Depois das Chamas - Livro 1

By _camsbraga

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Sete mil anos atrás, uma grande guerra devastou Keevard e destruiu o trono do Primeiro Rei, o poderoso Darius... More

Apresentação e Book Trailer
A Canção dos Vetustos
Prólogo
02 - Pela Espada de Seu Sangue
03 - O Veneno em Sua Alma
04 - É Preciso Ter o Caos
05 - O Guardião
06 - O Verme e a Faísca
07 - Infinita União
08 - Do Atrito vem as Chamas
09 - Abismo
10 - Ligação Sob a Areia
11 - Nosso Acordo
12 - A Fenda dos Hewyr
13 - Pálidos Reis
14 - Desertor do Sangue
15 - Não Cair Sem Lutar
16 - Primeiro Passo ao Mar
17 - Combata Poder com Poder
18 - Traga Misac de Volta às Suas Feras
19 - O Cavaleiro e seu Amado
20 - O Primeiro Desafio
21 - Aquele Mais Antigo
22 - Jure Com Seu Sangue
23 - As Lembranças daquela Luz
24 - O Horizonte no Fim do Mar
25 - O Canto das Sereias
26 - Enquanto a Alma Pulsa
27 - Objeto de Esperança
28 - Clame seu Poder
29 - Quando a Lua Uivar
30 - Pequena Lynn
31 - Janela Sobre o Mar
32 - Os Olhos do Amanhecer
33 - Deixe Queimar
34 - Toda a Tua Noite
35 - O Segredo de Vizeu - Parte I
36 - O Segredo de Vizeu - Parte II
37 - Através do Espelho
38 - Filha de Todas as Terras
39 - Conte Sua História - Parte I
40 - Conte Sua História - Parte II
41 - Antes de Desaparecer
42 - As Últimas Instruções
43 - O Covil da Serpente
44 - O Toque da Luz
45 - Tecido das Sombras
46 - A Dor da Perda
47 - O Mundo Sombrio
48 - Levantem-se
49 - Cavaleiro Dourado
50 - Colinas Uivantes
51 - Reinado de Cinzas
52 - Tragos de Luz
53 - Sele seu Destino
54 - Erga-se
55 - O Conselho
56 - O Mar Negro - Parte I
57 - O Mar Negro - Parte II
58 - O Mar Negro - Parte III
Agradecimentos e Playlist
Canção da Guerra
Notas Finais

01 - A Ti Voltará Outra Vez

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By _camsbraga

"O sorriso que ofereceres, a ti voltará outra vez."

- Abílio Guerra Junqueiro

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67 anos depois. 

Reino de Ermont.

Lynn

Naquela noite o bar estava lotado, os homens gritavam e chacoalhavam seus copos para cima, pedindo mais rum e vinho enquanto debruçavam-se sobre as poucas mulheres que frequentavam o local. Nunca entendi como elas aguentam ficar paradas em frente aquelas bocas que fedem como um cadáver.

Nem todos exageravam, alguns dos homens só iam até lá para relaxar após um dia de trabalho exaustivo, bebiam dois copos e iam embora, lúcidos. Eu conhecia a maioria dos rostos, cresci observando-os entrarem e saírem pelo bar, dia após dia, sempre no mesmo horário, sempre a mesma rotina miserável.

Meu pai estava no balcão limpando alguns dos copos imundos, conversando com um mercador da região. Nós vivíamos em um pequeno vilarejo na parte mais afastada do reino, onde os que não tinham um futuro vinham trabalhar produzindo ferramentas e aço para a Legião Vermelha.

Ermont era um dos Quatro Reinos em um gigantesco pedaço de terra boiando no Oceano, cada um dividido de acordo com sua posição no mapa. Leste para Derorn, Oeste para Thangnall, Sul para Ermont e Norte para Ghalan, que não era bem um reino, mas sim um lugar inabitável, devastado e sucumbido pela Guerra, intocado por mãos humanas por ser amaldiçoado. Apenas existia no mapa, como um enfeite quebrado e desprezado demais para ser lembrado.

