Os Cavaleiros do Zodíaco: A L...

By BrunoMasei

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Reimaginação da história de Seiya de Pégaso, escrito e narrado com alterações na história. Arte da Capa: Tiag... More

1 - Seiya
2 - As Lendas de Uma Nova Era
3 - A Guerra Galática
4 - Um Dia Incomum
5 - O Cosmo da Amizade
6 - AXIA
7 - Os Cavaleiros Negros
8 - Jovens de Sangue Quente
9 - O Cemitério de Armaduras
10 - A Silhueta na Névoa
11 - O Terror da Morte Negra
12 - Algo Para Acreditar
13 - Aquela que Viu o Inferno
14 - Para Sempre
15 - A Noite Sem Fim
16 - À Luta Novamente
17 - A Ilha da Caveira
18 - O Castelo de Ilusões
19 - A Armadura de Ouro
20 - Aos Mestres Com Carinho
21 - Hyoga, o Cavaleiro de Cisne
22 - Chamas
23 - Para Sempre II
24 - Tarde de Paz
25 - Os Cavaleiros de Prata
26 - Atena
27 - Missão Distante
28 - Melancias e Sementes
29 - Sob Estrelas Malignas
30 - Deuses e Crianças
31 - O Sacrifício do Dragão
32 - A Deusa da Dor
33 - Salto de Fé
34 - Labirintos da Mente
35 - Um Conto Chinês
36 - O Coração de Atena
37 - O Tigre e o Dragão
38 - A Força do Ódio
39 - O Milagre Ao Lado de Atena
40 - As Armaduras de Ouro
41 - Fúria
42 - Sétimo Sentido! A Essência do Cosmo
43 - Grande Chifre! O Touro de Ouro
44 - Luz e Trevas
45 - O Cavaleiro de Gêmeos
46 - Outras Dimensões
47 - O Abandono dos Sentimentos
48 - Outra Vez Ao Covil Da Minha Solidão
49 - A Cólera do Dragão
50 - As Vozes das Montanhas
51 - O Gigante Guerreiro
52 - O Demônio da Ilha Canon
53 - O Ciclo das Seis Existências
54 - Shaka Abre os Olhos
55 - A Batalha de Mil Dias
56 - A Casa de Libra
57 - Rendição ou Morte
58 - A Triste Noite
59 - O Rugido do Leão
60 - O Zero Absoluto
61 - Doce Aroma da Morte
62 - O Homem Por Trás da Máscara
63 - O Outro Lado da Máscara
64 - Desmascarado
65 - Saga
66 - As Doze Horas de Saori
67 - A Luz de Atena
68 - Epílogo
69 - Vida Que Segue
70 - O Prisioneiro
71 - Saori Kido
72 - Uma Vida Normal
73 - O Selo dos Mares
74 - O Esperança de Atena
75 - Convocações
76 - A Ilha dos Pequenos
77 - A Primeira Relíquia
78 - O Pomo do Éden
79 - Noite no Santuário
80 - O Esperança do Amanhã
81 - A Relíquia Entre os Homens
82 - Tempo de Nudez
83 - Presentes! Um Capitão Generoso
84 - Juízo dos Monstros-do-Mar
85 - O Coração de Tangaroa
86 - Reunião de Conselho
88 - O Tesouro dos Tesouros
89 - Vultos Misteriosos
90 - A Fome Eterna
91 - Asgard, o Reino do Norte
A Princesa Aprisionada
93 - Um Guerreiro Deus Familiar
94 - A Estelar Safira de Odin
95 - A Batalha Mortal de Freia
96 - Um Segredo na Neve
97 - Olhos Tristes
98 - Réquiem de Cordas
99 - As Garras do Trovão
100 - Os Tesouros de Ametista
101 - Cartas do Norte
102 - Ametistas Amaldiçoadas
103 - O Tigre Negro de Valhalla
104 - O Tigre das Sombras
105 - O PALÁCIO VALHALLA
106 - No Coração de Asgard
107 - O Dragão do Norte
108 - Contos de Asgard
109 - Esperança e Imortalidade
110 - O Emissário das Profundezas
111 - A Espada Balmung
Um Conto de Amor e Mar [História Lateral]

87 - Os Subalternos

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By BrunoMasei

"Diário de bordo, suplemento. Quem fala é o Capitão Meko Kaire do Galeão de Atena e, por meio deste registro, informo que a regulamentação para tocadores de música está revogada em meu navio, de modo que a alferes-engenheira Lunara pode escutar suas músicas antes de dormir. A não ser, é claro, que minha imediata se oponha."

Lunara escutava repetidamente a última gravação do Capitão Meko Kaire em seu gravador pessoal sempre que encerrava seu turno, como se para relembrar de como ele achava que ela fazia um grande trabalho. Era algo que a deixava um pouco triste de saudade, mas também a fazia rir brevemente das bobagens e principalmente da Imediata Geist super nervosa na gravação.

Ela não era a única triste naquele navio.

O clima era fúnebre por todo o Galeão sob o comando de Geist, que também experimentava uma certa apatia ao ocupar a cadeira de seu antigo Capitão, um homem tão energético e adorado pelos tripulantes. Certa noite, finalizado o turno do dia, foram todos surpreendidos no convés pelo violão triste que Seiya tocava sentado no castelo de proa, cantarolando melodias morosas. O violão que havia sido um presente do próprio Capitão e Seiya o tocava de maneira muito delicada e triste; logo ele, sempre tão alegre e confiante, ultimamente parecia mergulhado no luto.

