Capítulo XXVIII

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Reino das Astúrias — Primavera, Julho de 835 d.C.

Dois dias depois partiram de Oviedo para Liyun19 onde a escolta berbere os aguardavam.

Desde o encontro na capela ela não vira mais Juan, embora soubesse que participava da escolta, mas ele mantinha– se afastado durante as noites e se posicionava na retaguarda ou vanguarda durante o dia.

Quando chegaram a Liyun se despediram de padre Paulus, enquanto trotava ao lado de Mahmud saindo da cidade, passaram pelos cavaleiros da ordem de São Tiago de Compostela, o irmão Rodrigo os perfilara para se despedirem.

Seu coração disparou no peito ao avistar Juan, os olhos dele a observavam atentamente sustentando seu olhar, seja o que estivesse pensando ele não demonstrou, pois sua fisionomia estava impassível, mas ela percebeu que, amarrado em seu antebraço esquerdo, estava um pedaço do véu que usara para limpar seus ferimentos na capela.

Por um momento pensou em sair da coluna e galopar até ele, para então fugirem loucamente.

— Maktub, minha menina, se entregue à vontade de Alá, ele é misericordioso e sabe o que faz — murmurou Yusuf emparelhando ao seu lado.

Por isso ela voltou seu olhar para frente e para o horizonte nublado e golpeando com violência os flancos de sua montaria disparou galopando, deixando todos para trás, enquanto lágrimas de tristeza afloravam em sua face.

Yusuf a observou galopar sentindo– se velho e triste. Amava– a como sua própria filha Brunilde, e vê-la sofrer como sofria o entristecia.

A relação com o irmão piorara durante a viajem, ele a criticara duramente pelos poemas que declamara quase a acusando de adúltera e ele teve que interferir antes que ambos sacassem suas cimitarras, pois ela despejara nele toda a mágoa que sentia por ter sido obrigada a se casar contra a vontade.

Acreditava que ela apenas não fugira com Juan em razão da dívida de sangue com Jamal, o traidor que causara a execução de Abd al–Ŷabbãr, o pai dela. O próprio alcorão, assim como a bíblia cristã, era usado nessas ocasiões para justificar um antigo costume berbere da cobrança de sangue por sangue, quando preceituava: "Ó fiéis, está– vos preceituado o talião para o homicídio: livre por livre, escravo por escravo, mulher por mulher".

A culpa podia ser expiada por um preço ajustado pela família, mas sabia que não haveria ouro no mundo que fizesse Jamila e Mahmud perdoarem Jamal.

E agora, novamente iriam se rebelar, participara da reunião com o rei, ele prometera que enviaria tropas para ajudar na rebelião em Mérida e Trujillo, o inverno estava próximo do fim e na primavera estariam em guerra novamente.

Estava cansado, lutava há muito tempo, recuperara sua filha Brunilde para novamente perde-la, sua filha do coração parecia morrer um pouco a cada dia, sua luz interior se apagando lentamente dominada pela tristeza, sua única felicidade eram os filhos.

Esse era mais um problema a ser resolvido quando chegassem à Trujillo, com certeza Jamila combateria ao lado do esposo, mas e as crianças? E se fossem derrotados? O que seriam delas? Ele era um dos poucos a conhecer o segrede de que não eram filhos de Suleymán, mas sim de Juan, deveria contar para o padre Paulus?

O sacerdote era um bom homem e travaram uma sincera amizade, sabia que ele amava Juan como se fosse seu próprio filho e faria de tudo para ajuda-lo, talvez, se a hora chegasse, fosse uma boa ideia enviar as crianças para ficarem aos seus cuidados.

Pelo que se informara Juan abdicara de todas suas posses e títulos e fizera um voto de castidade entrando em uma Ordem dedicada a expulsar os muçulmanos da Hispânia, não conseguia entender a aparente contradição; ele amava juma mulher muçulmana, ao mesmo tempo em que lutava contra os crentes dessa religião querendo expulsá-los das terras há muitos anos conquistadas.

— Oh Alá, misericordioso — orou silenciosamente — Me de a sabedoria para agir certo no momento oportuno. 

A GUERREIRA INDOMÁVELOnde as histórias ganham vida. Descobre agora