares de homens bonitos no mundo. Você é apenas um deles, não é grande coisa.

- Sou o único sortudo que conquistou seu coração. - Respondi com satisfação, subindo a escadaria externa da casa.

Angeline me lançou um sorriso bobo antes de revirar os olhos.

- Não seja tão convencido, é muito fácil me conquistar.

- Diga isso para os três meses em que eu venho tentando. - Respondi no momento em que passamos pela porta da cozinha.

Percebi pelo canto do olho - porque não consegui olhar diretamente - Kelly sentada no mesmo lugar onde a vi pela ultima vez, e George e Sarah conversavam ao lado da ilha sobre algo que foi interrompido tão logo nos viram.

- Angie. - A mulher exclamou assustada ao notar a sujeira e os machucados na filha, se aproximando dela com rapidez enquanto eu soltava sua mão. - O que aconteceu?

- Levei um tombo no lago. - Ela inclinou a cabeça quando a mãe inspecionou o band-aid em sua testa. - Estou bem, Thomas me ajudou.

- George, vá até o meu quarto e tire de lá tudo o que não me pertence, por favor. - Pedi ao mordomo enquanto pegava no armário o kit de primeiros socorros. - E me traga uma camisa.

- Sim, senhor. - Ele olhou para Angeline, que sorriu com carinho e acenou com a cabeça. Ele sorriu de volta, evidentemente aliviado, e se foi depois de lançar um olhar impassível para Kelly.

- Você precisa de roupas limpas. - Sarah disse depois de analisar o rasgo que eu fiz no cós da blusa de Angeline.

- Você pode providenciar pra ela, Sarah? - Perguntei colocando a maleta de primeiros socorros sobre a pia pra me aproximar delas outra vez. - Ela pode tomar um banho em um dos banheiros da casa.

Sarah olhou para mim e assentiu, se voltando pra filha em seguida.

- Eu não demoro. - Prometeu antes de sair rapidamente da cozinha.

- Venha. - Levei Angeline até a pia onde a ergui e a coloquei sentada ao lado da maleta, de modo que seu rosto ficou poucos centímetros acima do meu.

Eu era capaz de sentir os olhos de Kelly pregados em minhas costas, mas tentei fingir que ela não existia.

- Sabe, não foram três meses. - Minha garota alegou enquanto eu pegava o medicamento anti-séptico e o algodão, aparentemente à vontade com a indesejável presença da ruiva na cozinha.

- O quê?

- O tempo que você levou pra me conquistar. Não foi tudo isso.

- É mesmo? - Retirei com cuidado seu band-aid e o arremessei na lixeira da pia. - Quanto tempo foi?

- Hm... dois meses. Talvez menos.

Franzi a testa, o que a fez sorrir.

- Quando você me levou àquele clube... acho que começou nesse dia.

Sorri e encostei delicadamente o algodão embebedado com o anti-séptico em sua testa, o que a fez recuar e resmungar com uma careta.

- Desculpe. - Pedi. - Não queremos que isso infeccione.

Ela suspirou e desviou os olhos, aceitando meu cuidado.

Pressionei o algodão pela segunda vez e limpei suavemente o corte antes de dizer:

- Você me conquistou desde que quebrou meu troféu.

Angeline sorriu abertamente e me deu um tapa no ombro.

- Isso não é verdade.

Eu ri de volta, jogando o algodão sujo na lixeira e pegando um curativo na maleta.

- Não, não é. Mas eu soube que você iria me conquistar, desde aquele dia.

- Com licença. - Kelly pronunciou mais alto do que precisava, claramente insatisfeita. - Querida, eu não sei o que ele te disse, mas o fato de não se lembrar que dormiu comigo, não significa que ele não tenha dormido. - Ela soltou um risinho sarcástico. - Aliás, do jeito que estava bêbado ontem, duvido que se lembre de muita coisa.

Os olhos de Angeline se mantiveram presos aos meus enquanto eu colocava o curativo novo em sua testa.

- Eu posso provar que não estou mentindo. - Kelly continuou, percebendo que suas palavras anteriores não surtiram efeito. - O motivo da briga de vocês foi a sua crença em Deus, algo que ele não tem. Agora me diga, como eu saberia disso se ele não tivesse me contado? Oh, e claro... como teria entrado no quarto dele se ele não tivesse me convidado?

