Dedicado: A todas as Fadas Madrinhas (elas merecem 😉 )
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Dulce ficou para trás, disfarçadamente. Quando se apercebeu de que não havia perigo, murmurou:
- Tenho que o tirar daqui, Príncipe!
- Eu sei. Mas precisamos conversar.
- Sim, meu Príncipe. Mas agora não temos tempo para isso!
Ela lançou-me um olhar meio esquisito.
- Que foi? – perguntei.
- Como a Malévola o tratou tão mal! Está com um aspecto...
Ela nem quis acabar a frase, mas eu sei o que ela ia dizer. Estou com um aspecto horrível.
- Não vivi em nenhum castelo - atalhei.
- Oh, mas eu vou já tratar desse assunto!
Vi ela agitar a varinha e saltaram brilhos. Oh, o que viria aí? Eu deixei de ser fã de varinhas e bastões, porque poderia sair de lá tanto o bom como o mau. Mas eu sabia que a Dulce não me faria nada de mal.
Os pós brilhantes voaram e apoderam-se de mim por completo. Não conseguia ver nada.
- Ah! Assim sim! O Príncipe agora está como merece.
Comecei a ver então a minha nova indumentária que era digna de um príncipe ou de um rei. Levei a mão à cara e percebi que tinha a barba aparada. Tive curiosidade de me ir conhecer. Envelheci e não sabia como eram as feições do meu rosto. Aproximei-me do espelho do toucador e vi um reflexo de um velho sofisticado. Oh, meu Deus... Definitivamente, eu não me reconhecia. Eu era aquele velho de barba e cabelos grisalhos, a pele do rosto marcada pelas rugas e os olhos... Oh, os olhos eram os mesmos! Os meus grandes olhos castanhos que conquistaram muitas moças e a Aurora. O que importava é que a Aurora gostava deles! Já não me importava muito a minha aparência, portanto rompi o contacto com o espelho.
Dulce piscou-me o olhou e exclamou:
- Que bela bengala!
- Oh! – soltei. – Foi um amigo que me emprestou!
- Agora vamos, meu Príncipe! O feitiço de invisibilidade deve estar a terminar.
Eu acenei em concordância.
- Vou enfeitiçar um coche para leva-lo para a nossa casa.
- Não!
A fada olhou para mim com um olhar confuso.
- Eu quero ficar. Eu quero ver a festa, a suposta festa do meu noivado.
- Para quê, meu Príncipe? Isso só vai partir o seu coração!
- Eu quero ver os meus pais com vida. E quero saber o que a minha ausência provocará. Só espero que o rei Dinis não se zangue muito com os meus pais.
- Príncipe Filipe, eu posso contar-lhe tudo. Vai para a nossa casa e descansa – sugeriu ela, carinhosamente.
- Não. Eu já descansei demasiado tempo, na masmorra.
- Pense bem, Príncipe – pediu ela, com um ar preocupado. – Poderão ser emoções muito fortes para si. O seu coração está muito... - calou-se.
- Velho – completei.
- Frágil – emendou ela. – Tem que cuidar de si, Príncipe.
- Não te preocupes, Dulce. Eu estou preparado! Acredita em mim, Dulce.
Ela concordou, mas vi na expressão do seu rosto que não estava convencida.
- Mas vou ajudá-lo a chegar ao salão de banquetes – agitou a varinha para mim e novamente soltaram brilhos.
Senti o meu corpo levitar. Os meus pés deviam estar a cinco centímetros do chão.
- Hoje, o Príncipe irá voando até ao salão – ela piscou-me o olho, sorridente.
- As minhas pernas agradecem, Dulce!
Ufa! Livrei-me da canseira de descer o castelo todo, porque estava no aposento mais alto.
- Preparado, meu Príncipe?
- Sim!
Dulce enfeitiçou-se e voltou a ser minúscula como ela tanto gostava. Abriu a porta com a ajuda da magia e sai do quarto voando atrás dela.
O castelo tinha ganhado vida! Não havia nem uma teia de aranha, nem uma migalha de pó. Tudo estava arrumado e limpo. Nos corredores e escadarias que passava, apenas via criados atarefados nos seus afazeres e soldados com os olhos bem abertos em sentido de vigilância. Ouvia um múrmuro de inúmeras vozes e risos. Vinham do salão de banquetes! Senti o meu coração palpitar mais. Suspirei e pensei:
"Calma, Filipe!".
Dulce voou até ao meu ouvido e murmurou:
- Estamos quase a chegar ao salão, Príncipe.
- Eu sei.
- Chiu! – ela levou o dedo indicador à minúscula boca e olhou em todas as direcções para se certificar de que não havia ninguém. – Não pode falar Príncipe, está invisível.
Eu acenei a cabeça em concordância e pedi desculpa com o olhar. Tinha-me esquecido de que os fantasmas não falam.
