"Não é tanto o que fazemos, mas o motivo pelo qual fazemos que determina a bondade ou a malícia."
- Santo Agostinho
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Callum
Havia um bosque esquecido numa das passagens ao leste da floresta. Quando eu ainda era pequeno, gostava de procurar lugares para me esconder da fúria de uma pequena Kira diabólica. Foi quando encontrei esse local, sempre o usei para me esconder do mundo e ficar sozinho.
Bem, até ela aparecer.
Depois de deixar o salão do trono, mandei um recado através de um dos pássaros mensageiros, era um pedido de encontro. Precisava vê-la e extrair de mim toda a angústia daquela noite.
Comecei a me lembrar da satisfação nos olhos da minha irmã ao matar a garota inocente. Agnes. Jamais esqueceria seu nome.
Eu havia ficado no salão, mesmo após todos terem se retirado. Os gritos do outro prisioneiro ainda ecoavam em meus ouvidos, o choro que o acarretou encheu tanto seu coração de dor que seu corpo o fez desmaiar. Ele ainda estava vivo, trancafiado em uma das celas da masmorra.
Ninguém se importou em deixar o corpo da garota largado na poça de seu próprio sangue. Era só mais um objeto quebrado, que algum empregado encontraria para retirar, como se não valesse nada. Como se não fosse uma vida humana.
Comecei a pensar nos sonhos que morreram com ela, nas expectativas e esperanças que desapareceram. Aquilo doeu em mim como jamais havia acontecido antes. Eu era o filho de um ser do caos e irmão de uma fria alma agourenta. Meu sangue era amaldiçoado e fadado ao mau. Mas eu não escolheria esse caminho, foi por isso que me aliei aos Rebeldes.
A noite, o bosque era calmo e pouco iluminado. A luz do luar atravessava as árvores e trazia um brilho bruxuleante na sombra das folhas, que dançavam e murmuravam com o vento. Eu amava o som delas se chocando.
Olhei uma segunda vez para a trilha que circulava o lugar na esperança de vê-la, mas não havia ninguém.
Quando eu a conheci, me divertia com o deboche que ela ostentava em seu rosto. Ela não confiava em mim e nas minhas palavras, e eu a achava uma megera. Mas com o tempo, meu coração foi cedendo ao seu sorriso largo e personalidade forte. Quando me dei conta, já estava apaixonado. Por anos alimentei um amor que achei que me destruiria, tentei me distanciar e ficar com outras mulheres. Mas ninguém era como ela.
Meu pai me criou para odiar o amor, dizia que era a maior fraqueza e bobagem que alguém poderia sentir e aceitar. Mas ele estava errado. De todas as coisas que poderiam existir naquelas terras, o amor era a maior e melhor delas.
Há pouco tempo declarei o que sentia à ela, de forma pura e verdadeira. E para minha surpresa, era algo recíproco. Desde então me sinto outra pessoa, capaz de sorrir nos momentos mais inoportunos. Mas sem deixar que ninguém na corte reparasse em minha pequena virtude. Mas se eu conseguia trair meu pai debaixo do nariz dele, conseguiria esconder um amor correspondido.
Passamos a nos encontrar naquele bosque, embaixo de um cedro de troncos largos. Ninguém sabia sobre nós, e não havia necessidade de um alarde.
Era nisso que eu pensava quando vi sua silhueta na trilha, se aproximando de forma sorrateira.
Seus cabelos estavam presos em um coque perfeito. Ela usava uma capa cinza sob os ombros para protegê-la do vento gelado. Mesmo agora meu coração pulava em vê-la aproximar-se de mim.
Louíse.
Minha Louíse.
Tomei-a nos braços quase que imediatamente. Seus lábios eram a única forma de me arrancar do meu inferno pessoal, de toda dor e toda aflição que meu sangue me cobrava.
- Eu sei - ela disse, enquanto seus braços envolviam minha nuca. Louíse conseguia me ler antes mesmo de eu dizer qualquer palavra - Eu gostaria de apagar todo o sofrimento.