Busquei uma profunda respiração enquanto focava minha atenção nas palmas das mãos de Angeline, limpando-as com cuidado e torcendo pra que ela decidisse dizer algo antes que eu perdesse minha paciência.

- Senhor, aqui está. - Ouvi a voz de George atrás de mim e me virei para ele. - Isso é tudo o que encontrei que não te pertence.

Ele depositou uma sacola preta sobre a ilha da cozinha relativamente próxima de Kelly, em seguida deu a volta e me estendeu uma camisa limpa.

- Obrigado, George. - Agradeci antes de vestí-la.

- Deseja mais alguma coisa, senhor?

- Diga a Eileen pra vir aqui. Depois pode voltar ao trabalho.

- Sim, senhor.

Depois que George saiu, Kelly não disse nada por bons segundos. Então, quando eu finalmente terminei de limpar as mãos de Angeline e comecei a cuidar de sua perna, sua voz foi emitida novamente atrás de mim:

- Quer saber? Não sou obrigada a ficar assistindo essa palhaçada. Se você não se incomoda em ser traída, o problema é seu.

Ouvi o rangido da banqueta sobre o mármore do chão quando ela se levantou.

- Sente-se, Kelly, eu ainda quero falar com você. - Angeline disse naturalmente.

- Vai ficar querendo, docinho. - A sacola farfalhou quando ela a pegou da ilha. - Eu tenho mais o que fazer.

- Sair dessa casa não vai ser tão fácil quanto você entrou, Kelly. - Falei, pela primeira vez me virando para vê-la parar quando estava prestes a sair pela porta. - Então faça o que ela mandou, e sente-se.

Ela continuou parada por alguns segundos até que Eileen chegou. Quando se encontraram, a empregada hesitou por bons segundos antes de entrar na cozinha, passando pela ruiva como se não a conhecesse.

- Mandou me chamar, senhor? - Perguntou.

- Sim. Angeline quer falar com vocês. - E virando minhas costas para ela, joguei o algodão sujo na lixeira e analisei a perna dela com cuidado enquanto completava: - Mande sua irmã se sentar de uma vez enquanto ainda me resta paciência.

Nenhuma delas respondeu. Ao notar que meu trabalho estava feito, endireitei minha postura e tirei Angeline de cima da pia, beijando sua testa ao colocá-la no chão.

- Está fora de perigo.

- Obrigada. - Ela se desviou de mim para se aproximar das duas mulheres enquanto eu devolvia para a maleta o que havia utilizado. - Por que não se sentam? Eu não mordo, só quero conversar.

Guardei o kit de volta no armário e cruzei os braços ao me apoiar na pia, observando Kelly e Eileen pálidas enquanto encaravam Angeline como se considerando se deviam começar a correr naquele instante.

- Vocês não ouviram o que ela disse? - Eu quis saber.

Finalmente elas pareceram recobrar seus reflexos para se aproximar da ilha devagar, sentando-se lado a lado sem se olharem.

- Vocês não tem nada em comum. - Angeline disse depois de observá-las por um momento. - Além da personalidade, é claro. Quem vê vocês pela primeira vez jamais diria que são irmãs.

- Você disse que não tinha câmeras. - Kelly resmungou num sussurro abafado, mas não baixo o suficiente para me impedir de ouvir.

Eileen não respondeu.

- Eu poderia perguntar o que eu fiz com vocês ou o que vocês têm contra mim pra decidirem fazer isso comigo, mas acho que a resposta é clara. - Angeline disse tranquilamente. - Vocês são apaixonadas por ele.

Olhei para ela, que se mantinha de costas para mim. O quê? Não precisa exagerar, Angel.

- Eu já desconfiava sobre seus sentimentos, Kelly. Mas você, Eileen... foi uma surpresa. Não posso imaginar como deve ser difícil duas irmãs gostarem do mesmo homem e no final ele não escolher nenhuma. Acho que eu também ficaria magoada.

Franzi a testa e voltei minha atenção para as mulheres na frente de Angeline. Kelly olhou para Eileen sem dizer nada, claramente confusa. A empregada por sua vez corou e olhou para suas mãos unidas sobre o colo. O rosto de Kelly ficou vermelho. Não de vergonha, de raiva.

Cacete! O que significa isso?!

- Você gosta dele. - Kelly proferiu entre dentes. Ela parecia prestes a estapear a irmã.

