[05] Café da manhã.

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Acordo – novamente –  com alguns gritos mais altos que o habitual. A voz de Victoria ecoa por toda a casa, de tão alta que é. Não costumo acordar assim.
 
— Vamos, Adam! — Tori entra gritando — Você irá se atrasar para o colégio. — Sai e bate a porta.
 
Pego meu celular que está sobre o tapete no chão e olho a hora. Ainda são 06:30. Eu só tenho aula às 8:00.
 
— Ainda é muito cedo. —  Resmungo para mim mesmo.

— Agora mora longe da cidade. O colégio não é a duas quadras da sua casa. — Victória grita do corredor.
 
Procuro uma roupa quente qualquer entre as caixas de papelão e sigo até o pequeno banheiro que há no quarto.
Quando estou pronto, são 7:10. Eu irei me atrasar, obviamente. Eu sempre estou atrasado, chegando segundos antes do professor entrar na sala. E isso porque eu estudava perto da escola, agora será pior.

Por isso, desço o mais rápido possível para tomar café. Hoje há treino de futebol e o treinador fica irritado quando há reclamação dos professores sobre qualquer coisa, e por mais que as minhas notas sejam as melhores possíveis, ele sempre puxa minha orelha pelos atrasos.
Acho que só estou no time porque é algo bom para fazer e é bom me distrair diante as coisas ruins que acontecem comigo e com todos. Alivia a tensão, me garante vaga na faculdade e eu consigo ficar mais tempo com a Natalie.

Quando desço, todos estão à mesa. Meu pai está comendo um pedaço de bolo enquanto conversar com Tori sobre um novo projeto que eles estão organizando.
Nina está focada em um livro novo, diferente do de anteontem, enquanto come uma torrada com geleia. Sento-me ao lado de Cody, que afaga meu braço.

— Melhor colocar outro casaco. Está bastante frio hoje. — Meu tio diz.

— Nem tanto. E hoje eu ainda tenho treino.

— É só cuidado para não ficar doente. — Ele reforça.

Cody é muito cuidadoso comigo. Ele está sempre garantindo que as coisas estão bem e se eu preciso de alguma coisa. Ele cuida melhor de mim que o meu pai e se a minha mãe estivesse viva, eu torceria para que ela largasse o meu pai biológico idiota. Cody Collins é extraordinário e tomou conta de mim quando eu fiquei sozinho. Eu sou infinitamente grato, porque ele não tinha obrigação, ainda mais considerando a sua história com meus pais.
 
— Aliás, você irá se atrasar. — Ele diz.

— Não, é só eu ir rápido. — Pego uma maçã.
 
Nina se levanta da mesa com calma e fecha seu livro. Ela usa um vestido azul marinho até um pouco antes dos joelhos, meia-calça preta – talvez a mesma que usava no casamento –, um casaco também preto e seu tênis branco desgastado. Seu cabelo ondulado e longo está caído sobre seus ombros e usando seus óculos pretos cobrindo a visão direta para os lindos olhos verdes. Sua mochila é amarelo mostarda lisa.
 
— Até mais, querida. — Victória se levanta para beijar a testa de Nina. — Tome cuidado na estrada e boa aula. — Ela sorri e segura o rosto da filha com as mãos. — Eu te amo, Nina. Vai dar tudo certo hoje, eu prometo. Se acontecer alguma coisa, você pode me ligar. Sabe disso certo? Eu... Eu estou nervosa, mas vai dar tudo certo. Promete que vai...
 
— Eu te amo, mãe. Muito. — Ela sussurra, interrompendo Tori, que está quase surtando com a ideia de mandar Nina de volta para a escola.

— Você não quer mesmo que eu te leve? Podemos ir de bicicleta juntas. Eu preciso de exercícios, de qualquer jeito.

— Não. — Nina nega.

— Ok, tudo bem. Me avise quando chegar na escola e a Margot vai buscar você e a Anna.

Nina assente, beija o rosto de Tori, acena para nós e sai da cozinha. 