Balancei a cabeça em negativa e passei um tempo em seus braços, agarrado ao seu cheiro. Quando enfim nos desprendemos um do outro nos sentamos sob o tronco.
- Me conte, o que anda acontecendo na Fenda? - perguntei, querendo saber qualquer avanço que os rebeldes tenham feito no treinamento da nova portadora.
- As coisas andam um tanto angustiantes. Faz cinco dias que Lynn soube que dois de seus amigos foram levados para o castelo como prisioneiros. Blahz e Arth descobriram quando foram nas Vilas. Os boatos do incêndio tardaram mas chegaram no reino. Provavelmente Hazor achou estranho duas pessoas não morrerem pelo fogo, é claro que ele relacionou a magia. Descobriram que os dois ajudaram Lynn, Johan e Kian naquela noite, mas só suspeitaram que havia ligação entre eles quando os guardas da Legião Vermelha forçaram os moradores a revelar que o garoto, Carl, trabalhava no bar que foi queimado. Estamos sem notícias até então. Sabe de alguma coisa que tenha acontecido à eles?
Tensionei o maxilar quando me lembrei do sangue de Agnes no chão, ensopando sua pele sem vida.
- A menina está morta - falei, Lou colocou as mãos sob a boca e arregalou os olhos - o garoto, ainda está vivo. Meu pai queria saber quem eles estavam querendo proteger, houve resistência e Kira a matou.
- Maldita!!!
Toda aquela história era bizarra demais, era incrível como o poder tinha um efeito cruel sobre as pessoas. Meu pai mataria qualquer um que ameaçasse seu reinado, até mesmo a mim, se precisasse.
- Está na hora de agirmos - falei.
- Lynn não está pronta, Callum. Ela precisa estar forte para conseguir roubar o livro.
O livro de Darius.
Fazia 67 anos que meu pai o havia encontrado, perdido em uma caverna. As lendas diziam que só quem detém da magia poderia lê-lo. Acreditávamos que os portadores conseguiriam isso, mas não tínhamos certeza.
Griffin precisaria do livro para se reerguer, e Lynn deveria roubá-lo.
Tínhamos tentado com Meredith uma vez, mas a magia já começava a ficar fraca em seu corpo na época e não deu certo.
- Haverá um baile de aniversário para Kira daqui a doze semanas. Todos os nobres do reino estarão lá, inclusive meus tios. Kira é exibicionista e gosta de ter seu ego preenchido tanto quanto meu pai, ela irá comemorar por uma semana inteira - aquilo era o que mais me irritava em Kira, seu ego - Quero que vocês preparem a menina, ela virá como minha convidada e passará essa semana comigo no castelo. Direi que é uma condessa qualquer, inventarei alguma coisa até lá.
- Isso é loucura, Callum. Lynn nunca passou por algo assim antes...
- É necessário. Ela precisa roubar o livro e libertar Griffin, Lou. Agnes tem que ser a última inocente a ser morta por causa da obsessão ridícula do meu pai por poder.
Lou então se calou e ficou pensativa, eu sabia que aquilo era perigoso, mas se não agíssemos logo, Hazor iria caçá-la até no inferno. E é bem melhor estar um passo à frente dele.
- Descubra onde seu pai escondeu o livro dessa vez - disse Lou, enquanto se deitava em meus ombros - Enquanto isso, vamos prepará-la para ser uma de vocês - assenti já torcendo para que tudo desse certo - alguma sugestão de disfarce?
Não havia muito o que pensar, só um padrão agradaria Hazor a ponto dele esquecer da impostora em seu reino.
- Faça-a realizar a metamorfose do cabelo mais loiro que conseguir e dos olhos mais azuis que puder.
Uma mestiça jogaria contra a ignorância de um rei sádico. E eu não via a hora de fazer parte disso.
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Depois das Chamas
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