Unidas eram Keevard, um reino que de acordo com as lendas, havia sido partido a milhares de anos.

Meu pai era do reino de Derorn, facilmente notado pela cor de seus cabelos alaranjados do qual herdei. Pelo que ele me conta, era o primogênito de uma família rica e extremamente poderosa, até fazer uma viagem para Ermont, apaixonar-se pela minha mãe, desistir da vida que tinha e desposar-se.

O que talvez os dois esqueceram quando decidiram fazer tal maluquice é que nenhum dos reinos se suportam. Um membro de Derorn casar-se com uma de Ermont era uma violação e uma vergonha para as famílias. Então eles fugiram para o vilarejo mais afastado dos grandes comércios, e celebraram por estar em uma terra de ninguém. Abriram então um pequeno negócio fajuto e tiveram a mim, uma desgraçada mestiça de cabelos vermelhos que já nasceu condenada a ser uma pária. E aqui estou eu, analfabeta e garçonete de homens arrogantes e mulheres violadas.

Com o passar das horas os gritos foram elevando-se. Já havia muitos bêbados nas mesas, meu pai estava ajudando Carl a servir enquanto eu fiquei no balcão. Meus braços e pernas doíam, reclamavam por um descanso, o sono estava me derrubando aos poucos e ainda havia muitas pessoas ali.

- Você está com uma cara péssima - disse uma garota que estava sentada com os braços apoiados sob o balcão, ela tinha uma garrafa enorme de vinho nas mãos.

- Bom, tente trabalhar em um lugar desses todos os dias, acho que você também se cansaria - ela deu de ombros e tomou um grande gole da garrafa.

A garota se parecia muito com as guerreiras das histórias que meu pai costumava contar quando eu era uma criança. Seus cabelos negros escorriam até a cintura, ela estava com os lábios muito vermelhos e os olhos pintados de preto. Não parecia ser moradora das Vilas, parecia ser da realeza. Sua pele branca era como seda, ela tinha braços fortes e pernas grossas. Dei uma espiada por cima do balcão, a garota usava botas pretas e uma calça escura também, sua blusa era branca e tinha detalhes em azul.

Pensei que esse sempre foi o tipo de mulher que eu gostaria de ser, mas já havia aprendido que não dava para imaginar o que poderia ou não acontecer. Eu tinha que aceitar minha vida miserável em um corpo esquelético.

Quando saí de meu devaneio, percebi que ela me fitava com as sobrancelhas levantadas, aparentemente eu estava encarando a garota por muito tempo.

- Desculpe - disse - não é sempre que eu vejo uma Neale em meu bar.

Ela riu, seus dentes eram tão perfeitos quanto todo o resto.

- Muito obrigada pelo elogio - ela levantou a garrafa em saudação - Apesar de achar que Neale não seria uma bêbada compulsiva.

Neale fazia parte de uma das lendas de Keevard, a única guerreira dos Hewyr, um grupo de caçadores que combatiam os que tentavam atrapalhar a paz no reino do Primeiro Rei. Ela lutava tão bem quanto os outros 4 rapazes do grupo. Era uma heroína. Mulheres valentes costumavam ser chamadas de Neale em homenagem a ela.

- Como você aguenta esses homens? - Perguntou a garota, apontando ao redor.

- Acho que não tenho muita escolha. Sou uma mestiça, esse é o meu lugar - Ela me olhava sem nenhuma expressão - Ou pelo menos o lugar que ditaram que seja meu.

Ela virou todo o conteúdo da garrafa de uma vez, achei que iria cair depois do último gole, mas ela apenas limpou a boca com as costas da mão e descartou a garrafa.

- Não é seu lugar se você não quer que ele seja, não existe satisfação nisso.

Um burburinho começou a escorrer pelo bar, fechei os olhos já imaginando uma briga se formando.

