Capítulo 52

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Luco de Ástures — Inverno, Fevereiro de 836 d.C.

Padre Paulus levou a aia e os gêmeos para a casa na qual residia ao lado da igreja. Ele nunca tivera filhos, mas ajudara a educar Juan e inúmeros outros jovens, embora nunca crianças tão pequenas. Por sorte, elas estavam acostumadas com a aia, mas durante a primeira noite ele teve que ajudá-la, pois os gêmeos choraram de saudades da mãe.

Ele percebeu que a menina chamada Iasmim e o menino chamado Samir se pareciam com os pais, não somente fisicamente, mas também suas personalidades. Enquanto a menina era mais calma e introspectiva, assim como Juan na infância, o menino parecia um pequeno rebelde, mexendo em tudo e escalando os poucos móveis da casa, imaginou que essa característica deveria ter herdado de Jamila, que ganhara a alcunha de "indomável".

Juan estava desaparecido, ele abandonara a cabana de caça nas montanhas, quando o sacerdote foi até o local para ver como ele estava não o encontrou, nem a seus poucos pertences ou sua montaria.

Ele não tivera a chance de contar sobre o encontro com Jamila na corte do rei Afonso, pretendia dizer que ela enviuvara, mas que bem faria tal notícia? Ele se casara com Madalena e quando Juan voltara não tivera chance de lhe contar em meio ao combate contra a peste.

Mas os desígnios de Deus eram insondáveis e agora fora a vez do jovem enviuvar. Como ele reagiria à notícia de que era pai de gêmeos?

Oh Deus, me ajude a decidir o que fazer.

Uma semana depois, em uma manhã ensolarada, ele teve que deixá-las para cuidar de seus afazeres, aos cuidados da aia, uma mulher de meia idade séria, uma muçulmana convicta que era viúva e sem filhos.

O sacerdote rezava uma missa diária matinal, depois percorria a comunidade visitando idosos e doentes, levando conforto para quem precisava, para então, após o almoço se dirigir ao castelo do Duque para cumprir com suas funções de Conselheiro, embora, desde o fim da peste, Dom Iglesias raramente se dignasse a recebê-lo ou aos seus vassalos e peticionários.

A peste o fragilizara, mas a morte do neto parecia tê-lo destruído espiritualmente, nem mesmo na missa no fim do dia que o sacerdote presidia na capela do castelo ele comparecia.

Dom Iglesias passava suas horas dentro de seu quarto, onde costumava se alimentar, nas raras vezes em que era visto fora do aposento, diziam as servas que sua aparência era desleixada: roupas sujas, barba por fazer e cabelo desgrenhado.

Naquele dia padre Paulus teve uma surpresa ao chegar para almoçar. Dom Iglesias estava sentado na mesa que havia na cozinha com os gêmeos no colo, enquanto a aia e a serva que preparava as refeições do sacerdote estavam ocupadas com as panelas, aparentando um nervosismo temeroso.

— Dom Iglesias... – gaguejou padre Paulus. Ele não ousara contar para o Duque que hospedava duas crianças em sua residência, muito menos que eram filhas de Juan e Jamila.

Conhecia-o bem demais, ele era um homem rude e anti-muçulmano ferrenho, o maior incentivador da política da "reconquista" dos territórios sob domínio árabe. O que o nobre diria se soubesse que era avô de tais crianças? Filhas do filho que ele tanto odiava com uma muçulmana? E para piorar, uma mulher independente que usava trajes militares e manuseava uma espada melhor que muitos guerreiros, o que para ele era um verdadeiro acinte.

Temia que em uma explosão de fúria ele as expulsasse, juntamente com a aia, de Luco de Ástures. Nesse caso o padre estava decidido a partir com elas, jamais quebraria sua promessa de cuidar delas.

— De quem são essas crianças? Quem é essa moçárabe? E quem é o árabe que as trouxe? – questionou cravando seu olhar de falcão nele.

Paulus observou-o antes de responder. O Duque parecia recuperado, ainda estava magro, mas a cor voltara a seu rosto. Vestia-se com elegância novamente, seus cabelos, embora houvessem se tornado mais grisalhos estavam penteados e sua barba aparada. Não se parecia com o fantasma que as servas diziam que ele se tornara, mas sim com o antigo Duque.

— Como o senhor descobriu? – desconversou tentando ganhar tempo.

— Ainda sou o Duque de Luco de Ástures, nada acontece nessa cidade sem que eu saiba – respondeu com a velha voz cortante — Agora me responda, quem são essas crianças e o que fazem na sua casa.

— São seus netos, senhor Duque, filhos de Juan – respondeu com um suspiro cansado, se sentando em uma cadeira no outro lado da mesa, de frente para o velho guerreiro que ficara mudo, mas aparentemente não surpreso.

Um pesado silêncio caiu na pequena cozinha, até mesmo o ruído das panelas cessaram, como se as mulheres esperassem a tempestade de fúria que podia desabar sobre todos.

— Ordene que a aia se dirigia ao castelo onde ficará responsável pelas crianças – afirmou de forma categórica Dom Iglesias se levantando ainda com os gêmeos no colo.

— Não entendi... – gaguejou o sacerdote.

— Eles são meus netos, ficarão comigo no castelo, e outra coisa padre, não quero que Juan seja avisado de nada e proíbo qualquer um de contar o que ouviram nessa cozinha – respondeu secamente encarando a todos e sem dizer mais nenhuma palavra se virou e saiu levando ambas.

— Pela Virgem Santíssima, por essa eu não esperava – murmurou o sacerdote para si mesmo, surpreso com a atitude do Duque.

A GUERREIRA INDOMÁVELWhere stories live. Discover now