- “Niall?” –eu chamo, quando ouço a porta da entrada a fechar-se.
- “Sim.” –ele responde e, numa questão de segundos, o seu corpo está no meu campo de visão.- “O que se passou? Tu não me podes simplesmente ligar num intervalo aflita sem explicares nada, apenas para me dizer para vir para casa.”
- “Eu não sabia como te contar isto por chamada.”
Ele olha-me confuso e eu respiro fundo, tentando controlar a minha respiração. Eu ainda não acredito que isto está a acontecer.
- “O que aconteceu?”
- “Eu… Eu fui ao escritório da mãe e…” –eu paro de falar e ele olha para mim, enquanto eu decido apenas passar-lhe a carta.
Ele agarra nela e retira-a do envelope. Eu tremo nervosa com a sua reação e os seus músculos ficam tensos à medida que ele lê a carta.
- “Que merda é esta?” –ele grita e tenho a impressão que ele nem sequer chegou ao fim.
- “Eu não sei… Eu vi e pensei em chamar-te porque eu não sei o que fazer.” –admito.
- “Foda-se. Podia acontecer tudo, menos isto.” –ele grita de novo e eu salto com o estrondo que ele faz ao dar um pontapé no sofá.
- “Niall…”
- “Não, caralho, não!”
Eu encolho-me, com medo e começo a chorar. Eu estou nervosa, irritada, chateada e magoada. Eu ainda não acredito que isto está tudo a acontecer. Eu não acredito que o meu pai mandou uma carta à minha mãe a pedir o divórcio, sete anos depois de nos ter abandonado e de não querer saber de nós.
- “Tu não vais falar com a mãe sobre isto, entendido?”
Assinto rapidamente e ele sai de casa, enquanto eu apanho a carta do chão, e a ponho de novo dentro do envelope. Ajeito o sofá e limpo as lágrimas que escorrem pelo meu rosto.
Subo as escadas e vou em direção ao escritório da minha mãe, arrumando a carta exatamente onde a encontrei. Vou até ao meu quarto e pego no meu telemóvel. Penso em ligar a Louis ou Liam mas desisto da ideia, eu não estou preparada para falar disto com ninguém.
Eu tento concentrar-me nas minhas coisas de Alemão mas isso parece impossível neste momento.
Acabo por desistir do meu estudo e entro na casa-de-banho, despindo-me e entro na banheira. Ligo a água e deixo o meu corpo relaxar, com a minha cabeça cheia de pensamentos.
O meu pai não tinha o direito de nos fazer isto. Ele abandonou-nos e nunca ajudou a minha mãe em nada da nossa infância, e isso já foi inaceitável. Mas isto superou tudo. Ele, sete anos depois, lembrou-se de nós e a única coisa que fez foi pedir o divórcio. Como é que ele foi capaz de fazer isto com ela?
Eu nem quero imaginar o que ela anda a sofrer nestes últimos dias, e não quero imaginar sequer a maneira como ela se sentiu depois de ter falado com ela da maneira que falei.
Será que mais alguém sabe? A Anne, ou a minha avó?
Inúmeras dúvidas e perguntas de diversos tipos atacam a minha mente mas eu não posso deixar que elas me façam isto, eu preciso de pôr a minha mãe em primeiro lugar, e eu saber as respostas que quero não é o indicado a fazer.
Passo o shampoo de maçã pelos meus cabelos e suspiro, enquanto memórias me invadem por completo.
- “Tu não podes misturar o azul com amarelo e querer que saia laranja, Savannah!” –o meu pai repreende-me.
- “Porque não?”
- “Porque isso é errado. Azul e amarelo dá verde.”
- “Porque é que não dá a cor que eu quero?”
- “Porque as coisas não são sempre à nossa maneira, querida.”
- “Eu gostava que as coisas fossem à minha maneira.” –eu digo, tirando finalmente a minha atenção dos quadros que estamos a pintar.
- “Isso perderia a piada da vida, não achas?”
- “Não. Eu teria todas as Barbies do mundo.”
- “Isso seria um aspeto positivo. Mas se fosse tudo à tua maneira, como saberias, por exemplo, o que as pessoas realmente sentem por ti? Elas dir-te-iam apenas aquilo que tu irias querer ouvir, e tu nunca irias saber o que elas verdadeiramente pensam.”
- “Isso seria apenas um aspeto negativo.”
- “E o futuro? Tu não gostas de pensar que o amanhã é imprevisível? Que tu não sabes o que vai acontecer? Não te gostas de surpreender?”
- “Gosto.”
- “Isso não aconteceria se as coisas fossem todas à tua maneira. Tu não sabes o que vai acontecer amanhã e isso dá piada à vida.”
- “E se acontecer uma coisa má amanhã?”