Dois homens se socavam enquanto os outros começavam a rodeá-los, gritando palavras de incentivo à luta. Corri para lá antes que muitos danos fossem feitos, pois quando se cresce em um bar, aprende a valorizar o dinheiro de cada mercadoria. Então peguei uma garrafa vazia de uma das mesas, passei por entre os homens e assim que encontrei uma oportunidade, arrebentei-a na cabeça do mais grandalhão da briga que desmaiou na hora. Com os cacos que sobraram em minha mão apontei para o outro cara, ele estava suado e me olhava com um sorriso pervertido.

- Se você não se retirar, eu juro que furo seus olhos agora mesmo – ordenei, esperando que minha falsa ameaça surtisse efeito. Ele levantou as mãos em um gesto de rendição, ainda sorrindo.

- Como quiser, senhorita – ele fez uma reverência exagerada e logo em seguida sacou umas moedas do bolso e jogou na mesa mais próxima sem deixar de me encarar - Obrigado pela bebida e pela calorosa cortesia.

- Vá! - gritei, esperando que ele se afastasse.

Ele não era um dos brutamontes que sempre iam até o bar, era um rapaz, provavelmente procurando por encrenca, como muitos faziam. Demorou alguns instantes até que, por fim, decidiu ir embora.

Enquanto eu voltava para o balcão limpando os estilhaços de vidro no meu braço, os homens que ainda conseguiam andar colocaram o outro desmaiado em cima de uma das mesas e tentavam reanimá-lo.

- Por que você nunca age como uma garota normal, Lynn? - meu pai estava com o rosto vermelho e sua barba mal feita lhe dava a aparência de ser um homem bem mais velho do que realmente era.

- Desde quando você se importa?

- Desde que passou a ferir meus clientes – ele jogou o pano que estava em seu ombro na mesa em que guardávamos o dinheiro e saiu praticamente batendo os pés de raiva - Carl, ajude-a a fechar o bar hoje, estou subindo.

Eu e meu pai morávamos na casa acima do bar, era pequena e mofada, com apenas alguns cômodos minúsculos e mal arejados.

- Não é à toa que as pessoas te acham uma megera, sabe? - Carl jogou um pano para mim e se apoiou na base de madeira ao lado de alguns copos vazios, ele me olhava com censura, era o tipo de cara que detestava violência - Seu pai não está contente.

- Meu pai nunca está contente – o que era verdade, desde a morte de minha mãe ele havia se tornado uma pessoa mais amarga.

- Isso não te dá o direito de ser agressiva, seu pai não merece isso.

- Eu sei, me desculpe - falei, realmente arrependida.

- Não é a mim que deve pedir.

- Eu achei simplesmente incrível!  - A garota na qual eu havia conversado por uns instantes estava com um sorriso largo e uma feição satisfeita. Carl a olhou confuso, o que fez ela dar de ombros e se retirar, não antes de levantar os polegares para mim de maneira positiva. Isso me fez dar risada.

Conforme a noite corria e as pessoas iam embora minha cabeça começava a latejar, eu só queria um mísero descanso para me preparar para a noite seguinte. 

Aconteceria um evento anual na Praça de Ermont. Era um festival horroroso que faziam em homenagem a Hazor. Eu e Carl sempre íamos, já que nenhum comércio abria neste dia e a comida era de graça. Além de nos proporcionar muitas danças e um pouco de diversão. Durante um único dia do ano o povo das vilas eram aceitos em um festival, um dia para nos sentirmos parte de um lugar.

Depois de muito tempo, enfim, o último cliente deixou o bar. Carl me ajudou a organizar a bagunça de vidros quebrados e cadeiras partidas, no fim das contas eu tive prejuízo. Mas o pior de tudo era o cheiro, uma mistura de rum velho com suor e metais, aquela não era, nem de longe, uma vida justa. Limpamos as mesas que sobraram, o chão, as cadeiras e tentamos nos livrar daquele fedor medonho sem sucesso, apesar da chuva torrencial que caía lá fora trazer uma brisa leve.

Carl foi embora quando terminamos, mas não antes de me fazer prometer que não iria armar uma outra discussão com meu pai. Ele me conhecia desde os cinco anos, quando brincávamos nas ruas sujas com espadas improvisadas. Ele era minha família, a única que sobrara. Quando assenti sob protestos ele seguiu o caminho de casa, voltei para o balcão do bar e peguei as chaves para trancar a porta.