- Eu entendo vocês. - Angeline disse sem se alterar. - É triste amar alguém que não te ama de volta. Mas sabe o que é mais triste ainda? - Ela fez uma pausa antes de responder à própria pergunta: - Ser tão cruel a ponto de não possuir o amor de ninguém.

Eileen e Kelly apenas a encaravam sem dizer sequer uma palavra. Então depois de um momento, Angel prosseguiu devagar:

- O que eu vejo são duas mulheres inteligentes que poderiam fazer grandes coisas e se tornarem mais realizadas do que muita gente jamais conseguiria, mas ao invés disso passarão o resto da vida tentando encontrar felicidade na dor de outras pessoas. Jamais irão conhecer o amor verdadeiro e jamais terão amigos de verdade. Nunca saberão o valor que a vida tem, até que um dia vocês irão se olhar no espelho e perceber que anos se passaram e não te restou nada... nada. Os amigos que vocês achavam que tinham... a beleza que atraía olhares... a juventude que pensaram que nunca iria acabar... isso vai escorrer por entre os seus dedos antes que vocês percebam, e só então se darão conta de tudo o que perderam.

Angeline cruzou os braços.

- E sabem onde eu estarei quando isso acontecer? - Perguntou. - Estarei ocupada demais sendo feliz pra me lembrar de lamentar por vocês.

Parado onde estava, observei as expressões das mulheres que a escutavam. Nos olhos de Eileen, apesar de notar um traço de raiva, eu também podia perceber que aquelas palavras a afetavam. Kelly, no entanto, parecia surda a tudo o que ouvia. Não havia nada no brilho de seus olhos além de ódio, eu só não sabia se ele estava sendo direcionado à Angeline ou à própria irmã.

- Eu devo admitir que o plano de vocês foi bom. - Angeline balançou a cabeça. - Foi mesmo. Vocês foram tão geniais, que por um momento me fizeram acreditar. Mas não funcionou... e se por acaso tentarem de novo, também não vai funcionar. Sabem por quê? - Ela inclinou a cabeça para um lado. - Porque o sentimento que existe entre a gente é mais forte do que sua inveja, e não importa o que façam... o coração dele vocês jamais tomarão de mim.

Suspirei. Ah, Angeline, você não faz ideia do quanto está certa...

- Eu fiquei com raiva, admito... mas não quero vingança. Eu sei perdoar. Só que no céu existe um Deus que é piedoso, mas também é justo. Ele vai dar tempo a vocês pra viverem do jeito que quiserem, mas vai chegar um dia em que Ele vai devolver tudo o que estão plantando, e quando esse dia chegar, acreditem... Ele não vai descontar nada.

Antes mesmo de Angeline terminar a última frase Sarah surgiu na porta segurando suas roupas chamando momentaneamente sua atenção, e após olhar a mãe por um momento ela se voltou pra Kelly.

- Só mais coisa. - Disse se inclinando sobre a ilha em direção à ruiva. - Preste atenção ao que eu vou dizer, Kelly, porque eu só vou falar uma vez. Eu sou cristã, eu perdoo, eu relevo. Mas eu não sou santa e não tenho sangue de barata. Então fique longe... do meu homem. Eu confio nele, só não gosto de você. E se um dia eu perder a paciência a ponto de quebrar sua cara, eu vou descontar todas as vezes que quis quebrar a cara de alguém mas escolhi perdoar. Pode apostar, eu vou fazer um estrago.

Não pude evitar que um sorriso surgisse no canto do meu lábio. Porra, eu amo essa mulher.

Angeline se endireitou jogando o cabelo para trás.

- Também serve pra você, Eileen. - Finalizou. - É bom que tenham isso em mente. - E se virando pra mim, ela ergueu uma sobrancelha. - Você quer falar alguma coisa?

Descruzei os braços e balancei a cabeça me aproximando dela.

- Não. Vou fazer uma carta de demissão agora, você pode usar meu banheiro pra tomar banho.

- Você pode deixar essa camisa com ela? - Perguntou apontando pra Kelly.

Encolhi os ombros.

- Claro. Eu não pretendo usá-la outra vez, de qualquer forma.

Ela ergueu uma sobrancelha para a ruiva:

- Então, faça bom proveito. Isso é tudo o que você vai conseguir dele. - E se virando para a empregada, completou: - Quanto a você, Eileen... é uma pena não poder dizer que foi um prazer te conhecer.

Finalmente! Eu me perguntava quando ela iria me deixar demití-la.

