No pátio, enquanto aguardava que o cavalariço me trouxesse o Vendaval, calçava as luvas. Sentia-me radiante de felicidade, porque estava prestes a voltar para os braços da minha amada. Não havia nada que eu mais desejasse! Mas, para minha surpresa, de repente, perdi a minha visão e então vi o corvo da Bruxa empoleirado num pinheiro aparentemente a disfrutar e regozijar-se com o calor do sol. Maldito! Perguntei-me se a Bruxa não estaria por perto. A minha visão foi alargada e vi tudo o rodeava o corvo. Ele estava num campo verdejante completamente sozinho, por isso não haveria perigo na sua captura e o Justiceiro não precisaria da ajuda da minha madrinha. Era uma excelente oportunidade e não hesitei:
- Captura-o! Trá-lo até mim, Justiceiro! – murmurei eu, com a mão na boca para que não me pudessem ver a mover os lábios.
- O Vendaval, Príncipe.
Bolas! Nem o senti chegar e nem conseguia ver nada. Pestanejei na esperança de que a minha visão retornasse mais depressa. Sorri para disfarçar o meu embaraço e ordenei:
- Dá-me as rédeas – estiquei a mão para as receber.
Depois da escuridão, voltei a ter uma visão repentina de cortar a respiração. Umas fortes garras bem afiadas, abrem-se, num voo repentino, e cravam-se sob um pequeno monte de penas. A mascote da Bruxa piou de terror e talvez de dor. Não era o piar que eu estava costumado a ouvir. Escondi o meu rosto no pescoço do Vendaval para esconder o meu sorriso de triunfo. Este seria o princípio do meu triunfo!?
Enquanto aguardava pela minha visão, afagava o pescoço do meu cavalo. Agora tinha um grande dilema: desejava ir a correr para a floresta ao encontro de Rosa, mas o Justiceiro estava a caminho de Aragão para me entregar um dos meus inimigos. Por mais que quisesse e que o meu coração me pedisse para fugir para a floresta não podia ir. Precisava de descobrir que segredos escondia a maldita ave para estar um passo à frente da Bruxa e para puder salvar a Aurora e a mim próprio. E quando finalmente recuperei a minha visão chamei um dos criados para voltar a levar o Vendaval para as cavalariças.
Entrei apressadamente no castelo, descalçando as luvas, retirando a capa e pedi ao primeiro criado que veio a correr para mim para as receber:
- Procura a minha madrinha e diz-lhe que é urgente que se encontre comigo no salão dos tronos.
Ele assentiu e retirou-se depois de uma breve vénia.
Caminhei para o salão dos tronos, entrei pelas portas duplas escancaradas e surpreendi-me por encontrar a minha madrinha em estado adulto já à minha espera, mas entretida a ler uma das imensas folhas que tinha na mão.
- Mais rápida do que isto, seria impossível, madrinha!
Em reposta, ela abanou as asas. Claro, ela voava! De seguida, atirou os papéis ao ar e agitou a varinha para os fazer desaparecer.
- É nesta altura que eu compreendo como às vezes o trabalho de um rei pode ser enfadonho! Alguns nobres estão sempre à espera de favores do rei para se sentirem felizes. Mas isso agora não interessa nada. Qual é a urgência, Filipe? Aconteceu alguma coisa?
Aproximei-me dela e sussurrei:
- O Justiceiro capturou o corvo da Bruxa e vem a caminho para me o entregar.
- Que boas notícias! – o sorriso abriu-se e os olhos ganharam um brilho especial.
- São excelentes notícias! – caminhei até à janela e regressei. Estava tão contente que não me contive e abracei a minha madrinha. Só poderia comemora-lo com ela! – A minha mãe?
- Foi visitar um orfanato para lhe fazer uma oferta em dinheiro.
- Com os meus pais ausentes posso receber a mascote da Bruxa aqui no salão – caminhei para o trono da minha mãe e sentei-me.
A minha madrinha veio até mim e segredou-me:
- Estive a pensar... O que achas do castelo do conde de Monforte para esconder a Princesa?
- O castelo do conde Monforte?
- Há uns dias, fomos informados que o conde Monforte faleceu. Ele era viúvo e do seu casamento não houve filhos, então fez um testamento a favor do teu pai. Deixou-lhe tudo o que tinha por amizade e pela admiração que sentia por ele. O teu pai ordenou que o castelo fosse fechado, porque não faz sentido mantê-lo sem ter ninguém lá residir e seria uma despesa muito grande. Encarregou-me de tratar do assunto pessoalmente. Há imensos criados, animais e a cozinha está abastecida de comida, portanto requererá algum tempo para por as coisas em ordem e fecha-lo.
Fiquei pensativo.
- Durante estes preparativos a Princesa passaria despercebida. Vão pensar que pode ser a nova proprietária do castelo – acrescentou ela, num tom animado.
- Se a presença de Aurora não levantar suspeitas é o lugar ideal para a esconder – concordei eu, ao fim de algum tempo. - Mas será que ela se sentirá lá bem?
- Será uma boa experiência para a Princesa Aurora se ir habituando, afinal irá morar para um castelo bem maior e mais luxuoso.
Abanei a cabeça em concordância e perguntei:
- O conde tinha guardas?
- Sim, mantinha uma pequena guarda no castelo.
- Então, mantém essa guarda. Melhor, reforça-a, sem o meu pai saber. Quero a Aurora bem protegida!
- Claro! Será um bom refugio, uma fortaleza!