Mesmo o Oceano Pacífico parecia fazer jus ao nome e nem por um dia sequer acossou o navio com suas armadilhas, seus tufões ou suas sereias; navegaram dias e dias em uma enorme calmaria, como se o próprio oceano estivesse em luto pela perda de um marujo tão enorme. De alguém que havia respeitado os Mares e se apaixonado pelas águas.

A tripulação funcionava perfeitamente, cada qual à sua função, e não havia qualquer animosidade contra a Capitã Geist, e ela sabia melhor do que se ressentir à frieza com que todos respondiam às suas ordens. June foi alçada à condição de imediata e a alertava sobre a moral da tripulação apenas para cumprir também com sua função de auxiliar-médica, pois na verdade sabia que não havia muito o que ser feito, pois apenas o tempo poderia amenizar a dor.

Tudo que tinham a fazer era seguir com a missão do Galeão: havia ainda três Relíquias para serem seladas e eles cumpririam com aquela missão pelo Capitão Meko Kaire. E por Atena, é claro.

O Galeão deixou a Polinésia do Pacífico Sul e desceu perto do continente Antártico para atravessar a Terra de Fogo ao sul da América mais distante para desaguar finalmente no Atlântico Sul, por onde deveriam subir quase toda a costa brasileira, pois constava na Carta Náutica de Nicol que, de modo misterioso, a Relíquia do Mar estava no coração da Amazônia.

Ao entardecer de mais um dia calmo no Galeão, Seiya e Lunara já preparavam-se para encerrar seu turno para dormirem mais uma noite triste sem o Capitão Kaire. June, na condição de imediata, soprou um apito grave para anunciar o primeiro sinal, que era para acordar quem não havia acordado para ocupar o turno da noite, como era de costume. Na cantina do convés inferior, três marujos sentados ouviram o primeiro sinal e olharam para a escada ao mesmo tempo.

E então encararam-se, cada qual com seu próprio rosto cansado.

— O final do dia é um dia que se acaba. — disse o primeiro, Tales era seu nome.

— Não para nós. — comentou Téo ao seu lado.

Eram dois homens mais velhos, de barbas mal feitas; o primeiro era mais parrudo, enquanto o segundo era tão mirrado e alto que andava um pouco curvado. Na mesa sentou-se uma mulher de pernas fortes, mas de mãos delicadas; o cabelo preso em um coque. Ela trazia três canecas de chá amargo para eles.

— Ouviu algo, Ofélia? — perguntou Tales, o parrudo.

— Parece que o grupo de Elias não encontrou nada. Eles partiram com um dos garotos, mas não acharam o caminho nas matas e tiveram de retornar, porque já estava escurecendo.

Tales chacoalhou a cabeça, em clara discordância.

— Eles são novos demais para comandar esse navio. — falou Tales com o indicador na mesa.

— O Capitão Kaire confiava neles. — pontuou Téo.

— Eu também confio neles. — adicionou Tales rapidamente. — Mas comandar um navio é diferente. O Capitão Kaire conhecia o mar, era um marinheiro navegado.

— A Capitã Geist é uma respeitada navegante do Caribe. — pontuou Ofélia.

— Ela é uma grande marinheira, mas aquele é um mar de corsários. — falou Tales, cuspindo no chão.

— O que está dizendo? Quer iniciar um motim? — perguntou a mulher, mais duramente.

Tales tomou do seu chá terrível e chacoalhou a cabeça.

— Sabe que não. Não sou esse tipo de homem. — e então olhou mais duramente para ela, apontando para Téo ao seu lado. — Mas você é a alferes de June, sabe que a moral da tripulação está arrasada. Não há nada pior para um navio do que perder seu Capitão.

— Foi uma tragédia.

— Continua sendo uma tragédia. — dobrou ele. — Estamos há três dias atracados nesse fim-de-mundo sem qualquer perspectiva de encontrar a Relíquia do Mar. Você sabe do que eu estou falando.

— June está ciente dos problemas com a tripulação. — comentou Ofélia.

— Eu colocaria minha vida em risco por esses garotos, mas eles são jovens demais para comandar esse navio.

— É por isso que devemos ajudá-los. — falou Téo, finalmente atraindo os olhos dos dois.

Ofélia assentiu a Téo, mas Tales parecia ainda muito macambúzio debaixo de sua barba. Ele deixou escapar um certo riso.

— Diabo, quando penso melhor, até mesmo o Capitão Kaire era jovem. Jovem demais para morrer. — e bebeu do chá amargo, desejando que fosse uma caneca de rum.

Téo e Ofélia também olharam para suas canecas escuras no sacolejar do navio; não ousaram vocalizar, mas sentiam que talvez aquela ansiedade de Tales fosse muito mais pela perda do Capitão Kaire do que pelos garotos que agora comandavam o navio. Ele era o alferes de comando e, por isso, trabalhava mais proximamente ao Capitão a quem estimava por demais.

Naquele momento de luto na mesa da cantina, os três notaram que desciam pelas escadas justamente Geist e June para a cantina, fazendo com que os três se levantassem imediatamente.

— À vontade, marujos. — falou Geist, passando por eles e sentando-se na terceira mesa do Galeão, um pouco mais afastada.

Eles voltaram a se sentar, pois ainda tinham parte do tempo antes da troca final do turno. Ofélia e Téo entreolharam-se, enquanto Tales continuava perdido na borra de seu chá, procurando sentido na aleatoriedade do fundo de sua caneca para aquela perda tão sentida entre eles. Téo ousou olhar para trás, na direção de June e Geist, que conversavam silenciosas, mas de forma preocupadas.