Levei Angeline até a porta onde sua mãe nos esperava encarando a filha sem demonstrar nada, mas antes que chegássemos até ela Eileen nos interrompeu:

- Angeline, preciso falar com você.

- Acho que já foi dito tudo o que precisava.

- E eu acho que você vai querer me ouvir.

Nos viramos para Eileen, que tinha os olhos fixos em Angeline. Minha namorada olhou pra mim e eu sustentei seu olhar antes de quebrar o silêncio.

- Você sabe que não precisa fazer isso.

Ela olhou pra Eileen outra vez e permaneceu a observando por alguns segundos, em seguida se voltou para Sarah, pegando as roupas da sua mão.

- Obrigada, mãe. Pode voltar ao trabalho, eu te vejo depois.

- Tem certeza?

- Sim. Está tudo bem.

Sarah hesitou, mas depois de me lançar um olhar questionador, ela apenas se foi.

Angeline se aproximou da ilha outra vez e colocou as roupas sobre ela.

- Vamos conversar, então. Mas eu quero sua irmã fora daqui.

Kelly pegou a sacola com suas coisas sobre a ilha e lançou um olhar cortante para Eileen ao se levantar, sussurrando tão baixo para ela que eu só pude entender lendo seus lábios:

- Quando for chutada daqui, faça o favor de não aparecer lá em casa. Hipócrita.

Angeline e Eileen mantiveram o contato visual enquanto Kelly passava por mim feito um raio e saía da cozinha. Peguei meu celular no bolso da calça e enviei uma mensagem rápida para George permitir sua saída.

- Thomas. - Angeline chamou assim que pressionei "enviar".

Olhei para ela.

- Pode nos deixar a sós, por favor?

- Não. - Guardei o celular novamente.

- Por favor. - Ela pediu de novo. - Não tem como ela me prejudicar aqui dentro.

Olhei para Eileen que me encarava impassível. Que merda essa mulher vai aprontar dessa vez?

- Eu te encontro depois. - Angeline assegurou.

Suspirei. Eu preciso aprender a dizer não pra ela com mais firmeza.

- Estarei no meu escritório.

Ela assentiu, e depois de olhar para Eileen uma última vez, fiz meu caminho hesitantemente até meu destino. Não posso negar que o desejo de permanecer escondido atrás da porta era imenso, mas reconsiderei minha ideia. Da última vez que fiz isso por pouco eu não perdi definitivamente Angeline.

Eu havia acabado de me sentar atrás da mesa de trabalho quando meu celular vibrou anunciando o recebimento de uma nova mensagem. O remetente era George:

"Cabelo de fogo dispensada com sucesso."

Respondi rapidamente:

"Ótimo. Agora só falta mais uma."

Liguei o computador e abri o modelo de uma carta de demissão, mas antes de começar a preencher, uma batida na porta me fez suspirar aliviado. Bem, aparentemente a tal conversa foi mais rápida do que imaginei.

- Entre. - Pedi.

Mas quem abriu a porta não foi Angeline.

- Com licença, senhor. - Sarah pediu ao entrar. - Está ocupado?

Me recostei na poltrona franzindo levemente a testa.

- Pode esperar.

Ela entrou e fechou a porta.

- Bem, vai ter uma vigília na minha igreja hoje à noite e eu gostaria de ir. Começa às onze e termina por volta de três da manhã, tudo bem para o senhor se eu for?

- Como você pretende chegar lá e voltar depois?

- Hm... de táxi.

- Posso pedir que Ethan te leve, se quiser. Ele não vai estar fazendo nada.

Sarah riu.

- Ele vai estar dormindo, senhor. Não é necessário, mas agradeço a preocupação.

Balancei a cabeça devagar.

- Como quiser. Angeline também vai?

- Não sei, eu ainda não falei com ela. - Ela encolheu os ombros. - Queria falar com o senhor antes.

Assenti outra vez.

- Você não estará em horário de trabalho, então divirta-se. Digo, ore. Ah, sei lá o que se faz numa vigília.

Sarah riu de novo.

- Acho que os dois. - E com um aceno, ela alfinetou: - Obrigada, senhor.

Ela se virou para sair do escritório e eu me preparei para voltar à minha tarefa quando um pensamento me ocorreu:

- Sarah. - Chamei novamente.

Ela parou e se voltou para mim.

- Hoje mais cedo... quando você viu aquela mulher na cozinha vestida com a minha camisa e eu te disse que não havia traído sua filha... você disse que já sabia.

