Anahí
Dulce e todo o resto da família Herrera estavam naquela sala, calados como se já fosse o próprio funeral. Aquilo me aborrecia só de pensar. Como eles podiam ser tão desagradecidos? Alfonso ainda respirava, e enquanto houver vida há esperança. Não era esse o ditado?
Ao mesmo tempo em que se perdiam em seu silêncio, todos me encaravam piedosos. Aquela maldita pena mais uma vez.
Dulce pareceu ter sido convocada pelos olhares, a se levantar e ir para perto de mim.
Nela também existia certo temor.
- Esperávamos por você. Alfonso quer te ver.
A única notícia feliz daquele dia foi que meu marido conseguiu reabrir os olhos mais uma vez.
- Ele precisa descansar agora, não deve se esforçar muito. Depois eu vou.
- Anahí, vá agora, não adie - ao dizer aquilo a mulher apertou os olhos.
- Não estou adiando nada Dulce, só quero o melhor para ele.
- Então o melhor é ele te ver. Faça o que deve ser feito.
O meu medo não a impediu de ser determinada.
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Nunca foi tão difícil entrar por aquela porta.
Eu segurei o ar e o soltei, num movimento relaxante, até sentir-me um pouco mais segura. Destravei a fechadura e entrei.
Ele estava sobre a cama, frio como uma noite de inverno. Solitário tanto quanto.
Meu olhar buscava razões, explicações, o que quer que fosse possível para decifrar aquela dor tão sobrenatural, quase que mortífera, que invadia meu peito a cada minuto que se passava aproximando a nossa despedida.
Parecia uma espécie de sonho inconsciente, onde eu acreditava que ia acordar e tudo passaria. Voltaríamos a nos beijar com a mesma intensidade da primeira vez, e ao pensar nisso minhas recordações machucaram ainda mais.
Lembrei-me da primeira vez que vi aqueles olhos verdes, admirados, no meio de uma plateia irrelevante -Talvez eu já tivesse me apaixonado desde aquele dia sem perceber - porque não havia motivos para um estranho qualquer me deixar tão nervosa num embate de corredor.
Aquela foi à segunda vez, e firmou o que seria a melhor coisa da minha vida.
Alfonso parecia saber os lugares que minha mente percorriam naquele devaneio, quando num reflexo, me mostrou um leve sorriso esforçado na tentativa de esconder o nosso medo.
Mesmo com o fôlego ao fim ele sorriu.
- Não queria que me visse assim, mas preciso de você.
- Eu viria mesmo que não quisesse a minha presença - falei indo na sua direção, sentando-me ao seu lado.
Mordi o lábio e segurei a mão dele.
Alfonso me encarou indignado, até deixar escorrer uma lágrima fraca.
Nem um de nós queria aquilo. Parecíamos inconformados.
- Suas mãos... Elas tremem tanto.
- Não me importa aonde você vai estar, porque eu sempre estarei contigo! Mesmo que as luzes se apaguem...
Balbuciei amargurada, e por um momento as vozes se perderam .
- Você tinha razão sobre o amor. Ele dói bastante - meu ar desapareceu quando o ouvi. A pressão da minha mão aumentou e eu o segurei com mais força ainda. Alfonso respirou fundo. - Mas ele é maior do que o que acontece aqui. O amor vale mais do que a vida e a morte. Ele ultrapassa a nossa razão ou percepção de tudo... Anahí eu podia ouvir você, durante todo esse tempo.
Eu sabia!
Não pude controlar o choro, inconsolada, a cada palavra que saia com aquela voz tão triste e derrotada pelo acaso.
Alfonso tinha força e fé, coisas que deviam salvar uma pessoa de qualquer tormenta ou dor.
Ele merecia viver, e eu o merecia.
Eu tinha o direito de criar nosso filho ao lado do pai, como uma família que nunca tive. Era injusto e imperdoável. Por quê? O que pretende com isso Deus? Questionei a minha fé interior olhando para dentro de mim mesma, crente que alguém devia ser julgado e culpado por tudo aquilo.
- Posso te pedir um favor? - Refletiu esperançoso.
- Todos que quiser.
