Capítulo 51

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Luco de Ástures — Inverno, Fevereiro de 836 d.C.

Yusuf chegou à Luco de Ástures depois de uma longa viagem, após passar primeiro na cidade de Oviedo. Viajara na companhia de uma aia e duas escudeiras, trajando mantos que lhe cobriam os cabelos loiros e escondiam os trajes vikings.

Hospedou-se em uma pequena estalagem e após ordenar que as guerreiras e a aia não saíssem do quarto sob hipótese nenhuma, se dirigiu até o castelo do Duque.

Jamila lhe implorara que levasse os gêmeos e os entregasse para Juan, o pai deles, bem como uma carta onde ela explicava os motivos de não ter lhe contado a verdade e pedia perdão por atrapalhar o casamento do jovem, mas ela não podia levá-los para o sul, onde pretendia fazer uma guerra de guerrilha contra o Emir e caçar Jamal.

Yusuf tentara demovê-la da ideia, insistira para que fossem embora da Hispânia, poderiam ir morar no Marrocos, junto à tribo dos ancestrais dela, ou então ir para o Egito, ou até mesmo o Reino Franco. Ele tinha dinheiro investido junto a banqueiros judeus e árabes, e poderiam ter uma vida modesta, mas confortável, por muito tempo.

Mas sua pupila estava decidida a se vingar, e Brunilde, como sempre a acompanhara.

Seu plano era simples, procuraria o padre Paulus e juntos conversariam com Juan, se ele aceitasse os filhos estaria tudo resolvido, caso contrário, Yusuf entregaria uma boa quantia ao sacerdote para que este se tornasse tutor deles e os criasse, até que Jamila ou Yusuf pudessem vir buscá-los.

O velho guerreiro pretendia retornar para junto da jovem e de sua filha o mais breve possível.

Fora fácil encontrar a igreja cristã, era uma manhã de domingo e os moradores da cidade estavam na missa. Yusuf esperou do lado de fora o término da cerimônia, ficou observando os camponeses saindo do local, logo em seguida os fidalgos, que se destacavam pelas roupas mais limpas e de melhor qualidade.

Esperou por Juan encostado na parede de uma casa próxima, o jovem com certeza não teria ido à Igreja, por isso, quando percebeu que ninguém mais saía dela resolveu entrar. O local estava iluminado pelas velas presas nos candelabros, um jovem usando uma túnica simples estava apagando algumas, perto do altar um homem usando um manto preto estava ajoelhado, provavelmente rezando.

Yusuf se aproximou e o jovem o encarou com olhar sério, mas nada disse, resolveu ficar em pé, esperando que o padre terminasse de rezar, pois reconhecera o homem como sendo Paulus.

Após um tempo Paulus se levantou e se virou para sair, mas parou surpreso ao observar Yusuf encarando-o.

— Meu Deus! – disse sorrindo e se aproximou com os braços estendidos.

Trocaram um abraço fraternal e Yusuf sorriu.

— É bom revê-lo Paulus – cumprimentou-o.

— Igualmente Yusuf – respondeu convidando-o a acompanhá-lo para fora da Igreja, deixando o jovem com seus afazeres — Mas não posso negar que não estou surpreso.

— Vim em busca de Juan, tinha esperança de vê-lo na missa – respondeu — Estive em Oviedo e me disseram que ele partira de lá.

— Oh meu Deus, você não deve saber – começou consternado — A esposa e o enteado morreram de uma peste que ocorreu aqui semanas atrás, o Duque quase morreu também, Juan esteve cuidando do pai e ficou doente.

— Por Alá! Que ele tenha misericórdia – respondeu condoído com o sofrimento que o jovem passara — Ele está bem? Preciso urgentemente falar com ele.

— Não sei, ele se isolou nas montanhas para não passar a peste para outros, cuidei dele o melhor que pude, ele parecia estar recuperado, mas uma manhã quando fui visitá-lo não o encontrei, ele desapareceu – respondeu com ar desanimado.

— Paulus, preciso lhe contar e mostrar algo – murmurou o árabe conduzindo-o gentilmente pelo antebraço em direção à estalagem.

Ao chegarem subiram até o q0uarto que se localizava no segundo andar. Yusuf bateu na porta e uma das nórdicas a abriu, a outra o encarava com uma machadinha de guerra nas mãos. Com um gesto ele convidou Paulus para entrar no local.

Os gêmeos brincavam em cima da cama com a aia e encararam o padre com curiosidade.

— Quem são? – perguntou Paulus se aproximando e sentando– se no leito acariciando os cabelos negros das crianças, mas os reconhecendo em seu coração — São de Juan e Jamila?

— Sim meu amigo, são os filhos deles, eu tinha esperança de entregá-los para Juan para que ele os criasse com sua esposa e enteado – respondeu Yusuf se sentando na outra ponta da cama.

— Oh Deus! O que aconteceu com Jamila, não me diga que...

— Não! Ela está bem, mas decidiu voltar para o sul para começar uma guerra de guerrilha contra o Emirado e não quis arriscar a vida dos filhos – explicou.

— Meu Deus! Eu sequer tive a chance de contar para Juan que Jamila ficara viúva – murmurou desolado.

— Os desígnios de Alá são inescrutáveis – consolou-o Yusuf.

— O que você pretende fazer com eles? – perguntou o padre pegando o menino no colo e observando-o atentamente, vendo semelhanças de Juan na criança.

— Agora que não sei onde está Juan – começou — Pensei que talvez você pudesse se responsabilizar por eles, tenho comigo dinheiro suficiente para a educação de ambos, até que Jamila retorne.

— Claro, claro, com certeza – respondeu o padre visivelmente emocionado — Mas e você?

— Pretendo me reunir com Jamila e minha filha e lutar ao lado delas – respondeu Yusuf com determinação — Mais uma coisa - continuou pegando algo do interior de seu manto e estendendo para o sacerdote.

Paulus percebeu que se tratava de um pergaminho e o examinou atentamente, verificando que havia um lacre de cera cerrando-o.

— Jamila escreveu, é para ser entregue para Juan assim que possível – avisou Yusuf.

— Assim o farei – disse o religioso.

No dia seguinte Yusuf partiu com as duas escudeiras, deixando a aia com as crianças e o padre, que os hospedou em sua casa ao lado da Igreja. 

A GUERREIRA INDOMÁVELWhere stories live. Discover now