A Ilha de Eudamón - V

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Bartolomeu e Justina estavam em um calabazo, em celas paralelas, esperando a transferência para o presídio que seria no dia seguinte.

Bartolomeu tinha caído em um mutismo absoluto desde que o haviam encerrado. De outro lado, Justina estava mais verborrágica que nunca. Havia elaborado uma teoria que fazia muito sentido para ela. Sustentava que nada do que ocorreu havia sido casual, que tudo tinha sido uma obra prima do verdadeiro inimigo que os derrotara: o destino. Agora entendia como todas as peças desse quebra-cabeças se encaixaram para levar de volta a Cielo e sua irmã para a mansão e afundá-los na lama.

Encontrava que nada de casual tinha na maneira que cada um dos garotos havia chegado na fundação. Recordava que, quando trouxeram Rama e Alelí, na realidade tinham ido buscar a outras crianças, que logo foram adotados de improviso e, quando saiam resmungando, se toparam com o pequeno Rama e a pequeniníssima Alelí, que pediam esmola na rua.

- Isso não foi casual, era o destino, meu senhor!

Barto lhe suplicava que se calasse; estava lhe partindo a cabeça, mas Tina não podia parar. Recordava como Tacho chegara, por uma confusão de sobrenomes. Era outro o Morales que eles tinham ido buscar no reformatório, o encarregado se equivocou e lhes entregou Tacho. E com Tacho chegou Lleca, escondido no porta malas do carro. E como havia chegado Marianella nesse mesmo ano. Quando foram buscar uma interna do escorial, ao sair havia entrado Rama, com o qual se havia armado uma grande briga porque Alelí estava na cela de castigo a pão e água. Durante a briga caíram alguns papeis.

- E aí o senhor viu o documento do instituto de menores de seu amigo, que lhe devia favores. E disse que assim ia ser mais fácil e que também os garotos do escorial vinham com piolhos.

- E é verdade! - disse Bartolomeu esgotado.

- Não o vê, senhor? Essa mudança de planos de ultima hora... foi o destino! E como chegou a cigana?

Justina lhe recordou que Bartolomeu a ganhara de Joselo em uma partida de pôquer, quando tinha tentado trapacear e o cigano o descobrira. Teve que jogar sem trapacear, e assim e tudo ganhou.

- Já estava escrito, era um grande plano.

- Pare de dizer sandices, mamerta...

- Enxergue-o, por Deus! Foi o destino! E como chegou Bauer? A lesada foi estudar design de roupas e terminou metida em arqueologia, por que?

- Porque é burra.

- Não, foi o destino. E a mesma Cielo, como chegou? Pelos garotos que foram roubar no circo. E por que foram lá? Porque se tinha caído outro golpe, e ao senhor lhe caiu, literalmente, um panfleto daquele circo nas mãos.

- Um lança-chamas me deu o panfleto.

- Não! O lança-chamas estava promovendo o circo e jogou os panfletos ao vento, e caiu um em suas mãos, e quando o viu, teve a ideia de mandar os garotos roubarem lá... e o que trouxeram? Uma herdeira de brinde! É maravilhoso e terrível como o destino se costurou para terminar assim... estava escrito, senhor.

Nesse momento um oficial fez passar a Thiago. Bartolomeu se incorporou, mas viu que seu filho nem o olhava. Thiago entrou com um celular na mão, tinha pedido permissão de visita e levou o celular para que Justina pudesse falar com Luz.

Tina se emocionou até as lágrimas quando sua filha a chamou para se despedir, já que sabia que seria transferida. Voltar a ouvir que Luz lhe chamava de mamãe lhe quebrou o coração.

- Se comporte, mamãe... não volte a fazer maldades. - lhe suplicou Luz.

Justina era uma chorona de povoado, segundo seus próprios dizeres, e se desfez em agradecimentos para Thiago, que permaneceu muito pouco tempo, depois da provocação de Bartolomeu.

- Que sorte você tem, Tini, sua filha te chama, e isso que nem leva seu sangue.

- Soube que vão te transferir amanhã. - lhe disse Thiago como se não o tivesse escutado. - É a ultima vez que vamos nos ver. Tem algo que queira me dizer?

- Nada, che. - disse Bartolomeu olhando-o de cima a baixo.

- Eu sim. - disse Thiago, recordando as palavras de Mar, que lhe havia aconselhado dizer-lhe tudo e não guardar nada para si. - Te amo. E te odeio. Me dá vontade de te abraçar e de cuspir na sua cara. Me dói muito te ver neste lugar, e me dá muita felicidade que finalmente pague pelo o que fez. Agora que está aqui, vou tratar de seguir com minha vida.

- A vida que eu te dei. - disse Bartolomeu com seus olhos injetados em lágrimas.

- A vida que você quase me arruinou. - lhe disse Thiago, e começou a se afastar.

- Espera. Se esta vai ser a ultima vez que nos veremos, eu também vou te dizer algo.

Thiago o olhou, em algum lugar de seu coração esperava ouvir um perdão da boca de seu pai.

- Ao sangue não se renuncia. - disse em troca Bartolomeu. - Você é um Bedoya Aguero. Tudo que odeia em mim, também leva dentro de si.

Thiago negou com sua cabeça, tentando se manter forte; seu pai tinha metido o dedo onde, sabia, era sua ferida.

- Apenas espere, tome o tempo. Vão passar os anos, um dia você vai se olhar no espelho e vai se dar conta de que se converteu exatamente no que eu sou. E quando perceber, vai dizer "Papito tinha tanta razão, como me equivoquei."

- Obrigado. - respondeu Thiago.

- Obrigado por quê, che?

- Por continuar me mostrando o lixo que você é. Assim é mais fácil matar a ultima gota de amor por você que ainda me restava.

Tina, comovida, tentou passar sua mão para acariciar Bartolomeu, que depois da partida de Thiago, tentava evitar chorar, sem consegui-lo. Bartolomeu esquivou a carícia e se aproximou de um carceireiro que os vigiava mais distante.

- Louro... - disse Bartolomeu. - Falemos da transferência de amanhã.

Justina se estremeceu. Algo tramava seu senhor, que não se resignava a aceitar seu destino.

Quase Anjos - A Ilha de Eudamón (Português)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora