Livro 2 - Capítulo VI

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Reino das Astúrias – Outono, Setembro à Novembro de 834 d.C.

As tropas comandadas por Manoel enfrentaram algumas escaramuças com os árabes na fronteira em um jogo de gato e rato. Batedores tentavam localizar o acampamento inimigo e quando o faziam corriam para avisar a cavalaria e infantaria. Dependendo do número de inimigos, os cavaleiros avançavam na frente.

Entretanto, geralmente eram os cristãos que se defendiam, as tropas árabes eram mais bem treinadas e armadas.

Juan aprimorou sua habilidade como cavaleiro, perdera a conta de quantos inimigos abatera, lançava-se intrepidamente na luta, geralmente onde a refrega era mais violenta.

Sua fama cresceu entre os soldados, mas Manoel o admoestara certa noite, após um combate renhido às margens de um córrego que ficara com as águas tingidas de vermelho.

Juan se lançara, somente armado de sua espada, já que seu escudo se partira ao meio, contra um grupo de quatro árabes, portando cimitarras e escudos e após um combate curto e violento ele emergira vitorioso, coberto de sangue da cabeça aos pés, procurando novos adversários.

— Você está procurando a morte? – perguntara Manoel, enquanto comiam as parcas rações que dispunham em volta de uma fogueira.

— Não a temo – respondera com indiferença.

— Não é questão de coragem, irmão, mas de insanidade, você se lança à batalha sem a mínima preocupação com sua segurança – ralhara irritado.

— Você também se lança ao combate – resmungara.

— Mas eu luto pensando em vencer e voltar para casa e minha esposa, você parece procurar a morte.

Ele ficara em silêncio, como podia explicar para Manoel que se sentia morto desde que deixara Mérida? Que sem Jamila sua vida não tinha um propósito definido?

As condições da campanha militar eram precárias, dormiam ao relento em fazendas ou pequenas aldeias, comiam o que conseguiam nas terras arrasadas, os poucos camponeses que ainda permaneciam passavam tanta fome quanto os homens do Duque.

Depois de cinco meses lutando Manoel retornou com Juan para Oviedo, onde relataria ao rei a necessidade de reforços e suprimentos se quisessem manter uma força em atividade na região.

O Duque os aguardava na cidade com a esposa de Manoel, que praticamente se jogou nos braços dele ao descer de sua montaria. Como sempre Juan foi tratado friamente pelo pai que apenas grunhiu um cumprimento, bem diferente de padre Paulus que foi efusivo abraçando o jovem com carinho.

— Juan, meu filho! Graças a Deus vocês estão bem! – exclamou feliz.

— Vão se limpar, à noite deverão se apresentar ao rei – avisou Dom Iglesias secamente.

Após meses usando a mesma roupa e se banhando nas águas geladas de rios, fora bom tomar um banho quente e vestir roupas novas. O salão de audiências estava iluminado por candelabros e archotes presos em estruturas de metal nas paredes.

Apenas alguns poucos nobres de confiança do rei, entre eles, Dom Iglesias, estavam presentes. Uma ceia tardia foi servida pelos servos que depositavam as travessas na comprida mesa.

O rei estava sentado na cabeceira, tendo ao seu lado direito o Duque, Manoel estava sentado no meio da mesa e Juan, na companhia de alguns oficiais, em uma mesa mais afastada.

Quando a ceia terminou, a um sinal do rei, Manoel se levantou e com voz forte narrou o que fizera nos cinco meses, além de pedir reforços melhor treinados e armados.

Juan ouviu desinteressado, não se importava muito com a política, somente desejava combater. Quando se lançava em batalha seu último pensamento antes de mergulhar em um frenesi assassino era em Jamila, as imagens dela se casando assolavam sua mente, enchendo-o de uma fúria contra si mesmo, por não ter conseguido impedi-la.

Perdido em seus pensamentos ouviu sem prestar atenção o rei informar que subsidiara a Ordem de São Tiago de Compostela, para que pudessem ajudar na luta contra os muçulmanos.

Observando a chama de uma vela de sebo em cima da mesa pensou, pela milésima vez, onde estaria Jamila. Seria feliz com o marido? Pensaria nele?

— Você aceita a missão? – ouviu uma voz ao longe.

— Ele aceita, Majestade – a voz forte de seu pai o retirou de seus devaneios.

— Muito bem, partam o quanto antes – ordenou o rei e se levantou saindo do aposento e dando por encerrada a ceia.

— Aceita o que? – perguntou para Manoel que se aproximara na companhia do pai.

— Vamos para Trujillo – avisou Manoel — Levaremos uma proposta de aliança para o muladi Suleymán e o Sheik Mahmud. 

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde as histórias ganham vida. Descobre agora