As coisas parecem estar a compor-se aos poucos e a correr bem, o que me deixava extremamente confiante e esperançoso de que eu iria conseguir vencer a Bruxa. Recostei-me ao trono e senti-me reconfortado.
- As madrinhas da Aurora já deram notícias? – perguntei, curioso.
- Não. Imagino, elas completamente atarefadas e desnorteadas à procura de uma rapariga que possa substituir a sua menina – solta uns risos. – Não temos aqui uma tarefa fácil, Filipe!
- Recorram à magia, se for necessário. Precisamos mesmo de uma substituta à altura de Aurora. A Bruxa não pode desconfiar de que a estamos a enganar.
E mais uma vez tive uma visão do falcão e vai-se embora tão depressa como veio. Vi apenas o castelo de Aragão ao longe.
- Ele vem aí – anunciei eu. – Abre a janela, madrinha, e fecha as portas.
Ela acatou a minha ordem, abanado a varinha e magicamente as portas fecharam-se de par em par e a janela abriu-se.
Estava na hora de receber um dos meus inimigos e castiga-lo! Sonhei tanto com este dia! Iria mostrar ao monte de penas que nunca se deveria ter intrometido na minha vida e que não devia sentir orgulho por trabalhar para uma bruxa contra um príncipe e um rei. Ergui o rosto. Queria estar régio quando ele pousasse o olhar em mim.
Um dos momentos que tanto aguardei aconteceu, finalmente! O Justiceiro entrou pela janela como um herói do bem e atirou o corvo para o meio do salão sem dó, nem piedade. Ao cair ele abruptamente no chão soltou pios de dor. Não sinto pena dele. Não consigo disfarçar o sorriso que me ilumina o rosto de triunfo. Vi-o lutar para se colocar de pé, movimenta uma das asas com dificuldades e de seguida olhou para mim como se fosse um pássaro inteligente e tentasse perceber o que se estava a passar.
Observei-o com um olhar gélido e disse, ironicamente:
- Que honra receber-te Maribel!
Os seus olhos negros como o ébano arregalaram-se de espanto. Não havia dúvidas que ele nos entendia e estava surpreendido por saber o seu nome.
- Não me cumprimentas? Que indelicado da tua parte! Chega até a ser uma ofensa terrível e uma falta de educação.
Do seu maldito bico não saiu nem uma palavra. Deliciei-me a vê-lo em pânico à procurar de uma saída para fugir. Mas quando o seu olhar recaiu na janela aberta viu o Justiceiro lá empoleirado, que lhe lançou um pio agressivo e o faz recuar de medo. Chegou à conclusão que não tinha outra solução senão cumprimentar-me com uma vénia muito desajeitada devido a uma das asas estar magoada.
- Sabes por que estás aqui? – perguntei, com um ar sério.
Ele abanou a cabeça negativamente. Sabia perfeitamente que o corvo não se lembraria do que me fez num outro passado, mas iria-me dar gozo julga-lo por essas acções.
- Estás acusado de traição contra um rei, um príncipe e uma princesa e a pena para este acto é a morte - continuei.
A mascote da Bruxa abanou a cabeça em modo negativo para dar a entender de que não fez nada e soltou uns pios. Mentiroso! Ainda não fizeste nada! Mas já andavas a planear novamente... Queres roubar-me a minha liberdade e a minha felicidade, assegurar que a maldição se concretize para roubar a vida a uma princesa e deixar um rei na infelicidade por perder a filha.
- Não entendo nada do que estás dizer. Se queres te defender é bom que fales a nossa língua, caso contrário a sentença está dada.
Pios, pios e mais pios... Nem uma palavra. Troquei um olhar discreto com a minha madrinha e soube que partilhávamos o mesmo pensamento: ele não falava.
- Se não falas, não podes defender-te – atormento-o e sou incapaz de conter uns risos.
O corvo encontrava-se em completo desespero e começou a pular no mesmo sítio e piar ao mesmo tempo. Saber que pode perder a vida era-lhe insuportável. Foi o que ele e a bruxa da dona me fizerem!
- Levem-no para a cozinha e deitem-no numa panela com água a ferver... ou cortem-lhe a cabeça com uma faca bem grande – levantei-me com dignidade do trono e fui ao seu encontro.
Pateticamente, ele decidiu fugir de mim – como se isso fosse possível? - como um condenado foge da forca.
Olhei para a minha madrinha e ela compreendeu-me logo. Enfeitiçou o corvo e trouxe-o até mim, ficando a pairar à minha frente. Agora eu era um gigante ao pé dele, com força e agilidade, não era um velho de quem ele fez troça. Dei-lhe um sorriso vitorioso e de vingança e murmurei:
- Quem serve as bruxas acaba sempre mal! – arranquei-lhe uma pena do rabo e ele piou de dor.
Regressei ao trono da minha mãe com a pena na mão, sentei-me como se fosse um rei e dei um aceno para que o levassem como um condenado. A magia que o envolvia levou-o. A sós com a minha madrinha, deixei-me rir com satisfação. Era claro como água que a maldade que fizera ao corvo me dava gozo.
- Filipe! – exclamou ela, em tom de repreensão.
- O que foi, madrinha? Ele merece isto e muito mais! Eu odeio-o! Justiceiro, estiveste muito bem. Recompensa-o, madrinha!
Sentia-me feliz, sem dúvida. Tinha a perfeita consciência que isto não significava ganhar à Bruxa, mas tinha ganhado uma batalha! Agora faltava ganhar a guerra.
Continua já a seguir!
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Este episódio era um dos mais esperados!!! E então, o que é que acharam?
Não se esqueçam de deixar uma estrelinha se gostaram!!!