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[...]

Quatro dias haviam se passado desde a minha fuga, eu não sabia ao certo em quantos ônibus embarquei para criar uma rota impossível de ser seguida por qualquer pessoa que tentasse me encontrar.

Nesse meio tempo tentei não pensar no desespero que causei em todos que me amavam, mas confesso todas as noites ao deitar minha cabeça no travesseiro eu pedia perdão aos céus por causar tamanho sofrimento aos meus pais, sei que aquela ferida jamais iria ser cicatrizada.

Andrew deveria estar arrasado e constrangido, há essa altura deveríamos estar casados e aproveitando a lua de mel em alguma ilha ou algo do gênero, espero que um dia ele consiga me perdoar.

Minha aparência possivelmente estava deplorável, eu não sabia mais o que era dormir uma noite inteira ou comer de maneira adequada, olheiras horríveis faziam parte da minha expressão e quero evitar comentários sobre o estado que meu cabelo se encontrava.

Passei por duas pensões que deveriam ser interditadas de imediato, não me atrevi a deitar no que chamavam de cama e com isso passava as noites em claro esperando a próxima hora do embarque, eu contava os minutos para chegar logo em Calum e finalmente respirar aliviada por estar em segurança em meu novo lar.

-Obrigada... –Falei ao entregar minha passagem para o motorista que havia acabado de guardar minha mala.

Estava me mantendo de pé por algum milagre ou intervenção divina, o cansaço em mim era grande, mas graças aos céus aquele seria o ultimo ônibus, em poucas horas chegaria ao meu destino final.

Minhas únicas aquisições nesses últimos dias foram uma coberta daquelas bem simples que comprei em uma loja de lembranças juntamente com um travesseiro infantil que se tornaram meus objetos essências em minhas tentativas de sonecas.

Devo confessar que parte de mim estava cheia de expectativas, mas a outra parte estava amedrontada, pois mesmo tentando ser otimista ao pensar nas possibilidades que me aguardavam nessa nova fase, sabia também que não seria nada fácil, eu estava absolutamente sozinha e não poderia contar com ninguém além de mim mesma.

Pelas minhas contas eu chegaria no inicio da noite, estava ansiosa para encontrar a senhorinha no qual conversei poucas vezes por telefone, ela era incrivelmente falante e parecia ser realmente muito boa e doce.

Chegaria com dois dias de atraso do que havia sido combinado e o horário no qual “faria minha mudança” não me parecia ser um ato muito agradável para ser a primeira impressão nessa nova fase.

Tentei afastar aqueles inúmeros assombros que surgiam em minha mente, precisava descansar um pouco pois assim que eu desembarcasse daquele ônibus eu iria correr para um banheiro e tentar cobrir essa imagem fantasmagórica na qual me incorporei.

Passei o trajeto inteiro acordada observando as diversas planícies diferentes que o caminho oferecia, vegetações carregadas de flores e algumas pareciam ser somente um bando de arvores secas e esquecidas, e naquele momento eu tive a real certeza de que jamais me encontrariam ali, pois se buscassem o termo: “fim de mundo”, provavelmente teria como significado a foto daquela cidade.

Já era possível observar a escuridão tomar conta do céu por conta daquele inverno severo, como o esperado o ônibus chegou até o centro da cidade no inicio da noite, um forte frio se instalou em minha barriga enquanto eu descia os poucos degraus.

-Boa noite! –Falei para uma garota que estava parada debaixo da marquise de uma loja de roupas.

Ela me encarou com um olhar estranho, não notei maldade ou algo do gênero, e sim curiosidade, por se tratar de uma cidade minúscula possivelmente todos se conheciam e “forasteiros” eram incomuns.

-Oi. –Falou ao sorrir de forma tímida.

-Será que existe algum ponto de táxi aqui por perto? –Questionei e ela riu.

-Táxi aqui é raridade. –Falou ao suspirar.

-Estranho, por ser o centro da cidade achei que teria mais sorte para encontrar... –Ela me interrompeu.

-Você é de cidade grande pelo visto. –Deduziu ao balançar com a cabeça. –Calum é uma cidade muito pequena e a maioria dos moradores possuem seus próprios carros, é mais prático, sabe? –Ela olhou para o relógio que estava em seu pulso e sorriu ao me encarar. –O próximo ônibus passa daqui a pouco, no máximo uns dez minutos de espera, ele te levará a parte residencial daqui.

-Ah, que sorte... –Resmunguei ao revirar os olhos.

[...]

Quase beijei o asfalto assim que pisei na calcada do meu novo endereço, eu já não agüentava mais embarcar em ônibus, provavelmente aquela seria uma penitencia dos céus por te fugido de uma maneira tão controvérsia de casa, juro que cairia no primeiro sofá que me aparecesse e dormiria por cinco dias seguidos.

Olhei para a folha de papel onde o endereço estava impresso e fiquei uns bons minutos observando atentamente os detalhes da casa, uma pequena porta de ferro pintada na cor preta e trabalhada com alguns espaçamentos em vidro me separava da pequena escadaria de maneira que dava acesso ao “kitnet”, moraria no segundo andar e fiquei satisfeita ao ver a pequena sacada bem acima da porta.

Declínio Where stories live. Discover now