— Eu fico tão preocupada com a ideia de escola. Ela estava tão bem com as aulas em casa. E pior, ela quer ir sozinha, como vai pro ballet. — Victória suspira assim que ouve o barulho da porta bater.

— Ela já tem idade suficiente para ir para o colégio, amor. Ainda mais sozinha. Confie nela. — Meu tio assegura, mas Tori não dá ouvidos e permanece olhando pela janela.

— Confio na minha filha, só não nas outras pessoas. O mundo é mau e você sabe disso. — Ela esfrega as mãos nas calças, nervosa. — As pessoas a tratam mal e ela tenta fingir que não liga, mas eu sei bem como ela liga.
 
— Você irá ficar cheia de rugas antes da idade, de tanta preocupação. — Ele brinca, tomando seu café. — Tente não se preocupar tanto. Tudo ficará bem.

— Eles a chamam de esquisita, louca e coisas do tipo, Cody. Eu tenho vontade de... argh! — Tori bufa, irritada.

Lembro-me instantaneamente da Natalie dizendo que a Nina era estranha, bem como haviam dito a ela. Sinto-me desconfortável ao pensar não só a como ela se referiu, mas principalmente por eu não ter a repreendido sobre isso. Eu a deixei dizer aquela bobagem.
 
— Adolescentes são crueis, querida. Você era uma adolescente dessas.
 
— Mães invejosas de bailarinas sem talento e esforço também. Eu sei que fui uma péssima pessoa e isso deve ser um tipo de karma. Queria que fosse comigo, e não com ela.

— Bem, eu tenho que ir. Não posso em atrasar para as aulas do bimestre. — Levanto-me.
 
— Boa aula, querido. — Victória beija minha bochecha. — Juízo, heim? Tome cuidado e bom treino.
 
— Obrigado, Tori.
 
— Boa aula, filho. Se cuida. — Ele se levanta para me abraçar.

Meu tio nunca se despede sem me abraçar, porque tem medo de ser a última vez que me vê. Minha mãe partiu quando estavam brigados e Diana sempre abraçava as pessoas; ele não gostava. Agora nunca me deixa ir sem isso. Nunca.
 
 
Entro em meu carro e jogo minhas coisas no banco do passageiro. Ligo o rádio e uma boa música do Oasis toca. A clássica Stop Crying Your Heart Out é uma ótima forma de começar uma manhã de segunda. Qualquer manhã se torna melhor se começando com Oasis.

A estrada está molhada e eu irei me atrasar por estar tomando cuidado.
Avisto, de longe, uma pessoa com uma capa de chuva amarela em uma bicicleta verde no canto da estrada. Assim que meus olhos batem no tênis branco desgastado a pedalar a bicicleta, paro o carro.
 
Nina.
 
Abaixo o vidro de janela assim que ela para a bicicleta e abaixo o som que estava alto demais. O capuz é retirado da sua cabeça e ela olha para dentro do carro com olhos arregalados. Nina parece sempre estar muito assustada, ansiosa.

— Vai à escola de bicicleta? — Arqueio as sobrancelhas.
 
Nina assente freneticamente.
 
— Quer uma carona? — Sugiro, sorrindo.
 
Ela nega sem hesitar sobre a proposta. Talvez ela goste de pedalar ou seja a favor do meio ambiente. Não faço ideia.
 
— Ok. — Sorrio. — Te vejo na escola, Davis.
 
Ela assente e volta a pedalar sua bicicleta. É como se ela gostasse de coisas que ninguém gosta, como ler um livro em poucas horas, roupas demais e diferentes... ou ir para a escola de bicicleta na chuva quando sua mãe é rica e pode te comprar o carro foda de todos os da cidade para você pode chegar mais rápido, seca e sem esforço.

Volto a aumentar o volume do rádio e Oasis continua tocando. Eu já disse que Oasis é a melhor forma de se iniciar uma segunda-feira?

O Silêncio Entre Nós Onde as histórias ganham vida. Descobre agora