Ela afirmou com a cabeça. Franzi a testa.

- Como... você soube?

Ela me lançou um sorriso genuíno como de alguém que desfrutava de uma piada particular.

- Os olhos não mentem, senhor.

Levei um momento até conseguir encontrar uma resposta:

- Talvez eu apenas não me lembrasse.

- Oh, eu não me refiro aos seus olhos. - Ela balançou a cabeça para os lados. - Quero dizer... levando em conta o seu desespero era de se imaginar que o senhor fosse inocente, mas foi os olhos daquela... moça... que me deu a certeza.

- Kelly. - Murmurei.

Sarah balançou a cabeça devagar.

- Ela não parece uma boa pessoa.

- É o que Angeline também diz.

- Então eu devo estar certa.

E antes que eu pudesse responder, uma outra batida na porta se fez ouvir um segundo antes da mesma ser aberta. Dessa vez foi Angeline quem entrou. Ela olhou para a mãe, depois para mim, e então para a mãe novamente, deixando escapar um sorriso.

- Oi, mãe.

- Oi, querida. Tudo bem?

- Tudo. - Ela assentiu. - Eu posso falar com o Thomas a sós?

Sarah me olhou antes de se voltar para a filha e afirmar com um menear de cabeça.

- Claro. Te vejo mais tarde.

Ela se aproximou da filha e beijou sua testa antes de sair, fechando a porta atrás de si.

Virei a poltrona para me levantar, mas Angeline me deteve estendendo a mão.

- Não. - Pediu subitamente. - Fique sentado.

Não existia mais um sorriso em seu rosto. A mulher decidida que eu deixei na cozinha minutos atrás de repente parecia ter evaporado, dando espaço a uma... apreensiva?

Hesitante, relaxei na poltrona outra vez. Angeline engoliu e mordeu o lábio por vários segundos antes dizer me olhando com cuidado:

- Eu preciso te pedir uma coisa. - E depois de uma pausa, completou: - Mas você não pode me fazer perguntas. Vai ter que confiar em mim.

O franzido em minha testa se aprofundou. Droga, eu devia ter ficado atrás da porta para ouvir a conversa.

- Promete? - Ela quis saber.

Precisei de um segundo para balançar a cabeça, concordando.

- Está bem.

Ela respirou fundo e olhou para os próprios pés antes de resmungar em voz baixa:

- Não demita a Eileen.

Eu recebi as palavras, mas em meu cérebro elas não fizeram nenhum sentido.

- Desculpe... o que disse?

Angeline engoliu novamente e balançou a cabeça.

- Eu sei que é confuso e... que não dá pra entender. Mas só dessa vez... só dessa vez, desconsidere o que ela fez.

- Você está ouvindo o que está me pedindo?

- Eu sei. Por favor, faça isso por mim.

Meu queixo caiu em meu rosto chocado. Eu não podia acreditar. Depois de tudo o que essa mulher fez, como raio eu posso desconsiderar?!

Fechei os olhos e apertei o canto deles com o polegar e o indicador. Respire, Thomas, respire...

- Quando estávamos na guarita, você me impediu de processá-las e pediu um tempo com elas. Disse que depois eu poderia fazer o que quisesse. - Tirei as mãos do rosto e abri os olhos para olhá-la. - O que mudou?

Ela abaixou os olhos para o chão.

- Essa é a última vez que eu a defendo. Por favor, confie em mim.

- Eu confio em você, Angeline. Droga, eu confio em você com a minha vida, mas o que está me pedindo é um absurdo, não consegue perceber isso?!

- Sim... eu sei.

Permaneci a encarando, esperando algo mais, mas ela não me deu nada. Ela parecia irredutível ao que queria, mas evidentemente esperar pela lógica do seu pedido era uma total perda de tempo.

Soltei um longo suspiro e me recostei na poltrona, desviando os olhos. Balancei a cabeça.

- Tudo bem.

- Tudo bem? - Angeline ergueu os olhos para mim novamente.

- Se é o que você deseja...

Ela suspirou aliviada e assentiu, desviando os olhos outra vez.

- Tem outra coisa. - Disse com cautela. - Eu quero que ela trabalhe comigo na cozinha.

- Não. - Respondi prontamente.

- Thomas, por favor, eu estou te pedindo...

- Eu sei. - Respondi indiferente. - A resposta ainda é não.

