21 | Running.

6.5K 824 103
                                    

Eu sei que o recomendado para uma pessoa irada que dirige um carro em uma estrada úmida, é que seja precavido, mas eu não sei o que é isso neste momento, então eu dirijo à toda velocidade para a maldita casa no meio do nada e no meio de tudo.

Estaciono meu carro e não tenho tempo para trancá-lo ou limpar meu tênis sujo de terra. Depois eu limpo.
Sigo até o quarto da garota extremamente tímida que está a tirar toda a minha paciência por não perceber que nada é culpa dela. Nada.

Bato na porta pela primeira vez.
Bato na porta pela segunda vez.
Bato na porta pela terceira vez.
Bato na porta pela quarta vez.
Bato na porta pela quinta vez.
Bato na porta pela sexta vez.
Bato na porta pela sétima vez.
Bato na porta pela oitava vez.
Bato na porta pela nona vez.
Bato na porta pela décima vez.


Pareço o Sheldon Cooper.


"Nina, eu sei que você está aí. Eu quis te dar espaço durnate cinco dias. Mas eu quero ser seu amigo. Você pode ao menos me ouvir?" Digo, batendo na porta pela décima primeira vez. "Nina, por favor." Suspiro. "Eu gosto muito de você. Você é incrível. Me deixe entrar."


Agora, o som de uma música alta vem do quarto. É claro que ela vai aumentar o volume da música para não ouvir a minha voz. The Fray é melhor que eu implorando para poder falar com ela.


"Nina Davis!" Grito o mais alto que posso. Ela aumenta o volume ainda mais. Oh, é um jogo? Ok.


Afasto minha mão da porta e sigo o corredor em direção às escadas.


"Aonde vai?" Margot diz, com um sorriso no rosto.


"Ela vai me ouvir. Ela não tem escolha." Digo, andando até a porta da saída.


Vou até a parte da cada pelo lado de fora, onde sua janela é posta.

Nina gosta muito de flores e mesmo que à essa época do ano, nessa cidade, muitas delas estejam mortas, abaixo da dua janela há uma daquelas árvores que se adaptaram à casa e sobem sobem grande parte à sua janela, que forma uma escada muito agradável até a mesma. Eu sabia que haviam árvores ao redor da casa, mas isso é bem mais fácil e melhor. Subo por aquilo, que, sinceramente, eu não faço ideia sobre se há um nome específico - Nina deve saber -, e paro na sua varanda, conseguindo entrar. Mas a porta de vidro está trancada. Isso é muito bom. Ela abaixa o volume da música e olha para mim. Ela está com uma calça repleta de coelhos e um moletom cinza. Seu cabelo está preso no topo da sua cabeça e ela tem seus óculos em seu rosto e meias coloridas em seus pés. Ela está mordendo uma caneta de maneira desengonçada, mas fofa. Ela é fofa.


"Eu não vou sair daqui até você me deixar entrar." Digo. Ela ainda está olhando para mim.


Bato na porta de vidro. Ela permanece al, olhando-me. Suspiro, não conseguindo entendê-la bem. Por que ela não pode simplesmente me deixar entrar?


"Nina, por favor." Suspiro, entando-me sobre a madeira da varanda. Está frio pra caralho, hoje.


Ela abaixa a cabeça, hesitante. Quando ela caminha até a porta, na grande esperança da garota idiota abrí-la para mim, ela fecha a cortina.


"Você está me zoando?" Arregalo os olhos. "Eu juro que eu vou ficar aqui até você falar comigo." Semicerro os olhos, batendo contra o vidro novamente.


Consigo ouvir um soluço baixo. Ela está chorando e eu entro em desespero. O mais singelo desespero.


"Nina. Nina, por favor, deixe-me entrar. Eu quero conversar com você. Não chore, por favor." Eu imploro.


Nada.


