Alfonso Herrera
De pé em frente à colossal janela de vidro, eu observava à movimentação das pequenas réplicas logo abaixo da cobertura. No solo, as pessoas pareciam andar desordenadas como num formigueiro gigante, carregadas de destinos. Era sexta-feira e possivelmente a maioria delas deveria trabalhar naquele dia, igualmente eu logo de manhã, mas não naquele horário. Eram exatas dezenove horas e a minha dúvida de qual lugar ir me perseguiu como um carma acumulado. Será que seria prudente ir à festa ou no jantar? Pondo as mãos no bolso, puxei o BlackBerry e olhei para a mensagem mais uma vez, tentando me assegurar. Devolvi o aparelho e fui trocar de roupa.
Seria o jantar.
Ao chegar no restaurante, alguns minutos foram hesitantes da minha parte, principalmente por notar que ela já me aguardava sentada na mesa próximo da janela. Pontualidade? Alice me conhecia o suficiente para saber da minha aversão com atrasos. Talvez aquele tivesse sido o motivo da sua espera. E ao notar a forma como ela checava o relógio, confirmava que estaria ali a mais tempo.
Logo na entrada o gerente que recebia todos, me cumprimentou caloroso, dizendo repetidas vezes como a minha presença ali era escassa há tanto tempo e que era bom me rever. O metre veio logo em seguida e me mostrou um dos seus vinhos selecionados, fazendo questão que ele fosse servido na minha mesa. Agradeci enquanto era guiado por Chaviir, o gerente. Assim que cheguei até a mesa, Alice abriu um sorriso e se ergueu pondo a vista somente em mim. Ela usava um vestido creme, justo ao seu corpo como uma seda macia. Ela tinha a pele branca leitosa. Seus olhos esverdeados eram mais claros que os meus. Sua beleza era indiscutível, e era possível notar nos olhos de cada homem que estava sentado naquele lugar, admirando-a junto comigo. Correspondi a reação dela com um breve sorriso cordial. Logo que o homem se afastou de nós, nos sentamos e ela entrelaçou as mãos, que agora estavam sobre a mesa. Me afrontando um pouco mais, conforme suas bochechas rosadas atenuavam a cor, ela arfou e disse:
— Você continua lindo. Fico muito feliz que tenha vindo.
— Sua mensagem me deixou incomodado, Alice. Porque precisava me ver?
— Aproveite o jantar antes de me abordar dessa maneira.
O semblante da mulher se fechou.
— Compreenda-me. Já faz muito tempo.
— Um ano — Corrigiu.
— Agora percebe como isso se torna intrigante?
— Eu sei que pode parecer estranho, mas senti muito a sua falta durante esse tempo.
— Aonde pretende chegar com essa conversa? — Fomos interrompidos pelo garçom enquanto o mesmo depositava sobre a nossa mesa um par de taças cristal e um vinho envelhecido a mais de dez anos, foi o que percebi ao ler o rótulo na hora em que era posto.
Vinhos não era uma coisa da qual eu compreendia muito, mas o sabor me encantava, e se eu apreciasse o gosto, a peça poderia até não ser tão cara. Ainda mais que, aqueles que entendiam sabiam como recomendar muito bem em todos os restaurantes que eu costumava frequentar. Assim que o líquido avermelhado adentrou o recipiente em nossas mãos, o cheiro que exalou suave e amadeirado deixou evidente a sua qualidade.
Ela deu o primeiro gole e me olhou por cima da taça. O homem saiu avisando que estaria disponível caso precisássemos. Dando mais um gole, notei como as pernas dela balançavam por debaixo da mesa.
— Quando pretende me responder, Alice? — Ressaltei dando um gole sagaz.
Ela ficou um pouco mais avermelhada com o efeito do vinho atacando-a rápido graças a sua fraqueza para bebidas alcoólicas.
— Não sente saudades de mim?
— Deveria?
— Nós íamos nos casar, lembra-se disso? Não é tão simples começar do zero.
— O fim não veio na hora que decidimos cancelar o casamento, mas no momento em que os sentimentos deixaram de existir.
— Eu sei que errei em trair sua confiança Alfonso, mas...
— Por favor, não precisa dizer isso. Não existe apenas um culpado, e sim, dois. Ambos deixamos chegar nesse ponto.
Alice pareceu atordoar-se naquele momento. Ela não esperou o garçom nos servir. A mulher pegou a garrafa e encheu a sua taça, trêmula, enquanto eu apenas olhava sua atitude em completo silêncio.
Quando ela pôs a bebida na boca percebi que sua face ficou ainda mais corada.