— Você parece um pouco ansioso. — falou Ofélia para Téo, enquanto ele tomou mais um gole de seu chá quente.

— Quanto mais tempo passamos aqui, menos tempo temos para cumprir nossa missão.

— Nossa missão. — repetiu Tales, descontente. — Nossa missão começou a ruir quando o Capitão se foi.

— Não fale assim. — alertou Ofélia.

Téo então pediu com as mãos que falassem mais baixo, pois podiam escutar resquícios da voz de June e Geist conversando na outra mesa.

— Não é recomendável ficar tentando ouvir a conversa dos outros. — alertou Ofélia para ele — Muito menos da Capitã e da Imediata.

— Você falou que não encontraram nada na mata? — perguntou Téo para ela, finalmente.

— Sim. Eu ouvi que eles acabaram de voltar e infelizmente não encontraram nada. Acho que vamos ficar por aqui mais um tempo.

— Achei que não fosse de bom tom escutar a conversa dos outros. — pontuou Tales.

— Ah, era o Elias e os outros. — justificou ela. — Para de olhar pra elas.

Téo voltou sua atenção para a mesa em que os três estavam sentados.

— Por que está tão ansioso? — perguntou ela.

— Eu acho que tenho uma ideia. — falou ele, e saltaram os olhos de Ofélia, muito curiosa.

— Hmm, conta. — pediu ela, e mesmo Tales aprumou-se para ouvir.

— Não. Vou procurar a Lunara primeiro para ver se é possível o que estou pensando.

Tales abanou a cabeça, desapontado.

— Que mistério desnecessário. — comentou Tales.

— Vai procurar a Lunara. — debochou Ofélia, tomando seu chá amargo. — Um marmanjo desse. Conta pra gente, como é ser subalterno de uma criança, Téo?

— Não fale assim da Lunara. — corrigiu ele. — Ela pode ser uma criança, mas ela é brilhante. Eu já volto, quero encontrá-la antes que ela encerre o turno dela.

E o rapaz levantou-se da mesa e subiu as escadas do convés deixando Ofélia e Tales sozinhos, enquanto June e Geist ainda conversavam enquanto comiam em uma mesa distante.

— Ela parece um pouco insegura. — comentou Ofélia.

— Como sabe? A imediata Geist esconde bem seus sentimentos, eu nunca consigo ler suas expressões.

— Capitã Geist. — corrigiu Ofélia. — E eu sou boa nisso. E sei também que você anda um tanto injuriado.

Ele não respondeu, mas sua face crispou-se levemente debaixo da barba escura.

— É normal, Tales. Você é alferes do tombadilho e eu sei como você estimava o Capitão Kaire. — falou Ofélia. — Não é errado ficar triste.

Tales ficou em silêncio.

— Foi uma tragédia. — falou ela para o vazio. — É normal estarmos ainda em luto. Todos estamos. June está muito preocupada com o estado emocional de toda a tripulação.

— Olha quem voltou. — anunciou Tales, estóico e mudando de assunto.

Ofélia olhou para trás e viu Lunara aproximar-se deles com Téo atrás dela. Sentaram-se.

— Oi, Luna. — começou Ofélia, simpática com a pequena, que tirou os fones do ouvido e sorriu amarelo para eles.

— E aí, gente, como foi o turno de vocês?

— Cheio de monstros. — falou Ofélia.

— Mentirosa. — brincou Lunara de volta.

— Escuta, Lunara. Eu tenho uma ideia, mas você não pode me chamar de louco. — falou Téo.

— Hm, já gostei. — falou ela, aprumando-se para ouvir junto aos demais marujos.

Na outra mesa, June e Geist despediram-se, cada qual para seu canto, enquanto Lunara, Tales e Ofélia escutaram a louca ideia de Téo.

Geist estava sentada na enorme cadeira do Capitão, afinal de contas ela foi feita às medidas de Meko Kaire, pois nem se imaginava que perderiam qualquer um da tripulação, muito menos seu estimado capitão. E toda vez que sentava-se, seu desconforto era uma memória viva de que ela, na condição de imediata, havia perdido seu Capitão. Algo imperdoável para alguém de seu cargo.

Sozinha permitia-se entristecer, mas a Capitã do Galeão de Atena raramente estava sozinha ou tinha algum tempo para se deixar levar pelas ondas do mar de seu peito. Sua companhia naquele começo de noite era o diário de bordo; folheou as páginas anteriores, relendo alguns trechos do Capitão Meko Kaire para que pudesse fazer sua primeira entrada seguindo um certo padrão.

— Diário de bordo...

Repetiu ela, enquanto escrevia as primeiras linhas. Do lado de fora, ouvia-se a troca de turno no convés, os apitos e passos na madeira do galeão; mar adentro ouvia-se sempre as ondas que batiam ora ou outra contra o casco do navio. Algum pássaro que ousava voar distante do litoral para cantar em suas cabeças. E as cordas tristes do violão de Seiya no castelo de proa. Ser Capitão de um galeão era precisar estar atento a todos os detalhes, e por isso não havia paz.

A porta de sua cabine, sempre destrancada, abriu-se outra vez e ela levantou os olhos para receber June, que entrava sozinha no recinto no exato momento que Geist finalizava sua entrada no diário de bordo; ela levantou o rosto quando June apresentou-se e pediu que se sentasse.

— Lunara me disse que um dos marujos tem uma ideia louca.

— Uma ideia louca? — perguntou Geist, confusa.

— Também não gosto de ideias loucas, mas já estamos tempo demais aqui sem saber o que fazer. Quem sabe não é uma saída?

— Certo, chame o tal marujo.

— Téo. — falou June antes de sair. — Seu nome é Téo.

A Capitã assentiu e voltou a olhar para seu relatório, um pouco indecisa. Geist assinou a entrada do diário com seu nome, mas então riscou-o em favor de uma última frase. Não demorou muito e June retornou com Lunara e um marujo muito sem jeito: Téo, o rapaz ansioso cheio de ideias. Sentaram-se todos à mesa e Geist tomou a palavra.

— Diga-me, Téo. Ouvi dizer que teve uma ideia louca. — começou ela, adicionando um certo tom de jocosidade.

— Perdoe-me, capitã. — começou ele. — Foi algo que pensei nesses dias que estamos aqui atracados. Ouvimos dizer que o último grupo de expedição com Seiya não pôde embrenhar-se na mata, pois ela está muito densa; Elias nos contou que era impossível seguir adiante.

— Vejo que as histórias neste navio espalham-se mais rápido do que nós imaginávamos, capitã. — pontuou June ao lado deles.

— Assim é melhor. — falou Geist.

— A ideia é boa, Capitã Geist. — falou Lunara, um pouco animada. — Vamos, fale logo.

— Eu pensei em usarmos o cristal de oricalco e...

— Voarmos para ver se encontramos a civilização por cima. — ponderou Geist. — Já pensei sobre isso, mas como você mesmo relatou, o grupo de Seiya descreveu o lugar como uma mata extremamente densa e fechada, não creio que teremos qualquer sucesso.

Téo olhou para ela e para Lunara, que o encorajou, e então novamente para sua Capitã.

— Não pensei em voarmos, mas em usar o cristal de oricalco para navegarmos por debaixo do rio. Talvez o caminho esteja adiante, mas por dentro do rio.

Geist e June olharam-se, confusas com a engenhosidade do plano, e então imediatamente olharam para Lunara.

— Isso é possível?

— O cristal de oricalco faz com que a gente voe, talvez se eu alterar alguns parâmetros ao redor dele e manipular as arrodilhas do leme para forçar uma descida ao invés da subida... Acho que podemos pelo menos tentar.

— Como na ilha do Capitão Kaire. — falou Geist.

— Sim, eles tinham canoas especiais que navegavam por debaixo da água.

— Está querendo afundar esse navio, marujo Téo?

O homem era mais velho do que Geist, mas ainda assim a presença da Cavaleira de Argo era imponente à sua maneira e ele engoliu em seco antes de concordar apenas com a cabeça.

— Certo, vamos tentar. — falou ela. — Perdoe-me, Lunara, mas sua folga foi cancelada. Comece a trabalhar nisso imediatamente. Excelente ideia, Téo, trabalhe com Lunara nos ajustes que for preciso. June, arranque aquele violão de Seiya e cancele seu descanso, pois eu preciso dele no leme assim que isso estiver pronto. Excelente trabalho, Téo e Lunara. Confio em vocês.

Era a injeção de ânimo que aquela tripulação precisava; Lunara e Téo saíram animados com suas novas tarefas e June deixou escapar uma expressão surpresa e contente antes de sair. Geist olhou uma última vez para aquela primeira entrada. Sua última frase parecia perdida, mas agora talvez ela também soubesse o que fazer, graças à sua tripulação.

"Diário de bordo, dia trinta e sete de viagem. Após navegar à margem da costa brasileira, tomamos a foz do rio Amazonas, próximo à baía de Santa Rosa, e navegamos pelo maior rio de água doce que eu já vi no mundo. Um navegante desavisado o confundiria com o oceano ao ser deixado à deriva, pois há certos pontos do rio em que sequer é possível ver suas margens. Navegamos até uma grande cidade, onde tomamos o que os locais chamam de Rio de Leite, a partir do Encontro das Águas. Seguimos viagem muito cansados pelo rio até ele mudar de nome, sendo chamado de Rio Negro pelos navegantes locais. A Carta Náutica do excelentíssimo Cavaleiro de Prata Nicol de Taça descreve a localidade da Relíquia do Mar a algumas léguas adiante, mas já não há mais rio para que possamos navegar. Não há caminho para seguir adiante. Estamos perdidos e a tripulação cresce cada dia mais triste pela perda de seu Capitão. Pois, além de tudo, o Capitão Kaire saberia o que fazer nesse momento."

Lunara e Téo trabalhavam juntos no cristal de oricalco no convés inferior mais profundo. Enquanto um dava ideias, a outra calculava ou vice-versa; a felicidade parecia estar de volta no rosto de Lunara e o foco de Téo era enorme, pois aquela era a primeira vez que ele tinha a chance de auxiliar sua superior mais proximamente. Logo receberam uma visita curiosa.

— Ei. Ouvi dizer que vão tentar mesmo seu plano maluco. — falou Ofélia, aproximando-se deles junto de Tales.

— Pois é. A Capitã gostou. — falou Téo.

— No final das contas não era tão doido assim. — comentou Tales.

— Eu disse. — falou ele, sorrindo. — Agora me dêem licença que precisamos ajustar as coisas e vocês deveriam estar em seus postos.

Ofélia olhou para Tales e concordou.

— A Geist vai te matar se souber que você tá aqui embaixo. Sobe logo. — Tales saiu correndo enquanto Ofélia ficou entre eles.

— Devo me preocupar?

— Com certeza. — falou Lunara para ela.

— Vou avisar a June para que prepare a tripulação para a manobra de subida.

— De descida! — corrigiu Téo para as costas de Ofélia, que já subia as escadas.

— Eu estou pronta, Téo. — falou Lunara.

— Ótimo, Lunara. Vamos ao tombadilho, então.

Fecharam os estojos de ferramentas e correram para o tombadilho, pois ainda precisavam ajustar um tanto de configuração no leme. Encontraram Seiya praticamente dormindo em cima do timão, o tiraram do caminho e desmontaram o leme para fazer muitas alterações com os apontamentos de Lunara. Os dois levantaram tábuas de madeira, entortaram mastros e ainda fizeram toda sorte de maquinaria para fazerem aquele teste absurdo.

Verificaram tudo pelo menos duas vezes até um certo ponto em que olharam-se entre si, confiantes de que estava tudo nos conformes, na medida do possível. Era hora de afundar aquele navio, se tudo desse certo.

— Estamos prontos, Capitã Geist!

A Capitã, com seu bonito sobretudo, estava supervisionando à distância a movimentação dos dois engenheiros alterando toda a lógica do navio. Ela respirou fundo. Toda sua tripulação estava à sua frente, pois àquele momento em que a noite caía no Rio Negro, tanto o turno do dia como da noite estava ali, pois assim era quando aconteciam as manobras de subida. Não poderia ser diferente naquele momento em que o navio estava para afundar.

— Muito bem, todos aos seus postos em dobra! — ordenou. — Seiya, tome o leme; Téo, quero que erga a âncora ao meu comando, e Lunara, você cuida das velas. Não teremos o vento, mas a correnteza do rio poderá nos carregar adiante.

Velozes, todos tomaram seus postos conforme o treinamento de já muitos dias no atracadouro do Santuário para as manobras de subida. Ninguém sabia o que esperar e Lunara torcia para que desse tudo certo. Os olhos na figura de Geist, a Capitã do Galeão de Atena.

— Âncora, Téo! — ordenou ela, e o alferes manipulou a grossa corrente para trazer a âncora de volta.

Todos sentiram o navio mover-se levemente mais livre, e quando a âncora prendeu-se à amurada do casco os olhos voltaram a olhar a figura da Capitã, iluminada por candeeiros no tombadilho. As velas nem foram necessárias, pois ela fechou os olhos e manifestou um cosmo de prata brilhante; foi quando abriu os olhos que ordenou forte para Seiya:

— Afunde esse navio, Pégaso!

Era quase agourento, mas Seiya pegou a alavanca ao lado do leme e empurrou-a com força para baixo, ao contrário do que estava acostumado. Ouviram um ranger pesado percorrer todo o navio e, por um instante, Geist arrependeu-se de aceitar aquela loucura, imaginando que talvez o Galeão explodisse sua estrutura ali mesmo. Mas algo fantástico começou a acontecer.

Embora tremesse, é verdade, o navio de fato começou a afundar lentamente; e os marujos à postos da amurada notaram que o rio descrevia pequenas ondas conforme o navio tomava o lugar da água. Não havia dúvidas de que o Galeão simplesmente afundava lentamente, como se fosse uma pedra maciça de mármore.

Geist mantinha seu lindo Cosmo de Prata altivo no tombadilho, iluminando o navio, mas sua atenção, como a de todos, estava para o que aconteceria quando o nível da água chegasse à altura da amurada e fatalmente invadisse o convés, varrendo as despensas e cantinas. O que aconteceu foi incrível e encheu-os de esperança: pois a água não invadiu o convés e simplesmente parecia impedida de entrar no navio por uma parede invisível, criando uma abóboda de ar para que pudessem respirar. Exatamente como a canoa mágica do povo maori. Não era distante imaginar que o oricalco fosse também a força que protegia aquelas canoas mágicas.

E assim o Galeão de Atena desapareceu da lagoa que formava-se no final do Rio Negro e submergiu da escuridão da Amazônia.

O fundo do rio era iluminado pelo cosmo de Geist, que caminhou até o castelo de proa para servir como um luzeiro para guiar o Galeão de Atena pelo rio submerso. Onde na superfície o rio morria em uma densa floresta fechada, debaixo dele o Rio Negro seguia por um corredor subterrâneo por onde passava uma leve correnteza que carregou o navio adiante. Era um corredor largo o suficiente para que dois navios daquele pudesse atravessar.

A travessia subterrânea foi breve, mas um pouco aterrorizante, pois se a noite já caía na superfície, o fundo do Rio Negro fazia jus ao nome, pois era de uma escuridão interminável. Mesmo a luz dos candeeiros ou ainda mais fortemente o Cosmo de Prata de Geist pouco iluminavam. Ora ou outra adivinhavam alguma espécie de peixe nadando ao redor deles, mas pouco mais podiam ver.

— Veja, Capitã! — anunciou Tales no castelo de proa.

Adiante, algo chamou a atenção de todos, pois havia uma fraca luz dentro do rio e, assim que a viu, Geist sinalizou para que Seiya preparasse para logo retornar à superfície: era uma coluna de luz refratada pela água de uma fonte luminosa. Geist deu o comando e Seiya usou a alavanca novamente para magicamente fazer aquele Galeão de Atena emergir das profundezas do rio para uma lagoa absolutamente maravilhosa.

A lagoa ficava em uma clareira enorme iluminada pela lua mais fulgurante e brilhante que aquela tripulação já havia visto. As ondas do rio, causadas pelo navio, não eram o único som que escutavam, pois podiam ouvir claramente o som de uma cachoeira pequena, mas ruidosa, refletindo a luz das estrelas e do céu aberto. Era um espetáculo desconcertante. Geist virou-se para o convés e atravessou-o para cumprimentar Téo e Lunara, bem como chamá-la para sua cabine junto de June e Seiya.

Téo, muito orgulhoso, recebeu os cumprimentos de outros marujos, bem como de Ofélia, que certificava-se de que todos estavam bem. Tales subiu ao leme, pois era quem geralmente substituía Seiya, mas Téo pediu um momento para que ele pudesse verificar as ligações do leme.

— Parece que deu certo, Téo. — falou Tales, colocando a enorme mão no ombro de Téo e, se fosse possível, o engenheiro notou que o amigo parecia revigorado.

— Deu sim, Tales. Achamos um caminho.

A cabine do Capitão abriu-se, de onde vieram os oficiais principais do Galeão.

— Capitão no convés! — anunciou Tales para todos se aprumarem.

— Lunara, prepare o barco-auxiliar. Tales, você tem o comando.

Ele assentiu e tomou o leme com Téo ao seu lado.

— E lá vão eles. — comentou Téo.

— Você achou que só por ter tido a ideia, você ia junto?

— Vocês parem de cochichar aí. — falou Ofélia, aproximando-se deles.

— Eu vou pro cesto da gávea dar uma olhada no lago. — anunciou Téo, distanciando-se deles.

— Ele queria ir com eles. — falou Tales.

— Você não?

— A quem estamos enganando? — falou ele. — Eles são Cavaleiros Sagrados, só iríamos atrapalhar.

— Nessa eu vou concordar com você. — disse ela. — Só espero que eles não se esqueçam das três coisas.

— Não responder assovios, não desafiar as entidades da mata e não comer nada que esteja largado. — lembrou Téo e Tales debochou.

— Seiya não vai deixar ninguém se esquecer. O grande amigo de Aldebarã.

— É o rei da amargura. — respondeu Ofélia.

Tales travou o leme e abandonou o posto com sua amargura e foi ajudar um dos marujos soltar a âncora no fundo da lagoa daquela cachoeira. Juntaram-se todos na amurada do navio para ver o barco auxiliar distanciar-se, como sempre faziam. E então longe, na margem, viram o grupo de expedição amarrar o barco e sumir na mata fechada da Amazônia em busca da Relíquia do Mar. Cumprimentaram-se todos pelo bom trabalho e cada qual foi descansar em um canto do navio, como sempre faziam, no aguardo do retorno do barco auxiliar.

Tales acendia e apagava um isqueiro de prata que guardava, quando ouviu a voz grave de um dos marujos entoar um bonito verso do mar. Ele sorriu e juntou-se à cantilena noturna da tripulação, pois era uma música triste, alongada e grave que o Capitão Kaire costumava cantarolar sozinho. O coro de vozes uniu-se de forma bonita e era um rito do turno da noite para cantar em memória do grande homem que havia sido Meko Kaire.

Do alto do cesto da gávea, Téo ouvia seus companheiros cantarolar aqueles bonitos versos e ele mesmo os cantava baixo sozinho no ponto mais alto do Galeão, investigando as ondas da lagoa iluminada pela lua. A superfície escura era pontilhada por enormes vitórias-régias abertas e espalhadas feito plataformas, enquanto nas margens do corpo de água imediatamente levantavam-se árvores poderosas e antigas por onde Geist e os demais haviam desaparecido.

Mas o que chamou sua atenção foi notar que as ondas causadas pelo surgimento do navio naquela lagoa escura ainda pareciam cortar a água em alguns pontos. Ele colocou o olho no binóculo de ouro e viu com pavor que na verdade as curtas ondas não eram causadas pelo navio, mas por algo que movia-se com lentidão repartindo a água em alguns pontos. Algum animal curioso que parecia rodear o Galeão; vez ou outra, seus olhos podiam ver na escuridão o vulto de sua enorme cauda. Não teve dúvida: soou o sino do cesto da gávea interrompendo a cantoria para alertar sua tripulação, mas também quem sabe afugentar a criatura.

Tales e Ofélia olharam para o alto, na direção de Téo, enquanto toda a tripulação se alertou no convés em seus postos.

— Relatório, Téo. — pediu Tales assim que ele desceu de seu posto.

— Alguma criatura na lagoa, Tales. — falou ele, procurando a amurada mais próxima.

— Criatura? — perguntou Ofélia.

— Sim, pude ver apenas o vulto do que parecia ser sua cauda.

— Uma cobra, talvez. — falou Tales.

— Talvez.

— Não vejo nada. — comentou Ofélia.

— Deve ter se assustado com o barulho.

Mas não era verdade, pois o barulho seguinte que todos escutaram naquele convés foi um sibilar alto e amedrontador na noite amazônica, afastando todos da beira do Galeão para o meio do convés, pois o silvo daquela criatura agora parecia soar de todos os lados. Naquela altura da noite, havia pelo menos seis ou sete marujos no convés; todos aguardando uma ordem de Tales, pois era quem estava no comando.

— Não há necessidade de fugirem.

Falou uma voz terrivelmente sibilante para eles.

