97 - Olhos Tristes

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Se para o flanco direito da montanha em que se erguia Asgard ficavam as cavernas de magma e o bonito vale de casarões daqueles que outrora eram donos de muitas posses, o flanco esquerdo da subida guardava um templo arruinado e abandonado à sorte da neve. Colunas tombadas, tetos colapsados, mas um piso de pedras antigas ainda guardava os bonitos mosaicos que recontavam a antiga história das entidades divinas ou montanhescas que ali frequentavam e eram adoradas.

Um templo abandonado, pois a fome e a miséria do povo de Asgard o afastou dos pedidos mais longínquos aos Deuses que, àquela altura, pareciam mesmo tê-los abandonado à própria sorte. Mas se o templo arruinado por vezes era habitado apenas pelos animais selvagens das montanhas, onde ouvia-se tão somente o silvo do vento carregando a neve, naquela tarde fatídica, suas colunas antigas ecoavam o mais brilhante som de violino que podia ser ouvido por toda Europa.

Um lamento profundo e ardido tocado com leveza e calma em um andamento grave, embora o instrumento lamentasse de forma brilhante e aguda. Era um réquiem capaz de suspender até mesmo o vôo dos pássaros, incapazes de voar, tomados por profunda tristeza. Mime era o violinista de Asgard, jovem rapaz de trágica história em seu passado que diziam na cidade-baixa ter se vingado do próprio pai, matando-o a sangue frio. Um parricida isolado, mas também muito respeitado e temido; antes mesmo de tornar-se Guerreiro Deus sob o perdão de Hilda, Mime era já conhecido como um dos grandes guerreiros da região.

Foi justamente ele e essa música triste que Shun de Andrômeda encontrou. Suas Correntes, sempre tão sensíveis às ameaças ao seu redor, sequer notavam a presença de qualquer pessoa naquela ruína, embora Shun já o pudesse ver trajando uma armadura maravilhosa, de metais carmesins e brilhantes, que era sua Robe Divina. Mas as Correntes pareciam encantadas tais quais os pássaros que entristeciam nas árvores; a música, bem sentia profundamente Shun, era mesmo belíssima e encantadora, embora terrivelmente triste. Era o mesmo violinista que o havia escoltado pacificamente até o Palácio Valhalla, onde fora feito prisioneiro no início da manhã.

— Fico contente de que tenha gostado de minha música, Andrômeda. — falou a voz grave de Mime em língua-comum, como se lesse os pensamentos do garoto.

Ele sentado em um balcão de pedra, encostado à uma coluna, os olhos fechados enquanto o braço do arco do violino passeava solenemente nas cerdas do instrumento, produzindo o mais maravilhoso trinado do norte.

— Nos encontramos novamente. — pontuou o garoto antes de se apresentar. — Eu sou Shun de Andrômeda. Quem é você, afinal de contas?

— A estrela Eta, Mime de Benetnasch. — falou o rapaz, sem abrir os olhos ou deixar de tocar seu violino. — E este é um Réquiem feito para você.

Shun apurou-se em guarda e observou melhor aquele seu oponente, que assim como antes tinha a face pacífica, a voz calma e muito grave.

— Veio suplicar por misericórdia novamente? — perguntou ele, lembrando-se do primeiro encontro na praça central da cidade-baixa. — Você não gosta de lutar, não é mesmo? Mas eu lhe darei um bom conselho: o seu coração mole provocará irremediavelmente a sua morte.

— Agradeço o conselho, Mime, mas a minha missão aqui é selar Poseidon em sua Relíquia do Mar. — respondeu Shun, decidido. — Você acreditou em mim antes e me levou até o Palácio Valhalla; peço que me ajude novamente.

Mime finalmente parou o arco e olhou pela primeira vez para Shun, como se o medisse dos pés à cabeça.

— Não fiz nada além de levá-lo à prisão, Andrômeda. — lembrou Mime. — Sou um Guerreiro Deus que serve à Hilda de Polaris. E somente a ela devo minha lealdade.

— Escute, Mime de Benetnasch. — começou Shun. — Tudo que queremos é selar a Relíquia do Mar de modo que Poseidon volte a dormir no Oceano. Nada mais além disso.

Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda de SeiyaWhere stories live. Discover now