Capítulo XIV

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Frísia – Primavera, Março de 835 d.C.

Os meses passaram rápido, o rei Lotário foi deposto e Luís, o Pio, novamente restituído ao seu cargo de Imperador. Ibrahim teve que começar as negociações novamente do zero.

Tinha saudades de sua terra, seus amigos, sua irmã e até mesmo de Mahmud que o enviara em uma missão sem prazo de retorno. Escrevera algumas vezes pedindo para voltar, mas ele insistira que continuasse tentando um acordo.

Reconhecera a letra de Yusuf, em um adendo, seu antigo mestre contou que Jamila tivera um casal de gêmeos e que passava bem, ao lado do marido, em Trujillo. Seu coração se confrangeu no peito pensando no triste destino dela, o que o fez pensar novamente em Brunilde, onde a escudeira estaria?

O ministro do rei o informou que Luís finalmente decidira não apoiar uma eventual rebelião em Al-Andalus, os ataques vikings haviam retornado e uma grande esquadra fora vista na costa da Frísia7 e temia-se mais uma expedição de saque.

Ao saber disso, pensou novamente em sua amada viking. Será que Brunilde estava viva? Conseguira atravessar o mar com a pequena embarcação? Sabia que navegar no oceano era bem diferente de percorrer um rio, rezava a Alá todas as noites para que ela estivesse bem.

Por isso, ao saber que uma tropa seria enviada para combater o ataque, e que seu amigo Khalil fora contratado para fornecer mantimentos para os soldados, se ofereceu para acompanhá-lo.

Uma esperança mínima era melhor que nenhuma, pensou consigo mesmo, se recordando do juramento que Brunilde fizera e de sua promessa de esperá-la.

Ele acompanhou o comerciante com sua caravana de asnos que carregava mantimentos para o exército que fora enviado para enfrentar os vikings.

— Esses selvagens vêm atacando a costa cada vez mais – explicou Khalil — Devastaram vários reinos da Britânia, os padres cristãos dizem que são um castigo de Deus.

— Alguns barcos deles subiram o Rio Guadiana saqueando as aldeias em suas margens – dissera sentindo saudades de Brunilde — algumas escuderias acabaram servindo minha irmã.

— A donzela guerreira de Mérida? – espantou-se.

— Ela é minha irmã, você a conhece? – perguntou surpreso, desde que chegara não falara sobre sua irmã para ninguém.

— Yamila, a Berbere Indomável – disse rindo — Alguns bardos vindos de Al-Andalus contaram sobre a virgem guerreira, tão hábil na guerra quanto bela.

Ibrahim sentiu uma pontada de tristeza ao relembrar de Jamila. E Juan? O jovem asturiano que a amava com tanta devoção, o que teria sido feito dele?

Dias depois chegaram a Utrecht, construída em volta de um antigo forte romano de nome Traiectum8, o qual fora destruído séculos antes, restando apenas suas ruinas. A cidade era bem menor que Aachen, mas tão fétida quanto, pensou desgostoso se lembrando com saudade dos banhos públicos e jardins de Mérida.

Alojaram-se ao lado de um pequeno castelo, junto às tropas que guarneciam a cidade e com os reforços enviados pelo rei Luís.

Durante dias perambulou pela cidade observando o movimento, apesar de pequena era uma cidade ativa, seu mercado possuía uma grande variedade de produtos agrícolas e artesanato local.

Estranhou a ausência de véus nas mulheres da mesma forma que em Aachen, todas as damas caminhavam com vestidos longos, mas com o rosto descoberto, quando muito, as de maior nobreza ou riqueza tinham ao seu lado pajens e damas de companhia.

Os artesãos e comerciantes não pareciam prósperos, suas roupas se mostravam puídas e as cores desbotadas, os poucos cavaleiros nobres se apresentavam um pouco mais bem vestidos, com suas espadas na cintura.

Todos davam a impressão de seguir a vida como se uma invasão bárbara não estivesse se aproximando da cidade.

Dias depois, sentinelas postadas rio abaixo entraram galopando pela cidade gritando que os vikings se aproximavam com centenas de embarcações.

Os portões do castelo foram fechados, os que não conseguiram entrar fugiram de suas casas se escondendo nos campos. A tropa enviada pelo rei Luís se posicionou na margem do rio.

Alguns poucos soldados, armados de arcos, tomaram seus lugares nas ameias.

A noite chegou e nenhuma embarcação foi vista, de sua posição nos muros, ao lado de Khalil, o jovem observou que os soldados começaram a relaxar saindo da formação, fogueiras foram montadas e o cheiro de carne assada se espalhou. Elas também foram acesas na beira do rio, onde sentinelas foram postadas, enquanto o restante da tropa se espalhava por perto para cear e descansar.

— Isso não está certo, eles podem ser surpreendidos – observou Ibrahim.

— O oficial comandante é um asno, eu o alertei que os nórdicos lutam a noite tão bem quanto de dia, mas ele me ignorou me chamando de "pagão dos infernos" – respondeu dando de ombros.

As horas correram lentamente, Ibrahim resolveu dormir no passadiço do muro, enrolado em um manto, repartindo um pedaço de carne de cordeiro que Khalil lhe enviara e uma jarra de chá, com alguns arqueiros que estavam de sentinela.

A noite estava fria e o céu estrelado, mas sem a lua a luminosidade era baixa, e pensou novamente se Brunilde estaria entre os atacantes. 

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde as histórias ganham vida. Descobre agora