É isso. Eu também posso ser irredutível.

- Eu acho que nosso problema é que ainda não tivemos a chance de nos conhecer de verdade. Talvez se ela...

- Angeline. - Me inclinei sobre a mesa, cruzando os dedos da mão e falando calmamente pra que ela pudesse entender: - Você quer que ela continue trabalhando aqui, okay. Ela continua. Mas eu não vou dar a ela a chance de te machucar outra vez. Vou cuidar pra que vocês se mantenham tão distantes quanto possível, e isso não é uma negociação. Se precisa de ajuda na cozinha eu contrato um ajudante pra você, mas ela... está fora de questão. Poupe seus argumentos.

Angeline piscou algumas vezes me encarando antes de se dar por vencida e focar sua atenção nas próprias mãos.

- Tem mais uma coisa.

Que merda!

- Talvez eu precise de um calmante antes do próximo pedido. - Falei passando a mão pelo cabelo.

Ela torceu os dedos.

- Sabe o tempo que eu te pedi ontem? - Perguntou suavemente. - Eu preciso dele agora.

Juntei as sobrancelhas.

- Achei que estivéssemos bem.

- Nós estamos. - Se apressou a esclarecer. - Quero dizer... não estou terminando, eu só... preciso de um espaço até segunda-feira. Apenas dois dias, não é grande coisa.

- Por quê?

Ela suspirou, desanimada.

- Você prometeu que não me faria perguntas. Essa já é a quarta.

Esfreguei as mãos no rosto sentindo como se tivesse envelhecido dez anos desde hoje de manhã. O que essa garota está fazendo comigo...

- Segunda-feira é nossa viagem para o Brasil. - Comentei.

- Eu sei.

- Você ainda quer ir? - Tirei as mãos do rosto para olhar para ela.

- É claro que sim. - Ela assentiu. - Nós temos que ir. Nós já combinamos.

Tentei encontrar em seus olhos algum sinal de hesitação ou incerteza, mas quando não encontrei, apenas balancei a cabeça.

- Está bem. - Falei em voz baixa. - Até segunda-feira, então.

- Certo. - Ela passou a língua entre os lábios e expirou. - Obrigada.

- Angeline. - Chamei quando ela se virou para sair do escritório, fazendo-a se voltar para mim. - Isso é uma promessa, não é?

Ela pensou por alguns segundos, em seguida balançou a cabeça num gesto afirmativo.

- Sim. É uma promessa.

- Bom.

E depois de inclinar o canto do lábio na tentativa de um sorriso, ela se foi.

*~*~*~*

P

eguei o celular depois de trinta e cinco abdominais e disquei o número da minha mãe. Já havia passado de nove horas da noite, e depois de decidir trocar o treino de motocross por algumas horas na academia, eu podia dizer que meu corpo estava esgotado. Minha mente, nem tanto.

A chamada foi encaminhada para o correio de voz, o que apesar de me deixar abatido, não me surpreendeu. Eu não consigo me lembrar qual foi a última vez que falei com ela. Sinto sua falta.

Abandonei o celular e liguei uma música eletrônica na caixa de som. Terminei de tomar a água da garrafa e me deixei cair de costas no chão, repassando em minha memória as lembranças do dia. Depois que Angeline saiu do meu escritório eu cancelei a carta de demissão e me ocupei lendo revistas atualizadas de economia e empreendimentos. Não a encontrei na cozinha quando desci para almoçar, apenas a comida recém-preparada na mesa da copa. Então, depois do almoço, cada hora gasta com superficialidades foi uma tortura. Ela me mandou uma mensagem dizendo que iria com a mãe para a tal vigília, e eu me perguntei por que ela não podia simplesmente subir e me dizer isso pessoalmente. Enviei a ela um "Divirta-se" que não foi respondido.

Fechei os olhos e deixei que a música fizesse seu trabalho com seus acordes enquanto minha respiração pós-treino se normalizava e meus pensamentos viajavam em Angeline... em minha mãe... em minha família...

O cansaço acumulado era tanto, que quando me levantei do chão me surpreendi ao notar que estive deitado por quase duas horas. Peguei o celular novamente e inutilmente, enquanto caminhava para o meu quarto, liguei para minha mãe outra vez. O resultado foi o mesmo. Então, me dando por vencido, disquei o número do meu pai. Ele atendeu no terceiro toque.

- Thomas? - Sua voz soou rouca de sono.