— Por que chegamos a isso? — Perguntou em tom vibrante.
— Vamos sair daqui, você precisa se acalmar.
— Não quero sair, nós acabamos de chegar.
— Alice, vamos! — a sonoridade da minha voz foi coagida a sair o mais autoritária possível. Tentei recordar a forma dura que costumava tratar meus funcionários. Pareceu funcionar com ela. A mulher baixou a vista e dispensou o copo. Levantei-me primeiro e puxei sua cadeira, ajudando-a a se elevar. Alice segurou meu braço e foi conduzia por mim até a saída. Ela esperou próximo do carro durante a quitação da conta.
Voltando minha atenção, lhe abri a porta do carro e a mesma entrou. Saímos por longas quadras até chegar cada vez mais próximo da rua onde abrigava a famosa mansão dos Cecile. Alice estava longe do seu estado natural, sempre controlada e elegante. Não tinha hábito de vê-la agir daquela maneira. O que fez aquela mulher sair de si?
Parando no sinal vermelho, diminui a velocidade do carro e pisei no freio. As mãos gélidas dela se encostaram às minhas no volante. Permaneci olhando para frente e aguardei a sinal ficar verde.
Quando a passagem foi liberada, acelerei e finalmente entramos no condomínio fechado.
— Por favor, encoste — O pedido soou alarmado.
— Já estamos quase na frente da sua casa.
— Pare, Alfonso!
Quase que instantaneamente eu freei, não dando para evitar o soar do pneu sobre o asfalto. A freada brusca resultou na risada dela.
Não resisti, sorrindo junto dela, agitada e descontraída.
— Sua maluca. Porque me fez parar dessa forma?
Ela liberou o cinto de segurança arremessando seu corpo em cima do meu. De maneira treinada as mãos dela desligaram o veículo impossibilitando minha partida.
— Não faça isso...
— Por quê? — Disse ameaçadora — Você não sente mais desejo pelo meu corpo? Nem por mim?
Com um olhar sério pus minhas mãos sobre os ombros dela, enlaçando os polegares na alça fina do vestido.
— Sabe que é muito desejável.
— Sou? — Indagou ardilosa.
— Quanto custou?
— O que?
— O vestido.
O riso prazeroso dela fez o meio das minhas pernas pulsar. Maldita vontade de pôr tudo de mim dentro dessa mulher.
— Tenho muitos desse. Não me importaria de ficar sem um.
Aquela foi à última provocação que meu corpo poderia tolerar naquele momento. Alice era linda e tinha todo o direito de me deixar duro e completamente louco para penetra-la. Sem demora foi isso o que fiz. Puxei o cabelo da sua nuca para manter certo controle e suguei cada pedaço daqueles finos lábios rosados. O corpo dela se movia como um barco à deriva nas mãos de um instrutor sábio.
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Pondo o que restou do vestido, Alice me observou pelo espelho do carro recolhendo os sapatos e acomodando os cabelos. Nós tínhamos transado, mas depois, nada pareceu ser interessante o suficiente para se falar. Eu apenas puxei o zíper da calça que havia sido a única peça, minha, desfeita durante o ato.
Ela estava borrada e apática.
— Já posso ligar o carro?
Relutante, o bufar da voz dela me tomou a atenção.
— Fui útil? — Rebateu.
— Não pretendo dar continuidade no que você está prestes a dizer.
— O homem que tudo prevê, não é, Herrera? — A ironia estava carregada no seu tom de voz — Consegue decifrar o sentimento de todos.
— É melhor pararmos, Alice
— Parar? Depois do sexo eu me tornei o que para você? Um objeto eu suponho.
— Sabe que não sou assim e muito menos penso dessa forma.
— Então porque está distante?
— Isso foi estranho para os dois. Nem sei se foi correto.
Ela tirou a mão da perna e segurou a minha sobre a caixa de marchas. Seus dedos passearam em carícia.
— Não resisti sentir você outra vez.
— Alice.
— Não fale nada. Somente pense a respeito.
A humidade dos seus lábios em cima da pele do meu rosto foi a última coisa que pude desfrutar antes dela sair fechando a porta calmamente para entrar em sua casa.
Esperei que sua imagem sumisse completamente para então ligar o carro e sair para o único lugar que me interessava.
O celular tocava pela terceira vez, desde que dobrei a primeira esquina saindo do condomínio dos Cecile. Após refletir mais um pouco, acionei o botão no painel do carro, atendendo.
— Dr. Herrera! — o som da voz grave de Ricardo invadiu o pequeno espaço — Me diga que está no caminho até aqui ou irei atrás de você com todos ou meus convidados.
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