13 de setembro de 2012
*Savannah Horan*
A minha vida não é, de todo, a melhor. Nunca foi e tenho receio que nunca venha a ser. Para além de receio, tenho quase a certeza. Como posso ter uma vida minimamente boa com o meu irmão a odiar-me? Como posso simplesmente viver a saber que ele preferia que não estivesse aqui e estivesse ele? Ele. O meu pai. O homem que não vejo há mais de 7 anos.
Eu pouso o livro que estava a ler em cima da minha cama e suspiro, levando as mãos ao rosto. Não quero pensar nisto de novo. No entanto, é involuntário quando as memórias da última noite que vi o meu pai invadem a minha mente.
Quando ouço o trinco da porta, dando-me a informação que o meu pai chegou, eu corro para a porta da entrada para o receber.
- "Pai, chegaste!" –eu abraço-o.
Contudo, ele não me corresponde. Decido não falar sobre isso porque da última vez que o fiz, ele e a minha mãe começaram a discutir. Afasto-me dele com normalidade e os meus olhos encontraram os seus, que estão vermelhos.
Se tivesse eu percebido que ele estava bêbado, mais uma vez, talvez nada do que aconteceu tivesse acontecido. Talvez eu apenas iria agora para o meu quarto e talvez os meus pais ainda estivessem juntos.
- "Já não devias estar na cama, Savannah? Amanhã tens aulas."
- "Estou de férias." –eu tentei não tirar o sorriso do meu rosto.
- "Não me interessa." -ele grita e eu engulo em seco, para não chorar e não chamar a atenção da minha mãe, apesar dos gritos dele o fazerem. - "Achas-te muito adulta, agora? Eu disse para ires para a cama."
- "Mas pai..."
- "Mas tu ainda tens a merda da lata de me responder?"
No momento seguinte, eu estou estendida no chão agarrada à minha cara devido à força da estalada que ele me deu. Eu engulo o choro o mais que consigo para a minha mãe não ver o que está a acontecer.
- "Quando te mando fazeres alguma coisa, tu fazes. Entendido?" –ele continua com a sua voz grossa e eu, cheia de medo, limito-me a afirmar com a cabeça.
O meu pai baixa-se e puxa-me o cabelo, e é nesse momento que eu não prendo o grito que sai da minha garganta. Ele volta a atirar-me para o chão e vira costas, pousando o seu casaco preto de cabedal no bengaleiro.
Levanto-me sem fazer barulho nenhum e, quando me viro para a porta, a minha mãe está estendida, a olhar para nós. A sua cara revela que ela não dorme bem há dias e que tem andado a chorar.
- "O que está a acontecer?"
- "É a tua filha. O que raio é que ela ainda faz levantada?" -o meu pai vira-se de frente para ela e grita. – "É este o tipo de educação que lhe dás?"
Por dentro eu estou a gritar. A gritar que ainda não é assim tão tarde e que ao menos a minha mãe nos está a educar, coisa que ele não faz há meses.
- "É uma da manhã, a tua filha está de férias. Fazes o favor de falares baixo e de não seres bruto?"
- "Bruto? Queres-me mesmo ver a ser bruto?"
O meu pai puxa-me por um braço, mas a minha mãe apressa-se a tirar-me do aperto dele e a pôr-me por detrás do corpo dela, protegendo-me, enquanto eu choro.
De certeza que o Niall está no quarto a brincar e a fingir que não ouve a discussão, que é o que nós costumamos fazer. Dava tudo para ir ter com ele, mas não quero deixar a minha mãe sozinha.
- "Acalma-te, William. Põe a mão na tua consciência e vê o que andas a fazer! Ela é tua filha!"
O meu pai suspira alto de raiva enquanto olha para a minha mãe e ela não mostra nem um pouco de medo, enfrentando-o mais uma vez.
- "Ninguém tem culpa do que aconteceu, entendes? Ele morreu e ninguém pôde fazer nada em relação a isso. E nenhuma das pessoas à tua volta vão tolerar este comportamento muito mais tempo."
- "Savannah, vai para o teu quarto." -o meu pai diz cheio de raiva e eu olho com incerteza para a minha mãe, que me afirma com a cabeça dando um sorriso forçado.
- "Vai ter com o Niall, querida."
Eu assinto levemente e afasto-me de forma lenta da sala, deixando os meus pais sozinhos nela. Sigo o meu caminho até ao quarto do meu irmão e, quando entro, ele está a brincar com os legos, tal como eu imaginei.
- "Estão a discutir outra vez?"
- "Sim."