- Oi, pai. - Franzi a testa para mim mesmo ao me dar conta de que eu não ligo para ele desde que ele veio até minha casa conversar com Angeline.

De uma forma inconsciente, eu tinha medo de descobrir o que foi que ele disse para abalar a garota que eu não consegui abalar por mais que tentasse. O que quer que tenha sido, eu não tinha certeza se estava pronto o suficiente para saber.

- Você está bem? - Ele perguntou visivelmente preocupado. - Está tarde.

- Eu sei. Desculpe te acordar.

- Não tem problema. Aconteceu alguma coisa?

- Não. - Me sentei na minha cama e passei a mão livre no cabelo. - Sinto falta da minha mãe. Pode me deixar falar com ela?

- Oh... sua mãe. - Meu pai ficou em silêncio por alguns segundos... vários segundos... até finalmente emitir: - Ela está num retiro espiritual.

Franzi a testa.

- O quê?

- Pois é, um retiro. É pra... pessoas viciadas em trabalho. Você conhece sua mãe, só assim pra ela deixar aquele hospital.

- Desde quando?

- Faz um mês. Ela está se divertindo.

Levei um tempo para responder. Algo não estava certo. Talvez o sono estivesse confundindo a memória do meu pai, mas na última vez que visitei o Brasil minha mãe estava em casa. E isso foi há apenas duas semanas.

- Lá é proibido celulares. - Ele continuou. - Por isso você não consegue falar com ela. Mas ela está bem, vai te ligar quando puder.

Me concentrei em respirar para tentar bloquear o sentimento inquietante. Algo me dizia que a situação era mais complicada do que um retiro espiritual, e eu não pude deixar de me perguntar por que e o quê meu pai estava escondendo de mim.

- Você precisa de alguma coisa? - Ele quis saber diante do meu silêncio.

- Não. - Respondi. - Volte a dormir, está tarde. Eu te ligo amanhã.

- Você também. Se minhas contas estão certas, são quase meia-noite aí.

- Sim.

- Tente descansar, Thomas. Você trabalha demais.

Respirei profundamente, fechando os olhos para tentar me convencer de que eu estava pensando bobagens.

- Boa noite, pai.

- Boa noite, filho.

Desliguei sua ligação e disquei o número de Stephan logo em seguida. Meu irmão atendeu no quinto toque, sua voz denunciando que eu o havia tirado do sono também.


- Pelo seu bem, pirralho, eu espero que você não esteja bêbado.

- Você falou com a mamãe hoje?

E de repente ele parecia totalmente acordado.

- Por que a pergunta?

- Eu não consigo falar com ela.

Ouvi Stephan soltar um suspiro do outro lado do telefone.

- Aqui é uma hora da manhã, cara. Por que não tenta de novo quando amanhecer?

- Eu só estou preocupado. - Falei com cuidado. - Quando foi a última vez que vocês conversaram?

Stephan pensou por um tempo do outro lado da linha, então declarou:

- Hoje de manhã, mas não foi uma longa conversa. Ela estava se preparando pra uma cirurgia, então... bem, você sabe como é. Ela tem estado muito ocupada ultimamente, mas vai te ligar quando puder.

Não é a primeira vez que escuto essa frase. E como da outra vez, eu sabia que ela não era verdade.

- Era só isso? Porque você acordou minha mulher também, e nós gostaríamos de voltar a dormir, se não se importa.

- Você devia ligar para o papai. - Respondi.

- Agora? Por quê?

- Eu não sei... talvez queiram ensaiar a próxima mentira antes de contá-la para mim. Assim vocês podem contar a mesma.

Esperei que Stephan me perguntasse, confuso, do que eu estava falando. Mas o silêncio do outro lado da linha apenas aumentou minha certeza.

- Me ligue de volta quando entrarem num consenso.

Desliguei e larguei o celular ao meu lado tentando engolir o bolo que se formou em minha garganta. Eu sabia que ele tocaria novamente em poucos minutos, mas com toda minha força, torci pra que fosse Stephan. Se ele me ligasse de volta poderia existir a esperança de que a ligação falhou na hora em que ele me dera uma explicação, mas se quem me ligasse fosse meu pai, bem... então eu estava certo. Eles escondiam algo de mim, e meu irmão o havia chamado para dizer que foram descobertos.

Por favor, Stephan... por favor...

