Capítulo 36

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Mérida- Outono, Outubro de 833 d.C.

Quando Ibrahim, após passar pelas sentinelas, entrou no barracão, Yusuf ficou preocupado.

— O que veio fazer aqui? – perguntou.

— Brunilde me pediu para vir para cá – respondeu explicando que a escudeira e Jamila foram fazer uma ronda na muralha.

Yusuf não era cego nem tolo, podia adivinhar que sua protegida fora se encontrar com Juan. Gostava do jovem, mas preferia que ele já tivesse partido. Percebera, durante a viagem para Batalyaws, que os jovens estavam apaixonados. Embora Juan conseguisse disfarçar bem seu amor pela jovem, era visível para quem prestasse atenção, o quanto Jamila estava apaixonada.

Tentara discretamente adverti-la do perigo de tal relacionamento, mas a jovem negara, na verdade, ele acreditava que ela negava até para si mesma seus sentimentos pelo rapaz.

Sua obrigação, como conselheiro do Sheik, era tê-lo avisado sobre o que estava acontecendo para que ele expulsasse Juan e o padre Paulus de Mérida, mas como poderia trair a confiança e o amor que sentia pela jovem, a qual amava como se fosse sua própria filha? Jamila fora generosa e não matara Brunilde no duelo perto da aldeia, a tomara como sua guarda pessoal e a honrara de todas as formas, tornando-se amigas.

E como ele poderia criticar as escolhas do coração? Ele mesmo se apaixonara por uma nórdica com quem tivera uma filha que, agora, mantinha um relacionamento com Ibrahim.

Durante o jantar em homenagem ao jovem asturiano, que mostrara uma coragem incrível enfrentando um campeão do exército do Emir, sentira-se orgulhoso em perceber que ele se dedicara a treinar os golpes e técnicas que lhe ensinara, embora desconfiasse que sua intenção ao pedir para ser ensinado fora a de desafiar Jamila.

Mas também se sentira apavorado, sua protegida não disfarçava o amor que sentia pelo jovem, os olhares que trocavam, mesmo com a mesa os separando, era uma ligação quase física. Graças a Alá nem Mahmud, nem o Sheik percebiam.

Abd al-Ŷabbãr tinha planos para a filha, o bispo Ariulfo e Mahmud finalmente o convenceram dar Jamila em casamento para o muladi Suleymán. Após o fim do banquete, quando todos se recolheram ficando apenas ele e Mahmud, o Sheik o informara da decisão.

— Meu velho amigo – começara segurando-o gentilmente pelo antebraço enquanto caminhavam para fora do salão — decidi dar minha filha em casamento à Suleymán.

— Mas e o juramento que vossa filha fizeste? – perguntara tentando não demonstrar seus sentimentos pessoais sobre o assunto.

— Coisas de uma menina inconsequente – respondera — conversei com o mulá Omar, ele foi categórico em afirmar que é possível cancelar o juramento pelo bem do clã. Além do mais, que melhor pretendente minha filha pode desejar? Suleymán é poderoso e rico, sem esperar minha decisão levantou armas contra o Emir e nos tem auxiliado nessa revolta.

— Jamila pode não gostar...

— Ela não tem que gostar, tem que obedecer como uma boa filha – rosnara Mahmud que ouvia a conversa atentamente.

Abd al-Ŷabbãr fez um gesto para que o filho mais velho se calasse e voltou seu olhar de falcão para Yusuf.

— Posso contar com você para me ajudar nessa questão, velho amigo? – perguntara — Sei o quanto minha filha é intempestiva, é culpa minha, a mimei e amei demais, mas chega uma hora em que todos devem assumir suas responsabilidades para com o clã, e a hora dela chegou.

— Farei o possível, meu senhor – respondera curvando a cabeça em sinal de respeito, pensando na enormidade da missão que lhe era dada.

— Nunca duvidei – respondera o Sheik beijando-o em ambas as faces em sinal de despedida.

Quando retornara ao barracão não conseguira dormir, preocupado como estava em convencer Jamila a aceitar a vontade de seu pai.

Outra fonte de preocupação fora a ausência de Jamal no banquete, o comandante de confiança Abd al-Ŷabbãr não escondia de ninguém a aversão que sentia por Juan, que somente aumentara quando o jovem se provara corajoso ajudando a incendiar um aríete no primeiro dia do cerco.

Yusuf não estava no local, mas oficiais lhe contaram que Jamal pretendera deixar Juan do lado de fora, para que ele fosse morto, embora muitos soldados protestassem, somente quando a jovem descera do muro e o obrigara, encostando sua cimitarra no pescoço dele, é que dera a ordem para abrir uma fresta no portão.

No duelo ocorrido de manhã ele estava presente e percebeu o olhar de ódio que Jamal lançou para Juan quando este, como um verdadeiro cavaleiro, entregou a cimitarra de seu inimigo como uma oferenda para Jamila.

Jamal descera as escadas do muro com a fisionomia fechada e Yusuf decidira segui-lo, seu instinto gritava que algo de ruim estava para acontecer. O comandante andava apressado pelas ruas movimentadas da cidade até que entrou em uma viela.

À distância, Yusuf observara-o batendo na porta e em seguida entrando. Esperara por mais de três horas, até que o vira saindo. Novamente o seguira, mas dessa vez Jamal se dirigira para sua residência, próxima ao palácio do Sheik.

Ele não podia ficar o dia inteiro parado na porta da casa, por isso voltara para o palácio e ordenara que um homem de sua confiança ficasse vigiando o local, enquanto outro, encarregara de procurar informações sobre quem era o proprietário da casa em que Jamal entrara.

Durante o banquete oferecido a noite nenhum de seus homens de confiança voltara.

Antes de se dirigir ao barracão no rio para supervisionar os ajustes finais na embarcação que sua filha construíra, passara perto da casa do comandante e encontrara seu homem o qual informara que Jamal ainda não saíra do local.

Menos sucesso teve quando procurou seu outro agente nas proximidades da casa suspeita, ele não estava à vista em lugar nenhum e por isso decidiu esperar o dia raiar para investigar melhor.

Mas ainda assim sentiu-se inquieto, tinha algo no ar e ele não conseguia descobrir o que era.

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde as histórias ganham vida. Descobre agora