Capítulo 50

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Ao norte de Al-Andaluz – Primavera, Abril de 834 d.C.

O sol começava a se pôr no oeste tingindo as nuvens de vários tons róseos. A paisagem era entremeada de montes onde se avistavam alguns bosques. A terra, apesar de fértil era inculta, com exceção de uma choupana ou outra com criação de galinhas e um pouco de lavoura de subsistência não havia sinal de vida. Os poucos habitantes fugiam antes mesmo que eles se aproximassem.

A última cidade que haviam visto fora na noite anterior onde dormiram em uma estalagem. Como sempre o oficial da escolta providenciara um quarto para Juan e o padre, de preferência sem janelas, postando seus soldados na porta para impedi-lo de fugir.

Nos primeiros dias da viagem o jovem pensara na fuga constantemente, em seus planos se via invadindo o palácio de Mahmud e resgatando Jamila. Conseguira em um momento de distração disparar com sua montaria, mas ela era velha e logo foi alcançada.

O oficial árabe, um moçárabe das tropas do Emir riu da tentativa.

— Jovem mestre, por favor, não tente isso novamente, eu já combati ao lado de Jamila e o vi lutar pela honra dela sob os muros de Mérida, não gostaria de ter que matá-lo – explicou.

Depois disse ele desistira e se conformara com sua sina, ao menos até chegar à fronteira, pensava secretamente.

Ele se perguntava o que Jamila estaria fazendo, questionara ao oficial, mas ele nada sabia.

Trotaram até o topo de uma elevação de onde avistaram um rio e uma pequena aldeia. Distante, no horizonte já se viam as montanhas da cordilheira da Cantábria.

— Mestre Juan, a partir de agora vocês seguem sozinhos – orientou o oficial fazendo com que ele e o padre desmontassem.

— Obrigado Salim, que Deus os abençoe – agradeceu padre Paulus.

— Que Alá os ilumine e guie – despediu-se o oficial e após golpear o flanco de sua montaria virou-a para o sul saíram trotando.

— Inferno – resmungou o jovem e após pegar o alforje com seus poucos pertences e o do padre. Começou então a caminhar em direção à aldeia.

— Não blasfeme, meu filho – disse o padre o alcançando

— Preciso de um cavalo – respondeu ignorando a admoestação.

— Você precisa aquietar seu coração, Juan – disse tentando acalmá-lo — Devemos nos apresentar ao senhor seu pai.

— Eu vou voltar padre! Preciso ver Jamila, ela deve estar pensando que eu a abandonei!

Paulus balançou a cabeça desanimado, desde que saíram de Mérida o jovem estava intratável, apesar da gentileza de Salim e seus homens.

Tentara convencê-lo a esquecê-la, afirmando que a jovem já deveria estar casada, mas Juan sabia ser teimoso quando queria.

Haviam levado mais de um mês para chegarem naquele ponto, Salim parecia não ter tido pressa em viajar, às vezes ficava um ou dois dias no mesmo local. O árabe dizia que não queria cansar as montarias.

Acabaram passando a páscoa em uma pequena cidade onde Paulus rezara uma missa para os cristãos da localidade, enquanto Juan se embebedava em uma taberna para provocar os soldados que o vigiavam e que em razão da religião muçulmana não ingeriam álcool.

Desde a partida de Mérida o jovem parecia atormentado e Paulus sabia que o motivo era a separação da guerreira berbere, por isso, após a missa natalina rezara por ele.

Mas agora a viagem estava próxima do fim e ao anoitecer entraram pela rua principal da aldeia, uma estreita passagem lamacenta com algumas casas de madeira e barro e uma pequena igreja de pedra.

Não havia estalagem, mas ao se identificar como padre conseguiram um pouso na casa de um lenhador.

Para desespero de Juan não havia montaria disponível, a não ser dois velhos cavalos que não aguentariam um dia de marcha.

A próxima cidade onde poderiam encontrar cavalos estava há dois dias marcha, poderiam ir em uma carroça puxada por bois, dissera o lenhador, desde que pagassem pela viagem, explicara.

O jovem concordou, no dia seguinte, após o padre rezar uma missa e batizar as crianças da vila, partiram. Ele observava de soslaio o jovem que passava horas em silêncio, o olhar perdido no horizonte, e resolveu não insistir em entabular uma conversa.

Juan não conseguia parar de pensar em Jamila, não só nos momentos em que passaram juntos se amando, mas também nas longas conversas que mantinham, nos silêncios cheios de significados ou quando ela cantava ou declamava para ele.

A via no céu estrelado, no crepúsculo e alvorada, ouvia sua voz no murmulho dos riachos e no farfalhar das folhas da relva, açoitada pelo vento do inverno. Sentia sua presença na solidão das terras abandonadas, e às vezes se virava, jurando que ela estava ao seu lado.

Seu desespero aumentava conforme as horas corriam, se a viagem com a escolta de Salim fora lenta, aquela na carroça era terrivelmente devagar.

Pararam antes do sol se pôr em uma pequena fazenda onde os moradores criavam algumas ovelhas e cabras.

Comeram pão duro com banha e alguns nacos de carne seca, que ajudaram a descer com água.

Antes do sol nascer estavam novamente a caminho, mal começaram a andar pela antiga estrada esburacada romana, quando ouviram o tropel de cavalos.

Juan sacou sua espada, enquanto dez cavaleiros se aproximavam, os homens usavam elmos, cotas de malha e carregavam lanças e escudos.

Eles circularam em volta da carroça com as lanças apontadas, até que pararam, um cavaleiro se aproximou e parou em frente a Juan e padre Paulus, enquanto o pobre lenhador se encolhia no banco.

— Sua benção, padre – disse o cavaleiro.

— Deus te abençoe, filho – respondeu tranquilamente.

— Ora, ora – disse o cavaleiro virando-se na sela para Juan que ainda segurava a espada — Se não é meu querido irmãozinho.

— Olá, Manoel – rosnou Juan.

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde as histórias ganham vida. Descobre agora