Capítulo 72

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Luco de Ástures — Verão, Agosto de 836 d.C.

Juan fugiu do castelo como se estivesse sendo perseguido pelo próprio demônio, encontrou uma taberna aberta e entrou se sentando em uma mesa.

Não havia quase ninguém, com exceção de um idoso usando um avental encardido.

— Você não deveria estar com o Duque? – perguntou com desagrado quando Juan pediu uma caneca de cerveja.

— Cheguei hoje, amanhã partirei para encontrá-lo – respondeu com amargura.

O velho deu de ombros e lhe trouxe uma caneca cheia.

Juan ficou olhando para ela por um longo tempo. O destino parecia brincar com ele, colocando impedimento atrás de impedimento para que não alcançasse o que mais desejava, o amor de Jamila.

Como poderia tomá-la, ainda que sua alma e corpo queimassem em sua presença, sendo ela esposa de seu pai? Mesmo sendo um casamento de fachada, servos pareciam possuir olhos e ouvidos nas paredes de rocha do castelo, pois parecia que nenhum fato era mantido em segredo por muito tempo.

Quanto tempo levaria para desconfiarem e contarem ao seu pai que Juan e Jamila se encontravam secretamente? Conhecia seu pai bem o suficiente, ele jamais aceitaria a humilhação, ainda que ele não a desejasse, seu orgulho ficaria ferido. Se não fosse assim, por qual motivo ele não assumira que os gêmeos eram seus netos quando os tomara de padre Paulus? Era grato a seu pai pelos cuidados que tivera com Iasmim e Samir, mas eles eram seus filhos e de Jamila e não dele.

Pretendia confrontar seu pai quando o encontrasse, mas até lá estava decidido a se manter longe de Jamila, ela era uma tentação muito grande para sua vontade e temia não resistir aos seus encantos.

Sem beber a cerveja ele jogou uma moeda para o velho e saiu do local, logo bateu na porta de padre Paulus, que a abriu usando um camisolão de dormir.

— Pela Virgem! – exclamou — Aconteceu alguma coisa?

— O que poderia acontecer, padre? A mulher que eu amo está casada com meu pai!

— Vocês não...

— Não, mas quase não resisti à tentação – disse Juan entrando e se sentando em uma cadeira na pequena saleta.

— Meu Deus, eu deveria ter ficado junto de vocês...

— Como pôde casá-los, padre? – perguntou o jovem encarando-o.

— Eu não tive opção – respondeu se sentando em frente de Juan, tendo uma pequena mesa entre ambos onde uma vela de sebo ardia — O rei estava decidido a casá-la com o filho de um Duque, mas seu pai interferiu pedindo-a para si e o rei aceitou, era a única forma de ela estar ao lado dos filhos.

Juan esfregou as mãos no rosto tentando afastar o cansaço que sentia.

— Pensávamos que você estava morto – continuou o sacerdote — Eu vi o sofrimento dela, se não fosse pelos filhos ela teria definhado até morrer ou teria cometido alguma loucura.

— O que farei agora, padre? Cometerei adultério contra meu próprio pai? – perguntou.

— Aguardemos Dom Iglesias voltar, ele ama os netos e não tem nenhum sentimento com relação à Jamila – consolou-o — Pensaremos em algo, talvez até mesmo pedir junto ao rei e ao bispo de Oviedo a anulação do casamento.

Juan abriu a boca para responder, mas o padre continuou.

— Eu sei que é muito difícil, mas não impossível, se o rei e o bispo concordarem com um pedido de seu pai dizendo que não consumou o casamento e que as crianças que ele cria como adotadas são suas e de Jamila, talvez consigamos uma autorização do Papa.

— E até lá eu deveria ficar longe de Jamila? – perguntou começando a ter esperança.

— Sim, e se você achar que não resistirá à tentação deve sair de Luco de Ástures – avisou.

— Obrigado, padre – agradeceu Juan um pouco mais conformado.

— Muito bem, agora vamos dormir que amanhã é um novo dia – sugeriu o sacerdote.

***

Ao alvorecer Juan se dirigiu ao castelo, pegaria sua montaria e partiria para se reunir a.seu pai, quando voltasse se alojaria na cabana de caça nas montanhas onde se recuperara da peste até que tudo estivesse resolvido. Sabia em seu íntimo que não resistiria à presença de Jamila.

Ao passar pelas sentinelas ouviu gritos e choros no interior. Correndo, ele subiu os degraus de pedra e entrou no salão principal segurando o cabo da espada.

Servas corriam de um lado para o outro, algumas chorando. O velho castelão ao vê-lo se aproximou.

— Mestre Juan! As crianças... – gaguejou aflito.

— Fale homem! – gritou segurando-o pela túnica.

— Desapareceram! E a Duquesa também!

Juan correu até o quarto de Jamila, a porta estava aberta e não encontrou ninguém, a cama parecia em ordem como se ninguém houvesse dormido nela. O berço estava com os lençóis que o cobriam revirados, mas sem sinal dos gêmeos.

Abriu a cômoda e na grande arca do aposento havia uma infinidade de vestidos e roupas cristãs, não saberia dizer se Jamila levara ou não roupas, procurou por roupas dos gêmeos e percebeu que havia poucas.

Olhou novamente para a cama e percebeu um pergaminho enrolado em cima dela. Com ansiedade o abriu reconhecendo a letra de Jamila.

"Juan

Luz da Minha Vida.

Sinto ter-lhe causado tanta dor desde que nos conhecemos, nunca foi minha intenção. Eu o amo tanto que prefiro ir embora a vê-lo se partindo em dois, dividido entre o amor que sei que sente por mim e a honra e obrigação que faz parte do seu caráter e, acredite, isso é algo que amo em você, sua lealdade, sua coragem, seu sentido de honra.

Não desejo vê-lo discutindo com seu pai, apesar de tudo ele é um homem honrado, no fundo ele o ama e quem sabe agora vocês conversando não se acertam? Não se preocupe comigo ou com os gêmeos, estou indo para o principado de Bani Qasi, levo-os comigo, se eles ficarem serão motivo de desavenças entre vocês e desejo ficar ao lado deles o maior tempo que Alá me conceder.

Deixo a defesa do castelo e da aldeia em suas mãos até que seu pai volte.

Adeus, Luz da Minha Vida, se você mudar de ideia me procure, eu sempre o amarei, não importa quantos anos se passem, sempre o esperarei.

Sua eterna amada,

Jamila.

Juan amaçou o pergaminho de encontro ao peito, tentando sufocar a dor que sentia na alma, mais uma vez era afastado do grande e único amor de sua vida.

Com determinação desceu as escadas até o salão principal, gritando para que preparassem sua montaria, estava decidido a ir atrás de Jamila e dos filhos para trazê-los de volta, com certeza seu pai entenderia que o casamento deveria ser anulado.

Quando saiu no pátio externo ficou surpreso.

Soldados do ducado entravam pelos portões, os servos recomeçaram a gritar, desta vez em tom mais alto, lamuriando aos céus e a Deus o triste destino do Duque.

Carregado nos ombros de seis soldados estava Dom Iglesias.

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde as histórias ganham vida. Descobre agora