Então percebi que do outro lado da rua havia um rapaz encostado em um poste sob a chuva. Semicerrei os olhos para tentar enxergar melhor aquela silhueta e pude reconhecer o mesmo garoto que ameacei e expulsei do bar horas antes. Ele me olhava de forma irônica, seu sorriso era frio e cruel.

- Senhorita! - ele gritou, através do barulho da chuva e do vento - Muito bom vê-la novamente.

Bati a porta e a tranquei rapidamente, conferi três vezes e subi correndo as escadas para minha casa. Quando entrei em meu quarto, tranquei a porta e a janela em uma tentativa inútil de me sentir segura. Só quando sentei em minha cama percebi que meu coração estava saindo pelo peito, e pela primeira vez em muitos anos, eu estava apavorada e não sabia dizer bem o motivo.

                                  Ω

Naquela noite sonhei com uma caverna minúscula. Havia uma mão muito comprida esmagando um pedaço de rocha, e pude discernir um sorriso mordaz através da pouca luz do local que fez com que eu sentisse um arrepio profundo correndo pela minha espinha. Era a única parte dele que eu conseguia enxergar.

O estranho andava em círculos e dava voltas perto de mim. O lugar que estávamos era escuro e abafado, eu já começava a sentir o ar fugindo de meus pulmões por causa do medo avassalador que me atingiu de forma perversa. Minhas pernas tremiam e senti minhas mãos muito quentes e suadas.

O estranho então começou a falar, mas eu não reconhecia suas palavras. Sua voz era grave, como lâminas se chocando, o seu tom era como o de uma melodia, e ele parecia realmente estar cantando. As palavras flutuavam pela caverna e eu sentia como se estivessem se instalando dentro de mim, tomando cada veia do meu corpo.

De repente a caverna se iluminou e meus olhos arderam como se pequenas agulhas estivessem dentro deles. Quando consegui enfim me acostumar com a claridade percebi que o estranho era um homem grande e robusto. Sua barba meio grisalha escorria pelo seu rosto, ele tinha sobrancelhas grossas e olhos vermelhos. Eu não conseguia me mover, não conseguia falar e muito menos gritar.

Ele se aproximou de mim e segurou meus cabelos com uma das mãos e meu rosto com a outra. Suas mãos estavam tatuadas com símbolos estranhos e negros e ele permaneceu me olhando com muita intensidade durante um bom tempo enquanto jorrava aquelas palavras estranhas no ar.

Inesperadamente ele encostou os lábios nos meus e permaneceu assim. Eu queria me mover e chutá-lo, fugir dali e pedir por ajuda. Mas o homem não estava me beijando, estava parado como se estivesse congelado.

Parecia ter durado uma eternidade quando lentamente ele se afastou, pude notar que haviam lágrimas em seus olhos. O homem então abriu a boca para dizer mais alguma coisa mas seu rosto congelou em um expressão de medo. Aos poucos, as linhas de seu rosto foram ficando mais severas, a barba ainda mais branca. Ele começou a emagrecer e definhar. O ar não estava mais entrando em seus pulmões e ele deixou de ser um homem saudável para virar apenas uma sombra se despedaçando.

Senti as amarras invisíveis se desprenderem de mim e cai no chão como um objeto ao mesmo tempo que o homem. Levantei as pressas para poder correr quando percebi que seu corpo estava se dissolvendo e ele tentava se arrastar até mim, com os olhos extremamente arregalados e a mão estendida. Quando senti que ele estava prestes a me tocar reuni todas as forças para poder gritar para que se afastasse. Mas antes que isso acontecesse, acordei sobressaltada com um suor espesso em meu rosto.

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Gostaram do primeiro capítulo? Eu particularmente amei escrevê-lo e adoraria saber a opinião de vocês <333

Comentem e votem :)

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Depois das Chamas

Todos os direitos reservados | Wattpad.com - 2018 | Camilla Braga

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