De olhos fechados esperei que o toque do telefone viesse. Esperei... esperei. E quando ele finalmente começou a tocar, eu não consegui olhar o visor imediatamente.

Que seja o Stephan... por favor, que seja o Stephan...

Abri os olhos e me virei devagar. A palavra Pai se destacava na tela.

Minha respiração escapou e eu mordi o lábio com força. Muito bem, eu posso lidar com isso.

Atendi o telefone.

- Quero falar com minha mãe.

- Thomas, eu...

- Eu sei que ela está com você, então coloque-a na linha agora ou pode apostar que eu estarei voando para o Brasil no próximo avião.

Ouvi a respiração lenta do meu pai não se alterar, o que tirou minha paciência:

- Passe a droga do telefone pra ela, porra!

- Está bem. - Ele emitiu num suspiro. - Está bem.

Esperei por alguns segundos até que a voz familiar da mulher que salvou minha vida substituiu a do meu pai:

- Quem é?

Não pude evitar um suspiro de alívio. Merda, meus pensamentos já estavam fugindo pra uma zona que não me agradava.

- Droga, mãe! Eu pensei... - Inspirei, incapaz de concluir a frase. - O que está acontecendo? Porque eu estou com a estranha sensação de que está todo mundo mentindo pra mim.

Ela ficou em silêncio por um momento antes de repetir a pergunta anterior:

- Quem é?

Franzi a testa.

- Sou eu. Thomas.

Ao fundo, eu pude ouvir a voz do meu pai: "É seu filho, querida."

- Eu não quero falar. - A voz dela ficou distante quando ela afastou o telefone do ouvido.

Ouvi meu pai novamente: "É o Thomas. É nosso filho, amor. Converse um pouco com ele, ele quer..."

"Não!" Minha mãe gritou, interrompendo-o bruscamente. "Eu não sei quem é! Eu não quero falar! Não quero!"

"Está bem." Meu pai emitiu novamente, com calma. "Tudo bem. Volte a dormir... deite-se. Assim."

E então veio o silêncio. Esperei que algo mais fosse dito, que alguém dissesse que era uma pegadinha ou qualquer outra brincadeira de mau gosto... apenas esperei, segundos que pareceram horas, até que a voz do meu pai soou claramente do outro lado da linha:

- Descupe. Eu não queria que você descobrisse assim.

Não... por favor, não diga... não diga...

- É Alzheimer, Thomas. - O ouvi inspirar uma respiração curta. - Ela tem Alzheimer precoce que evoluiu rápido demais. Descobrimos pouco mais de um mês. Eu quis te contar, mas...

O telefone caiu da minha mão e quicou na cama antes de ir para o chão.

Eu não queria ouvir mais nada. Não queria saber de nada. Não queria sentir nada.

E de alguma forma, olhando fixamente para algum ponto indistinto entre a porta do banheiro e a janela do quarto, eu consegui não sentir.

#-#

Então... é isso. Fim do suspense para o Thomas.

Espero que vocês não tenham se importado com o tamanho do capítulo. Nunca encontrei um comentário reclamando por capítulos grandes demais, então eu não fiz questão de resumir esse. Espero que tenham gostado.

Quanto à minha demora, eu expliquei nos grupos do whats: estou enfrentando alguns problemas pessoais das quais não consigo fugir. Eu os ignorei para conseguir desbloquear minha mente por tempo o suficiente pra escrever esse capítulo, me desculpem se não ficou como vcs gostariam. Eu queria ter feito melhor.

Em uma mensagem no direct do Instagram eu li: "Você está decepcionando muita gente, sua imbecil!" (por causa da minha demora). Me perdoem, gente, sério. A última coisa que eu quero é decepcionar vcs. Eu provavelmente devia dar um tempo de escrever, mas comecei um livro da qual vocês esperam um final e agora eu preciso terminar. Eu também não gosto de demorar, mas os problemas da vida não é algo que a gente consegue escolher não ter. O bloqueio criativo é a consequência dos meus.

Relembrando, ainda tem espaço nos grupos do Whatsapp. Conversem com Allana__rodrigues ou Vihescritora_oficial, como administradoras elas podem adicionar vcs.

Não vou estipular outra data de postagem, mas eu gostaria de lembrar que as mensagens que vocês me mandam são a inspiração que eu preciso pra continuar. Então, por favor, comentem. Um simples comentário seu já ajuda muito.

Vejo vocês em breve, minhas razões. Beijos no coração 😘

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