Chegamos à área central e se antes ouvia um múrmuro, agora era nitidamente uma barulheira de vozes. Sentia-me estranho e confuso com aquela situação, porque estive muitos anos em silêncio.
Comecei a voar mais depressa e mal tive tempo para respirar fundo. Quando dei por mim já tinha descido as escadarias e estava no salão de banquetes. A grande mesa estava composta com boa comida e nobres conversando alegremente. Rapidamente, desviei o olhar para os tronos. Oh, estavam vazios! Nem os meus pais lá estavam. Procurava-os com o olhar, mas de repente vi tudo azul. O que teria acontecido? Ah, estava escondido detrás de uma enorme cortina!
- Tem de ficar aqui até perder o feitiço de invisibilidade, Príncipe – explicou em tom baixo a minúscula Dulce, colada à minha cara. – Tem a certeza de que quer ficar na festa?
- Sim – murmurei.
- Eu tenho que ir ter com a Aurora, a Fabiola e a Lucy. Tenha cuidado!
- Ninguém me vai reconhecer, Dulce. Não preciso de ter cuidado – sussurrei.
- Não era a isso que me estava a referir – a sua pequena mão pousou no peito, onde batia um pouco descontrolado o meu pobre coração. – Quando puder virei procura-lo, meu Príncipe.
Eu concordei com a cabeça e continuei a conversar em tom muito baixo:
- Dulce, quero pedir-te uma coisa. Não sei qual vai ser a reacção do rei Dinis com a minha ausência, hoje. Se puderes ajudar em algo para que a situação não seja tão má para os meus pais, eu ficaria eternamente grato.
- Nem precisa pedir, Príncipe! O rei Dinis é um pouco temperamental quando se zanga – levou de imediato as minúsculas mãos à boca, porque deixara escapar o seu pensamento. – Mas, o rei Dinis é muito boa pessoa – quis tranquilizar-me.
- Eu sei que sim, Dulce! – esforcei-me para lhe dar um sorriso.
Estava realmente preocupado com os meus pais. Como é que o pai de Aurora iria reagir à minha ausência no dia em que ia entregar-me oficialmente a mão da sua filha? O pai de uma noiva, ainda por cima um rei, com toda a certeza que iria considerar aquilo uma afronta, uma falta de educação que não tem desculpa e sentiria a maior vergonha da sua vida. Ainda por cima havia público a assistir, pois tinham convidado a nobreza toda de Olisipo. E a minha prometida, que afinal era a minha alma gémea sem saber, sentir-se-á ofendida, rejeitada? Ou será que Aurora ficará feliz por se livrar deste casamento, porque pensa em mim e não sabe que sou eu o seu prometido? Oh, meu amor como eu queria ter menos 80 anos e estar ao lado do teu pai esperando-te! Imagino as nossas caras de surpresa ao conhecer-nos e de felicidade, porque todos os problemas que se levantavam contra o nosso amor seriam vencidos. Como seríamos felizes...
- Não te preocupes, Dulce. Vai ter com a Aurora e protege-a.
Eu iria sempre me preocupar, zelar e querer a felicidade do meu amor.
- Também não precisava pedir isso, Príncipe – disse ela, risonha.
Ela consegui-me arrancar um pequeno riso que abafei logo com a mão.
- Já passou a invisibilidade – informou ela.
- Já?
Não senti nada. Sentia-me igual há uns minutos atrás. A verdade é que não percebo nada de feitiços.
- Eu vou ver se o caminho está livre para ir para o salão.
- Dulce, os meus pais não estão no salão. Será que já perceberam que eu não irei aparecer?
- Não, meu Príncipe – respondeu ela, com alguma tristeza. – Eles foram conhecer a Aurora.
- Ah! – soltei, surpreendido.
Tenho a certeza que os meus pais a vão adorar. A Aurora é um doce. Ela é meiga e um pouco tímida, mas isso é que a torna tão bela por dentro.
Vi a fada voar para o exterior e, passados poucos minutos, a cortina desviou-se sozinha e Dulce acenava para eu sair. Dei cinco passos rápidos com ajuda da bengala do meu amigo príncipe esqueleto e encontrava-me no salão rodeado por muitas pessoas. Senti o mesmo desconforto de quando ouvi o barulho das vozes. Ninguém notou a minha presença. Quem é que iria notar a presença de um velho!?
No ar, pairava Dulce, fazendo-me adeus com a minúscula mão. Desenhei um sorriso no rosto não de despedida, mas de agradecimento. Vi aquele ser minúsculo voando por todo o salão para ir ao encontro das escadarias.
Não quis investigar o que havia ao meu redor, os meus olhos voltaram a cair novamente sobre os tronos e as cadeiras dos convidados. Eles ainda estavam ausentes.
Continua...
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O que acharam? Gostaram?😉
E o que se irá passar com os pais da Aurora e os pais do Filipe?
beijinhos 💋💋💋