Capítulo XXIII

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Reino das Astúrias — Primavera, Junho de 835 d.C.

Ao se juntar a Ordem dos Cavaleiros de São Tiago de Compostela, Juan recuperara um pouco do senso de família que perdera com a morte do irmão, seus irmãos de ordem eram como uma família, dispostos a sacrificarem as próprias vidas pelos companheiros.

Seu pai sempre o odiara, e por isso resolvera não mais procura-lo, padre Paulus eventualmente lhe enviava cartas, sua cunhada tivera um menino que recebera o nome de Manoel, em homenagem ao pai.

Sua vida se resumia a orações e combates, enfrentavam as tropas do Emir, comandadas por Jamal, mas não tivera a sorte de encontra-lo novamente, pois jurara por todos os Santos que o mataria.

Rodrigo Alvarez Ibãnhez ficou impressionado com sua habilidade e coragem e o elevou a posição de membro do conselho da Ordem.

Certo dia uma mensagem chegou vinda por um mensageiro do rei. Rodrigo convocou os cinco irmãos do conselho, incluindo Juan.

Reuniram– se na cozinha do sítio onde se hospedavam, haviam voltado para Compostela uma semana antes para enterrar os cinco cavaleiros mortos nos combates que travaram na fronteira e testar de seis feridos.

— O rei nos deu uma missão — começou encarando um a um os homens em volta da mesa.

— O que ele quer? – perguntou irmão Sanchez, um homem de cinquenta anos, um antigo fidalgo que enviuvara e resolvera se juntar a Ordem.

— Devemos encontrar uma embaixada que virá de Al-Andalus e escolta-la até Oviedo para uma audiência com ele — respondeu Rodrigo.

— Não somos seus soldados – resmungou irmão Batista, o quarto filho de um nobre que o enviará para a Ordem com uma boa doação e, surpreendente se mostrara um dedicado membro.

— O rei ajuda a manter nossa Ordem e a escolta é por deveras importante – explicou.

— Quem iremos escoltar? – perguntou Juan.

— Mahmud, Sheik berbere de Mérida e sua irmã Jamila, esposa do Sheik de Trujillo – respondeu lendo a mensagem.

Juan contraiu o maxilar para disfarçar a emoção ao ouvir o nome de sua amada, seu coração se dividiu em dois, uma parte desejava ardentemente revê-la, enquanto a outra, ciente de que poderia não resistir à tentação de arrebatá-la, desejava fugir para mais longe.

Horas depois o jovem procurou Rodrigo pedindo para não participar da escolta, implorando para receber um comando e voltar para a fronteira.

— Porque não queres participar dessa missão? – perguntou Rodrigo enquanto caminhavam por uma plantação de oliveiras.

O dia estava quase no fim, o sol tingia as nuvens de uma infinidade de cores no horizonte, ele pensou em Jamila, em seus olhos e lábios, em seus cabelos lustrosos e em seu corpo.

Àquela altura ela já teria parido, caso os filhos fossem de Suleymán, pensou entristecido, como poderia suportar ficar ao lado de Jamila sem a tomar nos braços e voltar a implorar por seu amor?

— Eu conheço Jamila – afirmou e contou sua história com a berbere.

Rodrigo ouviu tudo em silêncio, quando Juan terminou de desabafar se sentiu um pouco mais aliviado.

— Meu irmão, Deus não nos concede uma cruz que sabe que não conseguiremos suportar. Você tem pensamentos pecaminosos com a mulher do próximo, mais um motivo para que teste sua fé e se mantenha inabalável na presença dela, por isso você deve me acompanhar nessa missão – decidiu.

— Se o senhor assim deseja...

— Eu não, mas Deus quer testar sua fé, reze e se prepare, algumas batalhas são travadas na mente e no espírito e um sorriso e olhar pode ser mais perigoso do que o próprio diabo.

Dias depois partiram, a escolta era formada por cinquenta cavaleiros, metade da tropa da Ordem.

Dirigiram– se até a aldeia de Liyun12 onde deveriam encontrar a embaixada.

Chegaram à cidade ao entardecer de um dia chuvoso, nuvens carregadas cobriam o céu deixando o espírito de Juan ainda mais soturno. Jejuara e rezará durante a viagem, pedindo a Deus que lhe desse forças para vencer a tentação que Jamila representava para sua fé recém-descoberta.

Após a morte do irmão constatara que a vida era uma sucessão de dor, tristeza, miséria e guerra, que o único consolo que alguém poderia ter era na vida eterna após a morte, descobrira então consolação na oração e meditação, se Nosso Senhor sofrera no calvário, porque ele não podia carregar sua própria cruz.

A aldeia fora construída próxima a um antigo forte romano, que depois se transformara em uma fortaleza visigótica, agora em ruínas. A maioria dos cavaleiros se hospedaram em uma granja próxima do local, enquanto Rodrigo e os cinco membros do conselho no acompanhavam se hospedando na única estalagem.

Para surpresa de Juan, padre Paulus estava no local, ele viera recepcionar a embaixada.

— Juan! Meu filho – abraçou– o feliz.

— Padre, sua benção – pediu com humildade.

— Deus te abençoe – disse intrigado.

Não reconhecia mais Juan, ele mudara muito desde que foram expulsos de Mérida e após a morte do irmão. Nas vezes em que se encontraram em Oviedo percebera que o jovem se tornará introspectivo, não sorria e, como por milagre, se tornara mais religioso. Não faltava às missas enquanto estava na cidade e passava horas dentro da igreja em uma solidão impenetrável.

Conversara com Rodrigo e este dissera que Juan frequentava a missa, raramente bebia e somente pensava em lutar em nome de Cristo.

Mas seria fé? Ou ele procurava uma forma de consolo por causa da decepção amorosa.

Para piorar Jamila viera na companhia do irmão, estavam hospedados na casa do alcaide da aldeia, seus guerreiros berberes acampados nos quintais das poucas casas, onde esperariam o retorno deles. Caberia a Rodrigo e seus cavaleiros escoltarem– nos em uma viagem de vários dias.

— Oh Cristo, tende piedade de meu menino – rezou mentalmente. 

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde as histórias ganham vida. Descobre agora