Livro 2 - Capítulo VIII

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Trujillo – Outono, Dezembro de 834 d.C.

As ordens do rei eram para que o contato com o muladi Suleymán fosse feita de forma discreta, deveriam reafirmar que o Reino das Astúrias continuaria sua expansão na fronteira norte, como já vinha fazendo e oferecia ajuda militar em caso de uma eventual rebelião. Juan explicara que ele e padre Paulus estavam proibidos de entrarem em Mérida sob pena de morte, e que nenhuma embaixada seria bem vinda à cidade, por ordens do Emir, o que tornaria arriscado um contato com Mahmud.

Por isso a embaixada teria que se dirigir apenas até Trujillo, optaram pela discrição, apenas Padre Paulus, Manoel e Juan, acompanhados de mais dois cavaleiros, fariam a viagem, que se iniciara dias depois da ceia oferecida pelo rei.

Após dias viajando chegaram ao final da tarde à cidade, onde encontraram uma estalagem cristã para se hospedarem.

Juan queria ir ao palácio do muladi, mas seu irmão não permitira, pois padre Paulus contara a Manoel que Juan se envolvera com a agora mulher de Suleymán em Mérida.

Por isso Manoel enviara o sacerdote para fazer o primeiro contato. Ele retornou duas horas depois encontrando os irmãos jantando em uma mesa localizada no térreo da estalagem.

Cansado se sentou servindo-se de carne de carneiro com legumes e pão enquanto Manoel lhe empurrava uma caneca de cerveja.

— O muladi vai nos receber amanhã em um banquete após a oração do meio dia, estamos todos convidados – avisou engolindo um pedaço de pão.

— A esposa dele, Jamila, você a viu? – perguntou Juan sem controlar sua ansiedade.

— Meu filho – suspirou cansado o padre — Esqueça-a pelo bem de sua alma, ela está quase dando à luz.

— O quê? – engasgou o jovem com a cerveja que acabara de beber.

— É o que você ouviu, eu não a vi, mas todos comentam sobre o eminente nascimento do herdeiro do muladi.

— Será um problema para você, irmão? – perguntou Manoel encarando-o fixamente — Lembre que o rei e nosso pai nos deram uma missão.

— Não, não será um problema – respondeu fechando a fisionomia e engolindo o resto da cerveja de sua caneca.

Mas era um problema, ao se recolher durante a noite ele se virou na cama sem conseguir dormir, e não era por causa dos roncos de seu irmão e do padre que competiam entre si para ver qual era o mais alto. A notícia da gravidez o arrasara ainda mais do que estava, fez os cálculos, dependendo de quando nascesse poderia ser seu filho, a diferença entre a última vez que fizeram amor, sob a luz das estrelas na embarcação viking e o dia do casamento dela era de aproximadamente dois meses.

Seria possível? Se nascesse por aqueles dias, a não ser que o bebê fosse prematuro, seria seu filho, caso contrário seria do muladi.

O amanhecer o encontrou ainda acordado, ouviu da janela de seu quarto a chamada para a primeira oração do dia e se recordou dos dias felizes em Mérida.

Durante a manhã ficou andando de um lado para o outro de seu quarto, como uma fera enjaulada, até que, após um banho se vestiu para o banquete.

Padre Paulus e Manoel o encontraram impaciente na frente da estalagem, já com as montarias preparadas.

— Vamos, não devemos nos atrasar – resmungara mal humorado.

Chegaram ao palácio onde foram recebidos por servos e guiados até um enorme salão onde havia almofadas espalhadas em estrados nas laterais deixando o centro livre. O lado sul do salão se abria em colunas com arcos para um enorme jardim interno que permitia a entrada de luz e refrescava o salão. No jardim se podia avistar uma infinidade de plantas e flores, treliças repletas de trepadeiras floridas circulavam o jardim tendo bancos posicionados na frente delas.

Alguns convidados circulavam no jardim, outros já sentados em almofadas eram servidos por servos que carregavam bandejas com jarras de metal servindo água e bebidas sem álcool.

O guia apontou as almofadas em que deveriam se sentar, próxima ao jardim, mas longe do tablado mais alto onde provavelmente o muladi se sentaria.

— Lugar agradável – comentou Manoel que não conhecia o interior dos palácios das cidades de Al-Andalus.

Servos encheram suas taças com água, sucos e chá de hortelã.

— Não tem cerveja? – perguntou Manoel com uma careta de desagrado ao beber o líquido.

— Álcool é proibido pelas leis islâmicas – explicou padre Paulus.

— Quando falaremos com Suleymán? – perguntou Manoel impaciente deixando o copo de água de lado.

— Quando ele decidir, provavelmente no fim do banquete que pelo jeito irá durar o dia inteiro – explicou o sacerdote.

Juan deixou de prestar atenção à conversa, seu irmão estava impaciente para voltar para a esposa no Reino das Astúrias.

Ficou observando o tablado principal, imaginando se Jamila acompanharia seu esposo ou estaria em algum serralho6 dentro do palácio.

Quando deu por si o salão estava repleto de convidados, árabes, moçárabes e muladis, até mesmo cristãos e judeus haviam atendido ao convite, todos conversando animadamente em voz alta.

De repente a conversa diminuiu até um murmúrio.

Mahmud entrou com ar altivo usando uma rica túnica e se sentou na ponta do tablado alto seguido de Yusuf, logo atrás entraram Suleymán e sua esposa, ambos usando trajes tradicionais berberes.

Juan fechou as mãos com força para dominar a emoção violenta que o atingiu. Jamila vestia uma túnica branca, seus cabelos estavam cobertos por um véu da mesma cor, seus lábios estavam rubros e entorno dos olhos verdes pintados. Seu ventre dilatado se destacava no tecido.

— Meus amigos! Sejam bem vindos! Hoje estamos reunidos para uma ocasião festiva e nada mais justo que dar-lhes uma notícia auspiciosa!

Os murmúrios cessaram e um silêncio de expectativa caiu no salão.

— Os médicos que examinaram minha amada esposa disseram que Alá, bendito seja seu nome, nos abençoou com duas crianças – disse o muladi com um sorriso de orgulho.

Jamila nesse momento ergueu a cabeça que estivera ligeiramente baixa e olhou em volta observando os convidados.

Seus olhos pousaram em Juan e ele percebeu seu espanto, o rosto dela corou e ela tornou a abaixar ligeiramente a cabeça.

Naquele momento ele decidiu, precisava conversar com Jamila, mesmo que arriscasse a própria vida para conseguir seu intento. 

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde as histórias ganham vida. Descobre agora