[74] Coisas novas.

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Deitado ao seu lado, Nina lê Austen para mim. Tori está sentada na poltrona do canto mexendo no celular. Abdicou do trabalho para ficar com Nina a semana inteira. Estamos os dois revezando para ir para casa tomar banho, trocar de roupa e comer.

- Você não se importa de me ouvir ler Orgulho e Preconceito pela centésima vez? - Vira o rosto sereno para mim.

- Eu me importo de não ouvir. - Beijo sua testa. - Continue. Minha parte favorita é quando eu imagino que eles se beijaram.

- Jane foi cruel não nos dando um beijo sequer de Elizabeth e Darcy. O filme poderia ter sido menos fiel nesse ponto. - Nina apoia a cabeça em meu ombro.

- O nosso livro tem beijos até demais. - Beijo-a novamente.

- O amor adolescente de vocês é irritante. - Tori revira os olhos. - Lendo Jane Austen em uma cama de hospital e trocando beijos.

Antes que eu possa responder, Anna e Natalie adentram ao quarto sorridentes. A essa altura, ela já pode receber visitas que não são da família. Max precisou cuidar dos irmãos, então não pôde vir.

- Nina Davis, eu acho melhor você se explicar ou eu irei matar você. - Anna diz entredentes.

Ela me empurra para sair da cama e abraça a Nina com força.

- Agradeça aos seus pais pelas flores. - Nina diz à Anna, que semicerra os olhos irritada. - E à aos seus também, Nat. É muita gentileza deles.

- Oh, acredite, eles ainda não vão muito com a sua cara, mas adoraram a sua mãe. - Diz Natalie, ocupando o outro lado da cama ao lado de Nina.

- Eu imaginei. - Nina sorri e a abraça como abraçou Anna. - Vocês não precisavam ter vindo. Não todos os dias.

- Não seja idiota. - Anna revira os olhos. - Esse tempo me fez perceber que a Natalie não é uma vadia superficial e egoísta.

- Eu amo quando você me elogia. - Natalie ironiza. - E esse tempo me fez perceber que a Anna não é uma intelectual esnobe, sarcástica e esquisita. Só uma intelectual sarcástica e chata.

- Elas estão dizendo isso na sua frente para não assumirem que passaram os últimos dias sentadas na sala de espera agarradas uma à outra e aliviando a ansiedade. - Intrometo-me.

- Não seja o namorado chato, Adam. - Anna me direciona um olhar fulminante. - Estou deixando de gostar dele.

- Antes que Anna me mate, eu irei sair.

- Aonde vai? - Nina indaga.

- Eu vou em casa, mas volto logo. Trago alguma comida proibida clandestina para você. - Aproximo-me da sua cama. - Eu te amo. - Beijo sua testa.

- Eu também te amo. Tome cuidado.

- Eu irei. Até, meninas. Espero voltar e não ter Anna me olhando com todo esse ódio por eu ter deixado claro que vocês duas se amam e não admitem.

Anna joga um urso de pelúcia mandando por algum parente distante em minha direção. Desvio e saio antes que ela jogue o vaso de flores de vidro.

Em casa, alimento Austen e Dickens e brinco com eles um pouco. Tomo banho e pego um novo livro para Nina, que já está terminando Orgulho e Preconceito. Não consigo imaginar quantas vezes ela deve ter lido esse livro.
Penso, então em a oferecer um livro que ainda não leu para sair do ciclo de livros repetidos. Lembro-me do quanto ela gosta e odeia Bukowski e que estava lendo um livro dele quando nos conhecemos no dia do casamento, sendo assim, resolvo vasculhar as poucas caixas ainda descansando em meu quarto desde janeiro.
Esgueiro-me sobre a pilha acomodada perto do armário e vou tirando os livros empoeirados para deixá-los sobre a cama. Um deles cai no chão: A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath. Um dos favoritos da minha mãe. Plath, Virginia Woolf e Angela Davis eram as escritoras favoritas da minha mãe. De todos, amava mais A Redoma de Vidro, que eu li alguns anos depois dela morrer. Seu exemplar surrado, marcado e rabiscado, cheio de irregularidades nas páginas e com o cheiro doce de rosas frescas dela misturado ao aroma do tempo... Era meu favorito.
Dele, vejo cair um papel. Um dos muitos que deixava nos livros, mas esse é diferente. A folha amarelada pelos anos me fez voltar aos doze anos, quando sentado à relva do cemitério, li o que minha avó escreveu para mãe. E o que a minha mãe deixou para mim. Para que eu soubesse tentar seguir com a minha depois de dar adeus a ela. Pensei que tivesse perdido da mudança, ou a teria dado para Nina no dia em soube de toda a dor que carregava. Fiquei tão perdido nos olhos verdes gentis, na pele suave, do sorriso brilhante e no silêncio de estar por perto, que deixei por estar. Deixei as caixas, a bagunça e a vontade sequer dormir no meu quarto. Dormia aqui apenas antes de eu e Nina ficarmos juntos e nos nossos breve momentos separados, como nas brigas. A verdade é que me acostumei com seu corpo junto do meu e a acordar com o seu cabelo longo no meu rosto, seus grunhidos e sua maneira de bailarina de se espreguiçar erguendo a perna as uma altura assustadora. Até entrar no meu quarto ou mexer nas caixas.
Penso que entregar Plath para Nina agora não seja uma boa ideia, então coloco a carta no livro Hollywood, de Bukowski, que encontro em seguida e parto.

O Silêncio Entre Nós Onde as histórias ganham vida. Descobre agora