Na escuridão da lagoa, no silêncio da Amazônia e debaixo de uma lua maravilhosa, a tripulação viu com assombro como um corpo de água pareceu manifestar-se da lagoa alongando-se para dentro do Galeão, revelando a cabeça enorme de uma serpente. De uma bocada só, ela poderia engolir Tales, o maior entre eles.

Seu corpo era ainda mais aterrorizante, pois parecia ter olhos espalhados por todo o corpo; olhos estes que nunca piscavam e pareciam encarar todos os marujos por todas as direções. Mas Tales sabia bem que os únicos olhos com os quais ele realmente precisava se preocupar eram aqueles dois que o encaravam a poucos palmos de distância.

— Bem-vindos a Pamʉri Poeya.

A Cachoeira da Transformação.

Os marujos todos ouviram aquela voz etérea e sibilante falar como se falasse dentro de suas mentes, de modo que o significado daquelas palavras se traduziram automaticamente para cada um deles em suas línguas maternas.

— Nunca se viu uma pamuri yuhkusu como essa. — falou a enorme sucuri para eles e todos compreenderam que era um comentário sobre aquele Galeão que navegavam.

— O que é você? — perguntou Ofélia, subalterna de June e curiosa.

— Chamam-me Cobra-Grande. — respondeu a imensa sucuri.

— E o que quer de nós? — perguntou Tales novamente.

A enorme Cobra olhou com seus olhos ofídicos todos os rostos que a encaravam divididos entre o medo e o assombro. Uma língua enorme e bifurcada parecia experimentar o ar ao redor.

— Ouvi cantarem em nossa cachoeira. — a cobra-grande apontou com sua enorme cabeçorra para a breve cachoeira caindo adiante. — Esta é a cachoeira da transformação, onde peixes-gente como eram transformam-se nos homens e mulheres de nossa terra.

Tales entreolhou-se com Ofélia.

— Deve haver um engano. — começou ela, tentando adivinhar. — Não vivemos debaixo das águas.

A enorme sucuri olhou para ela.

— Não há engano algum. — falou a criatura. — Eu vi cruzarem a escuridão do Uaupés. E surgirem em Pamʉri Poeya. Vieram das águas.

E então viram todos como a enorme língua bifurcada abandonou aquela boca sempre fechada e experimentou o ar novamente.

— São feitos de água como o maior ou menor dos peixes do rio.

— Viemos de muito mais longe. — tentou Tales novamente.

— Não importa de onde vieram, mas do que são feitos. — falou a cobra. — Feitos de água. Água que lhes escorre pelos olhos. Eu vi.

Novamente a cobra experimentou o ar ao redor deles.

— Estão tristes. — adivinhou ela.

A tripulação entreolhou-se novamente ao perceber que aquela criatura possivelmente os vigiava desde que haviam entrado no caudaloso rio amazônico.

— Nos viu chorar? — perguntou Ofélia.

— Como cachoeiras na noite. — respondeu a cobra.

Tales era aquele em comando e não compreendia exatamente a finalidade daquela enorme criatura mitológica abordando-os durante aquela noite, pois embora estivessem ainda em luto, estavam também em uma importante missão. E ele sabia que sua responsabilidade para com o Galeão de Atena era imensa na ausência de Geist, como o era quando ausentavam-se todos junto do Capitão Kaire.

— Temos uma missão para cumprir. — falou Tales duramente, e a Cobra-Grande mostrou a margem onde o barco-auxiliar estava amarrado.

— Eles? — perguntou ela. — Eles não encontrarão lugar algum.

— O que quer dizer com isso?

— Meu povo não quer ser encontrado. E assim não será encontrado.

— Precisamos encontrar a Relíquia do Mar.

— Sabemos.

— Pode nos ajudar? — tentou Ofélia, menos dura do que Tales.

— Sim. — sibilou longamente a criatura. — Escutem essa história.

O enorme corpo daquela sucuri escura e coberta de olhos moveu-se levemente, enrodilhando-se no mastro principal e subindo até que sua face estivesse de certa forma escondida nas sombras da noite. Na escuridão, seus olhos brilhavam de maneira hipnótica.

— Certa vez, uma mulher caiu do Céu, como se ela fosse uma gota de chuva. — falou a criatura com sua voz sibilante e etérea. — Ela transformou-se na mulher que aqui vive na Terra, como muitos outros de sua tribo em Taba Caiari. Ela renasceu entre nós, mas padeceu entre as aves, de quem era filha. Para eles, ela está morta no Submundo. Para nós, está viva em nossa Terra.

A enorme sucuri desceu do mastro e mergulhou silenciosamente no lago para reaparecer do outro lado do navio, assustando alguns dos marujos.

— Em outra vez, um homem emergiu do Submundo desse mesmo buraco da transformação que vocês emergiram. E também renasceu entre nós em Taba Caiari, mas padeceu entre os peixes, seus irmãos. Para eles, ele ascendeu ao Céu, mas para nós, ele também renasceu em nossa Terra.

E então aproximou sua enorme cabeçorra de Tales.

— A vida é uma eterna transformação que não se acaba quando atravessamos os mundos.

— Sabe de nosso Capitão? — perguntou Ofélia.

— Sei de suas tristezas. — falou o monstro.

Tales notou como a tripulação entreolhava-se assombrada daquela criatura compreender suas tristezas e o destino fatídico do Capitão Kaire, uma dor emanada por todos eles.

— Está nos vigiando desde que entramos nessas águas. — falou Tales.

