[04] Palavras.

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Acordo subitamente com um alto som estridente ecoando pela casa. É um som nítido de panelas batendo contra o chão, vindo diretamente do andar de baixo. Respiro fundo e esfrego as costas das mãos sobre meus olhos sonolentos.
Levanto-me com calma e corro até a cozinha, coçando a cabeça e jogando meu cabelo ondulado para trás. Nina está com os olhos verdes arregalados no escuros, com as respiração perigosamente rápida, tentando apanhar as panelas caídas no chão, mas deixando-as cair novamente por conta do nervosismo desnecessário, provavelmente medo de acordar alguém. Agacho-me e pego algumas das panelas com calma, pondo-as sobre a ilha da cozinha.
 
— Está tudo bem? — Questiono com calma, sentando-me ao seu lado.
 
Nina só assente, respirando fundo com mais calma e encostando a cabeça contra a porta de madeira do armário debaixo da pia atrás dela.
 
— Você está com fome? Por isso está aqui? — Ponho o restante das panelas sobre a pia.

— Água. —  É a única coisa que ela diz.
   
Sua voz é baixa e serena. Pelo o que sei, Nina é britânica, possui um forte sotaque que a acrescenta bem. Não é como o sotaque moirês, é mais forte.
Levanto-me e vou até a geladeira para pegar água para ela.
 
— Sabe que horas são? — Indago assim que ponho a jarra de vidro sobre a pia de mármore branco. Bocejo.
 
Nina dá os ombros e se senta no banco alto de madeira que há em frente à bancada. Escorrego o copo sobre a ilha para chegar até ela e Davis se estica para pegá-lo quando ele para no meio do caminho.
 
— Obrigada. — Murmura ela, fitando o copo.
 
Ok, duas palavras. Duas palavras são bastante coisa. Dizem muito. Na verdade, eu aprendi que o silêncio diz muito e se ela se sente mais confortável assim, isso é bom. No final das contas, sei como foi perder minha mãe e foi a pior coisa que aconteceu comigo e como eu mudei depois disso. Ela deve sofrer com isso e reprimir os sentimentos é a última coisa que se deve fazer quando o que você precisa é jogar tudo para fora, mas mesmo assim, não a julgo. Deve ser difícil viver diante de transtornos psicológicos, um trauma que é recente e querendo falar quando talvez ninguém está realmente disposto a ouvir.

— Você pode ir dormir, se quiser. Eu posso arrumar isso para você. Não estou com sono, de qualquer forma.— Sugiro — Deve ser tarde. Amanhã é seu primeiro dia na minha escola, certo? Aposto que irá gostar. — Digo ao guardar a garrafa d'água na geladeira. — Tenho certeza que vai... — Volto a dizer e viro, mas paro quando vejo que a silhueta pequena desapareceu do escuro.
 
Guardo as panelas antes de voltar para o meu quarto e tentar dormir. Era suposto eu arrumar minhas coisas em meu quarto, porém eu estou com preguiça, então conviverei com essas caixas por mais algum tempo até tomar coragem de organizar tudo. Até lá ficarão nos cantos e dentro do armário. Não preciso tanto do que está dentro delas.
 
Deito-me e permaneço encarando o teto por pelo menos vinte minutos na penumbra, pensando sobre a volta às aulas, o futebol, a festa de aniversário da Natalie que será em breve e a está fazendo surtar e, agora, Nina Davis. Agora Nina Davis está tomando grande parte da minha mente. Meus pensamentos mais constantes se estendem em com o passar do tempo, e adicionar uma nova garota a essa lista, como uma amiga em potencial, é bom. Alivia o estresse de todo o restante envolvendo a escola e, as vezes, até a Nat. Não tenho a vida mais agitada, só escola, estudar para entrar em uma boa universidade, como a Universidade de Verisya, onde a minha mãe se formou, jogar futebol, tentar passar um tempo com a Natalie quando ela está livre e ver meus amigos, as vezes. Parece idiota falar dessa forma, como se me interessar por Nina Davis fosse por tédio, mas a verdade é que não é todo dia que você conhece alguém que perdeu uma pessoa importante da mesma forma que você perdeu uma pessoa importante. Não me parece acaso.

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