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LYDIA

O ambiente tornou-se tenso em um curto espaço de tempo. Jonah permaneceu em silêncio por vários minutos enquanto mantinha um olhar cabisbaixo, já não existia raiva e nem qualquer outro sentimento derivado da fúria ou algo do gênero. Eu conseguia enxergar mágoa naquele par de íris tão azuis, mas eu também conseguia notar culpa e compaixão.

Não queria falar mais nada, não queria ter que me explicar pela décima vez e não queria me desculpar por comportamentos que achavam negativos... Eu simplesmente não queria ter que me justificar para mais ninguém.

-Lydia... -Jonah falou após algum tempo. -Eu nunca poderia imaginar o quanto estava machucada... Eu... Eu jamais pensei que estava guardando tanta coisa em seu coração. -As mãos de Jonah tocaram a mesa de maneira retraída. -Você estava sempre tão calada. -Continuou. -Acho que estava preocupado apenas com meus assuntos que não fui capaz de enxergar nada além disso. -Ele pegou o bolo novamente e deixou próximo do centro da pequena mesa da lanchonete. -É até meio cômico pensar que o egoísta fui eu. -Ele sorriu tristemente. -Eu não consegui me colocar em seu lugar em um primeiro momento e peço desculpas, Lyd. -Jonah suspirou pesadamente e só então direcionei meu olhar em sua direção. -Mas eu preciso ser egoísta mais uma vez e tenho que te pedir uma coisa... -Sua mão agarrou a minha com firmeza. Desviei o olhar por alguns segundos já sabendo qual o conteúdo de sua próxima fase. -Preciso que volte pra casa comigo, Lydia.

-Eu não quero voltar, Jonah. -Falei ao puxar minha mão lentamente. -Eu preciso descobrir quem eu sou antes de qualquer coisa. Fui moldada desde muita nova para ser o que todos a minha volta esperassem que eu fosse. -Ergui minha cabeça e mirei minha atenção naquele garoto que agora parecia ter se "infectado" com aquela síndrome dos negócios da família acima de tudo e todos. Jonah era apenas um garoto que também foi obrigado a crescer diante das circunstâncias e estava criando sua personalidade diante daquilo que era proposto. Vi acontecer o mesmo com o Andrew e agora tudo parecia um djavu.

Sabia com exatidão o roteiro daquele filme, conhecia os personagens, as falas, cenas e consequentemente o final amargo.

-Dessa vez eu preciso escolher o que é melhor pra mim. -Falei com convicção.

-Você tem medo de voltar? -Jonah falou parecendo estar ansioso. -Você não quer mais se casar? É isso? -Ele desviou o olhar parecendo refletir por alguns segundos e por fim estalou o dedo parecendo lembrar de algo. -A razão por trás de tudo isso é aquele cara? O dono do celular? Vocês estão juntos?

-Jason? -Balbuciei lembrando do nosso último encontro desastroso e de suas palavras. Ele certamente não gostaria de me encontrar novamente. -Não. Ele não é uma das razões. É tão difícil entender que eu simplesmente não quero voltar? Por Deus, Jonah! -Estava frustrada com aquele diálogo que não nos levaria a lugar nenhum.

-Lydia...

-Consegue ver isso? -Falei ao arregaçar as mangas do meu moletom. -Essas pequenas marcas de queimaduras e arranhões? Sabe como as consegui? Trabalhando de maneira manual! Em uma cozinha de um restaurante que jamais conheceria se estivesse presa naquela gaiola chique, Jonah! E quanto ao Jason? Jason é uma pessoa incrível... Ele vive constantemente de mau humor, posso até dizer que 23 horas são dedicados ao seu lado brigão e emburrado, mas Jonah... Posso te garantir que nessa 1 hora restante... Ele é o melhor homem que já conheci. -E como mágica aquela voz dizendo "Holt" veio ao meu consciente e foi impossível não esboçar um sorriso. -Acho que gostei de lembrar do quanto é bom gostar de uma pessoa e ser recíproco, sabe? Para ambos os lados. Era recíproco. -Ergui meu corpo. -Eu não vou voltar, Jonah. -Tentei sorrir enquanto lutava fortemente para que as lágrimas não rolassem.

Aquele choro não precisava de platéia e nem de olhares de pena ou preocupação.

-Você parece estar irredutível. -Jonah bufou ao virar seu corpo e pegar uma das mochilas que trazia consigo. -Peguei algumas coisas no seu quarto na esperança que voltasse comigo... -Confessou ao sorrir de maneira triste enquanto me oferecia a mochila.

-Obrigada, Jonah. -Indaguei ao agarra-la.

-Eu não tenho muito dinheiro em espécie aqui comigo... -Ele falou ao mexer na carteira. -Mas podemos passar em algum banco e sacar uma quantia.

-Não precisa. -Balancei minha cabeça. -Tenho o suficiente para me manter por algum tempo. -Expliquei.

-Então fique com o meu cartão... -Ele retirou o pequeno objeto e estendeu sua mão, oferecendo-o para mim. -A senha é a minha data de nascimento.

Ao ouvir aquilo foi impossível não sorrir.

-Você sempre foi tão óbvio, pirralho. -Revirei os olhos. -Óbvio até demais... -Murmurei ao encarar o cartão. -Esse cartão vai ser um rastreador, certo? Você vai saber por onde passei, pra onde vou e onde estou. -Suspirei. -Partilhamos do mesmo DNA, mas não do mesmo QI, Jonah.

Declínio Where stories live. Discover now