Encosto minhas costas na sacada e bufo, balançando a cabeça. De qualquer forma, nem que eu tenha que morar aqui para que ela me ouça. Ela não precisa dizer nada. Eu não quero que ela chore e nem que se afaste das pessoas. Ela não pode e não deve ficar sozinha. Ela é uma boa pessoa e boas pessoas merecem mais que o que ela está tendo. Eu quero que ela tenha mais. Ela é mais. Afinal de contas, Nina é, sem dúvidas, uma bagunça. Uma completa, perigosa, magestosa e intrigante, bagunça. Mas ela é A Bagunça. Ela é a minha bagunça. A bagunça que eu não me importo de ser bagunça e gostaria de arrumar, ou simplesmente contemplar como uma grande e boa bagunça. Tem gente que gosta de bagunças; sou uma delas.



Abro meus olhos com a luz do Sol forte contra meus olhos. Três cobertores estão sobre mim e um travesseiro por debaixo da minha cabeça. Por que não acordei quando ela abriu a porta? Ela me cobriu? Por que ela não me deixou entrar? Que horas são? Eu nem sei quando eu dormi.


Ouço um barulho vindo da entrada de casa e vejo Nina pegar a sua bicicleta, segurando uma panqueca em uma das mãos. Ela arruma o cabelo e olha para cima . Assim que ela olha para mim, seus olhos verdes se arregalam e ela sobe na bicicleta imediatamente, põe o pedaço de panqueca inteiro na boca e pedala o mais rápido possível. Tento descer pelos galhos e caio, mas ainda dá tempo de correr atrás dela pela estrada, mesmo que ela tenha boas pernas para pedalar a bicicleta com empenho.


"Nina, eu jogo lacrosse. O que eu mais faço é correr. Desista de fugir de mim." Grito, correndo atrás da bicicleta. "Caralho, Nina!" Grito, em meio ao barulho das folhas, pássaros e meus pés contra o chão. "Eu vou ter mesmo que correr até o colégio pra conseguir falar com você?" Digo, ainda correndo. "Eu juro que se você me ouvir e mesmo assim não quiser falar comigo, eu te deixo em paz." Digo. Ela para a bicicleta e eu acabo passando-a por não conseguir me freiar. Volto um pouco e paro para respirar fundo. O ar frio deteriorou minha garganta e agora está doendo.


"Olha," Digo, ofegante. "Você é uma garota incrível." Tento dizer e ela põe os pés no pedal para pedalar de novo, mas eu seguro o guidão. "Não. Você vai me ouvir." Afirmo e passo a mão em meu rosto suado. "Você é uma garota incrível. Você é inteligente, e gentil, é doce, é legal, é bonita, tem bom gosto. Você pode simplesmente enxergar isso e ter um pouco de autoestima? Eu sei que você tem depressão. Eu aprendi sobre isso. Eu sei o que é não conseguir superar a morte de alguém que você ama. Eu sei o que é ter que afastar as pessoas que se aproximam, por medo de gostar delas, e você ter que sentir a mesma dor de novo, caso elas vão embora. Mas eu não vou embora. Eu vou ficar aqui. Eu quero ficar aqui. Você não pode se afastar das pessoas por pedo. O medo é uma ilusão; o medo te tira de uma possibilidade, Nina. Mas a possibilidade e infinitamente abrangente. Você pode se dar bem e pode se dar mal. Mas você não pode saber. Você acha que se dá bem se privando de tudo? A vida e feita de erros e nós temos que errar, que perder, que cair. Nós não vamos ganhar sempre e aprendemos isso. Nós não temos que nos parar de tentar, só nos conformarmos que não vamos ganhar sempre. O medo só te faz perder, porque se você não tenta, você se priva da possibilidade de ganhar algo. Você pode ganhar um amigo. Eu sei que pode não parecer a melhor coisa do mundo, mas ninguém gosta de ficar sozinho sempre. Eu sei que dói em você. Doía em mim. Acredite, eu também sei o que é a dor. Eu ainda não superei que a minha mãe morreu, mas eu aceitei. Ela não vai voltar se eu ficar me lamentando e chorando e me afastando de quem quer me ajudar. Eu deixei as pessoas entrarem e eu estaria mentindo se dissesse que não me decepcionei. Mas olhe para mim: Eu sou feliz. Eu tenho amigos, uma família que me ama, uma namorada legal. Uma meia-irmã um pouco esquisita, mas amável." Digo e ela sorri. Ela está chorando, então limpo suas lágrimas. "Eu sei que você é de humanas, mas a dor se torna mais leve, quando a gente tem alguém para dividir. Se afastar, só a soma, a multiplica. Eu sei que você acha que está fazendo algo bom para si mesma, que a bolha que você tem ao seu redor parece reconfortante, mas, lá no fundo, eu sei que você sabe que é mentira. Você tem medo do que pode acontecer quando você sair do seu quarto, mas eu juro que se algo te fizer mal, eu não vou deixar por isso mesmo. Eu juro, Nina. As decepções e as dores são um efeito colateral da vida."