— Este é o nosso mundo. — falou a voz sibilante e chacoalhou levemente os milhares de olhos pendurados em seu corpo. — Temos olhos em todos os lugares

— Não precisamos de ajuda com nosso luto, precisamos encontrar a Relíquia do Mar para selar Poseidon. — falou Tales.

— Está errado, Tales. — falou ela, e o marujo-em-comando engoliu em seco ao escutar seu nome sibilado por aquela criatura.

O marujo-em-comando olhou para Ofélia e a encontrou com lágrimas nos olhos, bem como alguns de seus companheiros. A morte de Meko Kaire foi duríssima para todos eles. Muitos já o conheciam antes pelo Santuário como Moisés, um brilhante pescador do Santuário e exímio guerreiro. Todos ali um dia dividiram escaleres e pequenos barcos com Meko, escutaram suas histórias do Pacífico, os contos de suas tatuagens, as lendas de seu povo.

Aquela era sua turma, seus amigos no Santuário, que perfeitamente compreendiam Geist, Seiya, Lunara e June terem sido escolhidos para os principais postos, pois eram Cavaleiros de Atena e aquela missão demandava o controle do Cosmo. Mas o turno da noite sabia também da enorme confiança que o Capitão lhes depositava, pois não havia nada mais difícil do que navegar na escuridão e, se haviam chegado até ali, eles sabiam que era pela contribuição de cada um deles. E pela confiança daquele enorme homem.

— E o que se faz com a tristeza? — perguntou Téo, calado até então, com lágrimas nos olhos e uma tristeza no peito.

A cobra sibilou e sua enorme cauda envolveu todos que estavam ali diante dela, aproximando-os todos, que por um instante amedrontaram-se de serem esmagados pelo corpo imenso da cobra.

— A tristeza se compartilha. — falou a cobra, recolhendo seu próprio corpo. — Como fazem quando cantam. Mas tenham no peito a certeza de que a vida se transforma. Mesmo depois que morremos. Ele vive.

A tripulação da noite olhou para a cobra que afastou-se na escuridão do barco, quando Tales percebeu que havia algo na palma de sua mão. Ele abriu e encontrou o que parecia ser um amuleto de jade esculpido na forma de um sapo, pesado e frio no toque. Ao movê-lo debaixo da luz do candeeiro, Tales percebeu que seu brilho era dourado, embora não fosse totalmente de ouro.

— O que é isso? — perguntou ele.

— O muiraquitã. — falou a Cobra-Grande à distância. — A Relíquia do Mar.

Tales olhou de volta para o amuleto em sua mão e pensou em Geist e Seiya, distantes na mata em busca daquilo que tinha em mãos.

— Quando o selarem, joguem na cachoeira. E façam um pedido. Talvez se realize.

A Cobra-Grande deixou o Galeão e desapareceu pela escura lagoa e com o Muiraquitã nas mãos, Tales olhou para Téo e Ofélia ao seu lado e colocou a mão no ombro de um marujo próximo. Sua voz grave puxou os primeiros versos da canção de Meko Kaire. E juntos cantaram naquela noite.

Geist retornou de mãos vazias com seu grupo algumas horas depois e Tales contou à ela exatamente tudo que havia acontecido, para surpresa de todos que estavam fora. A Capitã Geist ouviu os relatos do turno da noite com toda a atenção possível; seus olhos perderam-se um pouco na cachoeira ao ouvir as histórias da Amazônia recontadas por Tales e Téo.

Ela sentiu também uma imensa saudade de Meko Kaire, que era uma presença enorme ainda naquele Galeão e que os acompanharia para sempre. Ela deixou o grupo no convés e entrou em sua cabine sozinha, voltando rapidamente com um Selo de Atena. Ela juntou-se a todos eles e entregou para Tales, seu subalterno.

— Sele a Relíquia, marinheiro Tales. E faça o pedido ao Rio Negro.

Diante dos olhos de todos da tripulação, Tales caminhou para o meio deles e envelopou o muiraquitã de jade com o papiro em que se inscrevia o Selo de Atena. O brilho dourado do amuleto luziu uma última vez e finalmente arrefeceu. Ele caminhou até a amurada do navio e falou alto para todos ouvirem.

— Que o Capitão Meko Kaire tenha paz em qualquer que seja sua próxima viagem.

E lançou a Relíquia do Mar na Cachoeira da Transformação.

SOBRE O CAPÍTULO: Eu queria muito fazer um capítulo no Brasil, afinal eu sou daqui. =) Mas ao mesmo tempo, eu gostaria de fugir das escolhas mais óbvias do país (como as cidades lindas da costa) e usar algumas lendas amazônicas que mesmo entre nós se perdem um pouco. A lenda da criação e transformação do povo Tukano no norte do país é riquíssima e recentemente tem sido alvo de resgate e preservação. Ao mesmo tempo que eu gostaria de mostrar um pedaço da nossa cultura, eu também queria estar muito consciente com a história; mostrar como a perda de Kaire não foi sentida apenas pelos oficiais, como também por todo mundo naquele barco. E até por isso eu usei como inspiração um dos melhores episódios de Star Trek para focar nos personagens de fundo que nunca tem nome.

PRÓXIMO CAPÍTULO: O TESOURO DOS TESOUROS

A próxima Relíquia está no coração do Caribe, onde vivem os piores corsários do Mundo.

Arte de Yuri Saluceste: https://www.flickr.com/photos/yurisaluceste/6101191527

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