- "Que aconteceu?" -ele pergunta-me, enquanto eu me sento ao lado dele.
- "Ele bateu-me." -eu choro e o meu irmão engole em seco, abraçando-me.
- "Isto é só uma fase. Ele vai voltar ao que era antes. Prometo." -ele sussurra na minha cabeça e eu assinto.
Uma hora se passa, duas talvez, até que os gritos se deixam de ouvir. Dou por mim a chorar, enquanto Niall tem as mãos a tapar os meus ouvidos e me dá beijos no topo da cabeça. A minha mãe volta a entrar no quarto e está com péssimo aspeto. O seu cabelo ruivo-escuro está despenteado e os seus olhos inchados. Pergunto-me o que se passou naquela sala, mas ela imediatamente lê os meus pensamentos.
- "Meninos." –ela começa. - "O pai foi embora."
- "Para onde?" –eu pergunto, fungando.
- "Não sei. Só sei que não vai voltar." –ela diz e sinto Niall a afastar-se de mim, levantando-se.
- "Mandaste o pai embora?"
- "O teu pai já queria ir embora há muito tempo."
Niall olha incrédulo para a minha mãe e alterna o seu olhar para mim, enquanto respira pesadamente, mostrando a sua raiva.
- "Tinhas de estragar tudo?" -ele grita para mim e corre para a casa-de-banho, trancando-se lá.
Sacudo a minha cabeça quando as memórias dessa noite me fazem deitar uma lágrima. Suspiro por saber que não vou conseguir dormir.
Desço as escadas em bicos de pés, para não acordar ninguém, e caminho até à cozinha. Abro o frigorífico, tirando um pacote de leite de lá e uma caneca do armário, pondo leite nela.
- "Não devias estar a dormir?" –uma voz interrompe a minha ceia.
Quando me viro, a minha mãe está-me a encarar com um pequeno sorriso nos seus lábios finos. Ela está encostada à ombreira da porta, com a sua camisa de dormir rosa, que usa desde que me lembro.
- "Não consigo." –acabo por responder, virando-me novamente para o balcão e começando a minha bebida.
- "Nervosa por amanhã?"
Sinto-a a caminhar até mim e, num segundo, ela está encostada ao balcão, a olhar para mim.
- "Não." –respondo rapidamente. Ela levanta-me uma sobrancelha e eu suspiro. - "Talvez, um pouco. Sabes, não é a melhor alegria do mundo ir para a escola do Niall e dos amigos." –reviro os olhos e dou um gole de leite.
- "Filha, não te podes esconder do teu irmão a tua vida toda. Ainda por cima, o Liam estará lá."
Eu suspiro, sabendo que ela tem razão. O Liam é o melhor amigo que eu podia pedir, não tenho quaisquer dúvidas disso, mas eu estava tão bem com ele no St. Louis College. Tudo bem que podia ouvir umas bocas porque andava numa escola privada e tinha de usar farda, mas enquanto eu não tivesse de aturar o Niall e os amigos, eu estava bem.
Claro que ir para a London Secondary School tem muitas vantagens. Os horários são melhores, os professores são melhores, não há tantas regras... sei também que vou ter o Liam comigo, mas custa a minha rotina virar completamente.
- "Eu só... As coisas eram mais fáceis no colégio."
- "Eu percebo, mas tens de te mentalizar que as coisas este ano iam mudar de qualquer das maneiras. Os pais do Liam já tinham decidido que ele faria o décimo segundo ano numa escola pública, e a Gemma já entrou na universidade. Irias ficar sozinha lá, não é mais inteligente começares novas amizades num sítio melhor?"
- "Não quando esse sítio tem o Niall, o Harry e o Zayn todos juntos."
A minha mãe dá uma pequena gargalhada e eu acabo de beber o meu leite. Ela chega-se até mim e dá-me um leve beijo na minha testa.
- "Devias tentar dormir, o dia de amanhã é muito importante." -eu assinto e obedeço-lhe.
14 de setembro de 2012
Quando desço para tomar o pequeno-almoço, já estou vestida e com o banho tomado. Os meus jeans que comprei há cerca de duas semanas ficam bem com a minha camisola preta e os meus all star da mesma cor. Optei por uma roupa simples porque não quero chamar a atenção no primeiro dia de aulas.
Quando chego à cozinha, a minha mãe não hesita em sorrir-me. Niall apenas leva uma colher de cereais à boca, fingindo que nem estou aqui.
- "Bom dia, filha."
- "Bom dia."
- "Come rápido para ires com o teu irmão para a escola."
- "Não quero que ela vá comigo." –Niall resmunga e eu reviro os olhos.