- “Há esse risco, mas e se acontecer a melhor coisa da tua vida?” –ele sorri-me e eu sorrio de volta.
- “Tu és inteligente.”
- “Obrigado, princesa. Tu tiveste de sair a alguém.”
Eu dou um grande sorriso e ele beija-me a cabeça. Somos interrompidos com os gritos de Niall, que entra rapidamente na sala.
- “A mãe vem aí!” –ele grita e eu e o meu pai pousamos os pinceis com que estávamos a pintar.
Niall pega no bolo de chocolate e o meu pai acende as velas com cuidado. Olho para a porta e o rosto da minha mãe ilumina-se ao ver a sala cheia de quadros pintados por nós, fotografias e papeis com pequenos textos e desenhos.
- “Parabéns a você.” –nós começamos a cantar em coro e ela olha-nos, com o maior sorriso do mundo.
Quando saio do banho, seco-me rapidamente e visto a minha roupa interior. Reparo que Louis me mandou uma mensagem mas decido não ver, eu amanhã falo com ele. Visto o meu pijama e guardo a toalha em que enrolei o meu corpo. Desço as escadas e caminho até à cozinha, vendo Niall sentado à mesa.
- “Voltaste à muito tempo?” –eu sussurro, sentando-me numa cadeira ao pé dele.
- “Cinco minutos.”
- “Onde estiveste?”
- “Fui dar uma volta.” –ele responde, com um suspiro.- “Desculpa ter-me passado há bocado.”
- “Não há problema Niall, foi perfeitamente compreensível.”
- “Como é que ele nos pode fazer isto?” –ele sussurra e eu sinto-me a ir abaixo, com a expressão triste na cara do meu irmão.
Eu sei que isto afeta muito mais o Niall do que a mim. Ele esteve sete anos a acreditar que o nosso pai voltaria para nós, que o abraçaria e que recuperassem o tempo perdido. E agora, de um momento para o outro, ele tem de se mentalizar que isso não vai acontecer. Que isso nunca vai acontecer.
- “Niall.” –eu conforto-o, pousando a minha mão na dele.
- “Eu acreditei tanto nele.”
Eu sinto uma lágrima a cair pelo meu olho direito quando o meu irmão tem a cabeça baixa, abanando-a freneticamente, como se estivesse a pedir para que isto não estivesse a acontecer. E eu também. É como se tivéssemos voltado a 2006, onde ter-nos-íamos de mentalizar que estamos sozinhos, só os três.
Sinto os dedos de Niall a limpar-me a humidade dos olhos e eu olho para ele, que se chega ao pé de mim, e me passa a mão pelos cabelos. Tudo o que eu consigo pensar é nestas mesmas ações que ele teve, na noite em que o meu pai foi embora, e isso ainda me faz ir mais abaixo.
- “Vai tudo ficar bem, eu prometo.” –ele sussurra na minha cabeça e eu abraço-me ao corpo dele, mesmo sabendo que ele não vai retribuir o gesto.- “Ele não nos merece. A nenhum de nós.”
Eu ouço a porta de casa a abrir e largo o corpo de Niall, limpando as lágrimas, e recomponho-me. A minha mãe entra na cozinha.
- “Olá, meninos.” –ela diz, com um ar cansado no rosto.- “Vou fazer uma sopa, ok?”
Nenhum de nós responde, mas ela parece não se importar com isso.
- “Savannah, podes ligar ao Louis a avisar que vais com eles a Doncaster, eu exagerei, não há motivos nenhuns para não ires.”
Eu quero libertar um sorriso, mas não sou capaz. Murmuro um obrigada e olho para Niall, que está com ar pensativo. Ele disse para eu não comentar isto com a minha mãe, mas eu vou explodir dentro de minutos.
- “Vocês estiveram a discutir? Estão tão calados.” –ela comenta.
- “Mãe.” –Niall chama.
- “Diz, querido.”
- “Nós sabemos da carta.”
Um suspiro de alívio sai da minha boca, por não ter sido eu a contar à minha mãe que sabemos, ou por ter de esconder isto dela.
- “Que carta?” –ela pergunta, segundos depois.
- “Do pai. Nós sabemos que ele está na porra dos Estados Unidos e que te pediu o divórcio.”
A minha mãe congela e eu percebo isso, mesmo que ela esteja de costas para nós. Eu engulo em seco e decido não falar, deixando-os conversarem para eu ficar a assistir.
- “Vocês mexeram nas minhas coisas?” –a minha mãe pergunta, e levanta a cabeça.
- “Isso não interessa.” –Niall levanta-se e vai até ela.- “Mãe.”