- Esse bebê será um menino, - afirmou com uma certeza assustadora - e eu quero que ponha o nome dele de Davi.
Com o semblante término Alfonso me observou em silêncio, como se esperasse por algo.
- Isso é tão injusto, que me aborrece. Sinto vontade de gritar, explodir. Correr até cair de exaustão e não abrir mais os olhos.
- Nosso filho precisará de outra Anahí, não desta. - repreendeu em tom claro.
- Só vai existir essa depois de você - rebati logo em seguida, e com um fio de ar completei com a pergunta - Por que nós?
- Não odeie Deus - retrucou ciente de quem eu queria culpar.
- Mas ele não devia fazer isso!
- Anahí...
- Não me peça para aceitar! - gritei - Eu não vou aceitar nunca isso tudo ter acontecido com nós dois! Nunca!
- Não quero que aceite nada meu amor. Viver seria um presente, e foi, mas isso tinha que acontecer. Sabíamos que ia.
- Eu não devia ter falado o meu pedido naquele dia na fonte... - retruquei fingindo uma expressão positiva em meio as minhas lágrimas salgadas - Talvez tivesse dado certo.
Sorrindo de forma angelical, Alfonso pegou o meu pulso e estendeu a minha mão para que eu o tocasse.
Ele próprio guiou a minha carícia pelo seu rosto, finalizando com um beijo em meus dedos.
- Talvez, quem sabe...
- Eu te amo tanto - gemi jogando minha cabeça sobre o seu peito, apertando os nossos corpos.
Nele batia um coração cansado. Quase que inaudível.
Me esforcei para ouvir um pouco mais os batimentos de vida nele.
- Também te amo, e vou sentir muito por não poder tocá-la, ou beija-la. Sem poder sentir seu cheiro e tudo o que irradia você - suspirando, finalizou - Eu os amo.
Agarrada ao seu corpo, Alfonso me cedeu um pouco mais dele, envolvendo devagar os seus braços envolta de mim.
Foi como um abraço, mas a minha cabeça permaneceu no mesmo lugar. Me recusei a sair daquela posição.
Confesso que não foi nem um pouco fácil ouvir os batimentos do seu coração desacelerarem, vagarosamente, aos poucos. Da mesma forma em que um feto começa a ganhar vida ele estava perdendo a sua.
Quando o último bater soou, seu toque desvaneceu e os seus músculos perderam a força fazendo os braços dele deslizarem prestes a me abandonar.
Puxei-os de volta a mim e gritei ainda de olhos fechados.
Gritei várias vezes, incessantemente, e de uma maneira nada casual. Foi um desabafo.
"eu precisava descarregar o desespero".
Por mais que você ache que está preparado para perder alguém, isso não é verdade, nós nunca estamos. O fato de saber que vai morrer ou que lhe faltam poucos dias não ameniza nada.
É como uma contagem regressiva impiedosa, onde acreditamos que a qualquer momento acontecerá um milagre. Que haverá uma saída mais digna.
Eu mesma dizia que ia ser forte, que não ia me desesperar ou fazer cenas desagradáveis... mas naquela hora a última coisa que pensei foi em ser agradável.
Ele estava morto, bem do meu lado e já não era mais uma contagem regressiva. O cronômetro por fim parou, desconstruindo qualquer esperança.
A minha esperança...
Dulce entrou no quarto, eufórica e assustada pelos meus gritos. Ela andou na minha direção e tentou me segurar, mas me esquivei pedindo para ficar ali por mais tempo, porém, fui contrariada.
- Anahí, por favor, venha.
Não lhe respondi nada. Ela também chorava, principalmente por me ver daquela maneira.
Minha amiga me levantou e levou meu corpo para longe da cama, e só depois disso consegui abrir os olhos completamente.
Ver aquele par de olhos fechados era como acreditar que ele estava adormecido. Ainda tinha certa cor em sua pele gélida denunciando os minutos finais de sua vida celular.
Ele ainda era o meu Alfonso... O meu amor... A minha maior possessão.
Então a minha visão se perdeu... tudo o que via com cor, se escureceu, e eu desfaleci nos braços dela.
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(Silêncio)
Nicholas Sparks corre aqui!!!