Como já é normal, ele acorda a refilar com tudo o que lhe aparece à frente, especialmente se o motivo for eu.
- "Desculpa? Tu por acaso tens o teu carro para decidires isso?" -a minha mãe pergunta e Niall suspira. – "Bem me parecia. Podes até nem falar com ela, mas vão juntos até à paragem do autocarro."
- "Mas mãe..."
- "Não há discussão." –ela diz. – "Tu até vais com o Zayn por isso não vejo mesmo qual é o teu problema."
Niall encolhe os ombros e volta a comer os seus cereais, enquanto a minha mãe começa a arrumar a louça que usou.
- "Despacha-te." –Niall diz-me de forma rude.
Afirmo com a cabeça. Não o quero irritar mais do que ele já está, portanto despacho-me a comer os meus cereais e a buscar a minha mala. Ambos nos despedimos da minha mãe antes de sairmos de casa. Caminhamos um ao lado do outro, calados. Ele está com os fones nos ouvidos e dá para ouvir baixo o som da música dos Green Day.
No entanto, eu só consigo pensar como será o meu primeiro dia. Se calhar numa turma má é meio caminho andado para o ano me correr mal. Isto seria tudo mais fácil se o Liam estivesse na minha turma, mas, para além de áreas diferentes, ele é um ano mais velho do que eu.
Sinto umas mãos a tocarem na parte lateral do meu corpo, fazendo-me dar um pequeno salto. Viro-me rapidamente e choco contra o corpo de Zayn, que me sorri.
- "Bom dia, linda."
Reviro os olhos com a sua atitude de anormal. Contudo, também sei que não posso esperar muita coisa de um amigo do Niall. Zayn até é o que tolero mais, mesmo que conheça o Harry desde que sou pequena. Mas não suporto o facto de ele ter este tipo de atitudes.
Continuo o meu caminho enquanto o rapaz moreno se junta ao meu irmão que, percebendo que ele chega, tira os fones e guarda-os no bolso direito das suas calças. Eles vão a conversar o caminho todo de temas que não interessam a ninguém e eu mantenho-me calada, a ouvir a conversa. Quando chegamos à paragem, o autocarro está lá parado.
Entramos no autocarro e a primeira coisa que o meu irmão e o amigo fazem é juntar-se a Harry, que está sentado logo nos primeiros lugares, e eu olho à volta, procurando o rapaz moreno de olhos cor-de-avelã.
- "O teu amiguinho está na última fila." –Harry informa com um sorriso não muito amigável.
Decido responder-lhe da mesma forma enquanto olho para os últimos lugares e lá está ele. Liam. Quando estou a ir ao seu encontro, não pude deixar de ouvir os murmúrios das raparigas do autocarro. Elas perguntavam-se quem seria eu, que já falava com os rapazes e como os conhecia.
Oh, afinal quando os rapazes se gabam que são populares na escola eles não estão a mentir.
Limito-me a ignorar todos os olhares e vozes. Sinto-me ridícula por ainda esta manhã ter escolhido uma roupa que não desse nas vistas quando o facto de eu ser irmã do Niall Horan me vai pôr as atenções todas em cima.
Fico parada a meio do meu percurso com um rapaz em pé a falar com duas raparigas e isso impede-me a passagem. Ele está a contar-lhes uma história engraçada, visto que se está a rir e as raparigas estão a fazer o mesmo.
Eu murmuro um com licença e o rapaz olha para mim, parando de rir, mas deixando o sorriso no rosto. Os seus olhos azuis examinam-me de alto a baixo e eu sinto-me um pouco incomodada. Ele não parece admirado ou curioso como o resto das pessoas deste autocarro. Ele parece saber exatamente quem eu sou e o que faço aqui, e isso assusta-me.
- "Posso passar?" -eu murmuro e ele não para de sorrir.
- "Claro."
O rapaz abre passagem e eu continuo a andar, a sentir as minhas bochechas ligeiramente quentes e amaldiçoo-me por ter corado só por ele falar comigo.
- "Hey?" -eu ouço a sua voz e olho para trás, não sabendo se foi dirigido a mim. – "Bem-vinda."
Eu olho para ele confusa e ele continua a sorrir, virando a sua atenção para as raparigas de novo. Continuo a andar, agora um pouco envergonhada, quando chego à última fila de cadeiras, sento-me ao lado de Liam. Ele olha-me e sorri-me.
- "Estás pronta?"
- "Não." –eu respondo evitando a troca de olhares. - "Mas, sinceramente, acho que nunca irei estar."