"Não quero estar viva." Ela sussurra.


"Mas ainda está aqui." Digo, acariciando seu rosto. "Você quer estar viva, mas não quer estar viva. Você pensa que eu acho que não faz sentido, mas eu sei que faz. Você não merece a dor, mas ninguém merece. Não somos especiais. Mas eu te garanto que quando você percebe que a vida é mais que se lamentar sobre o passado, as coisas andam. Acredite em mim." Digo e ela olha para os seus pés. "Você não me incomoda. Você não faz nada demais. O que você ouviu, não é nada. Nós somos amigos, certo? Você não pode acreditar que incomoda as pessoas até elas te dizerem que você faz isso. Eu não disse, então pare de ser boba. Eu quero ser seu amigo e você não tem escolha. Sou insistente." Digo e ela sorri. "Você gosta de mim, não gosta? Não sou de todo, mau. Você me cobriu, me deu um travesseiro, mesmo que tenha me deixado do lado de fora. Você abriu a porta, mesmo no risco de eu acordar e te forçar a falar comigo. Eu subi por aquelas coisas na sua janela e dormi na sua varanda. Ainda caí quando desci e corri até aqui. Eu quero mesmo ser seu amigo." Ela ri. "Eu sei que você tem medo, mas não pode fazer dele o seu melhor amigo. Você tem pessoas que te amam e te querem bem. Você não só se machuca, mas machuca as pessoas ao seu redor. Posso tentar? Sabe, tentar te ajudar. De verdade."


Ela hesita, de cabeça baixa. Nina suspira e me olha por um bom tempo. Um bom tempo que nós fará chegar atrasados no colégio, mas eu não ligo.
A garota semicerra os olhos e comprime os lábios. Sorrio.


"Ten-tentar." Ela gagueja e eu sorrio. Ela faz um gesto, indicando que tem que ir e eu assinto. Beijo sua testa e ela pedala o caminho de volta.


Faço a minha estranha dança da vitória, mas quando ela olha para trás, ajo normalmente e aceno.
Volto correndo para casa, mais feliz que nunca. Um alívio percorre todo o meu corpo e eu me sinto defintivamente mais leve. Eu não sei bem o porquê disso ser tão importante para mim. Eu gosto de ajudar as pessoas, mas com ela, é diferente. Eu não sei explicar, só sei que a quero bem. Mais que qualquer coisa, no momento.

Entro em casa, para poder tomar banho e fazer todas essas coisas.


"Acho que deu certo." Meu pai diz e tomo um susto com o comentário súbito.


"O quê?" Franzo o cenho.


"Bem, se você está sorrindo, é porque algo muito bom aconteceu, como a Nina te deixar entrar na vida dela." Ele sorri e bebe um pouco da sua xícara de café.


"Isso deixa qualquer pessoa explodindo de alegria." A voz de Victória invade a sala, assim que ela entra e para ao lado do meu pai.


"Não sei se você está sendo irônica." Semicerros os olhos. Agora eu pareço mesmo o Sheldon. Talvez eu deva estudar a Teoria Das Cordas.


"Você deve ter usado um argumento incrível. Você está sorrindo igual a um idiota." Meu pai gargalha.


"Depois de dormir na varanda, acho que mereço ao menos uma chance." Dou os ombros.


"Eu acabei deixando os gatinhos sairem e quando fui pegá-los eu a vi te cobrir." Tori molha os lábios com a língua e volta a sorrir.


"Ela é gentil." Digo, subindo as escadas.


"Já deram nomes aos gatos?" Meu pai pergunta.


"Acho que ela já deu, mas eu não sei."

O Silêncio Entre Nós Onde as histórias ganham vida. Descobre agora