Niall vira-a para ele e o meu coração cai quando vejo a minha mãe a desfazer-se nos braços do meu irmão. Niall abraça-a e eu ouço os soluços altos da minha mãe no seu ombro, enquanto eu me esforço para não olhar para o momento. Eu não quero chorar em frente à minha mãe, ela está a sofrer mais que eu e nós temos de ser fortes e ajudá-la.
- “Eu peço tanta desculpa.” –ela sussurra.
- “Não peças desculpa. Não peças. Ele é que é o cabrão aqui.” –Niall diz.
A minha mãe tenta refilar com ele pelo palavreado que utilizou mas suponho que nem tenha forças para isso. Ela afasta-se dele e limpa as lágrimas com a sua mão.
- “O que é que vais fazer?” –a minha voz ouve-se e eles olham para mim.- “Vais assinar os papéis?”
- “Sim, eu vou.”
- “Porquê? Tu nem sequer lhe devias responder, para que ele andasse atrás de ti a vida toda e mal ele aparecesse aqui, eu dar-lhe-ia a tareia da vida dele.”
- “Niall.” –ela repreende, desta vez.- “Quando aqueles papéis estiverem assinados, nós não temos mais nada a ver com o vosso pai.”
- “Nós já não temos nada a ver com ele.”
- “Oficialmente, temos.”
- “Tu recebeste mais alguma coisa dele, nos últimos anos?” –eu atrevo-me a perguntar.
- “Ele mandou-me um postal no natal de há dois anos.”
- “O que dizia?”
- “Mandava beijinhos, apenas.”
- “Ele mandou um postal a mandar beijinhos?” –Niall rosna.- “Se ele fosse útil para alguma coisa é que eu me admirava, para que raio é que eu preciso dos beijinhos dele?”
- “Niall.” –eu aviso desta vez.- “Mãe, não nos voltes a esconder uma coisa destas.”
- “Sim, a Savannah tem razão. Tu não estás sozinha e nós já não somos nenhumas crianças.”
- “Eu apenas não sabia como dizer que…”
- “Que o pai seguiu com a vida dele?” –Niall interrompe.
- “Sim.”
- “Porque é que ainda não assinaste os papéis?”
- “Eu estou a… Ganhar coragem, acho eu.”
Niall assente levemente e vai até ela, dando-lhe um beijo na testa.
- “Assina-os.” –ele encoraja.- “Tu precisas de o deixar ir, tal como ele nos deixou a nós.”
Ela assente levemente e dá um beijo na cara de Niall e faz sinal para eu me juntar a eles.
- “Estou orgulhosa de vocês os dois.”
***
- “Está tudo bem? Não vieste no autocarro.” –Louis comenta, no primeiro intervalo.
- “A minha trouxe-me.”
- “Savannah?” –é a vez de Danielle perguntar.
Eu respiro fundo e olho para os meus cinco amigos. Madison sabe que algo de mal aconteceu, visto que eu quase não falei na aula de História. Danielle, Liam, Alex e Louis observam-me com curiosidade.
- “O meu pai enviou uma carta à minha mãe, a semana passada.”
O silêncio começa a tomar conta do nosso ambiente e eu percebo que nenhum deles estava à espera desta, pois estão todos a entreolharem-se com os olhos arregalados.
- “O que dizia?” –Liam, finalmente, fala.
- “Ele pediu-lhe o divórcio.”
- “O quê?” –Danielle quase grita.
- “Como é que tu estás?” –Alex não me deixa responder.
- “Eu… Normal. Eu não achei justo o que ele fez mas não estou preocupada comigo, estou preocupada com ela. A minha mãe foi-se abaixo com isto.”
- “E o teu irmão?”
- “O Niall está fulo com ele.” –eu suspiro.
- “É normal, o teu pai não foi correto com vocês.”
- “Imagino a tua mãe, coitada.”
Louis está calado, ainda a olhar para mim, mas eu decido ignorar.
- “Vamos mudar de assunto.”
Eles assentem e Danielle começa a contar-nos sobre o sarau importantíssimo que vai ter no final do mês.
- “Savannah?” –olho para o lado e vejo Louis.- “Tu precisas de algo? Ou a tua mãe? Nós podemos ir embora daqui, se tu quiseres.”
- “Não, eu estou bem.”
- “Eu sei que não estás. E não é para menos, o teu pai nunca vos disse nada durante anos e agora voltou e pediu o divórcio à tua mãe.”
- “Eu apenas quero esquecer isso, a minha mãe vai-lhe dar o que ele quer e ele depois não nos chateia mais.”
- “Podemos fazer algo esta tarde, para te distrair. Ou agora, se não quiseres ficar aqui. Mesmo que tu queiras ir fechar-te na casa-de-banho a chorar, avisa-me, que eu vou contigo.”
- “Eu amo-te.” –digo-lhe, encostando-me a ele, que me dá um beijo na cabeça e voltamos a prestar atenção a Danielle.