Nasce TeenAngels - IV

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Justina não dava crédito a mudança de seu senhor. Segundo seu critério, o acidente do menino Thiago o havia amolecido até a estupidez. Havia se amigado com a lesada, perdoando-lhe a renuncia da herança e a ajudava a fazer preparações para sua nova casa, para a qual se mudaria em breve, ainda que tentava convence-la de que ficasse ali, com o perigo que significava ter Bauer vivendo sob o mesmo teto.

O mesmíssimo juíz Adolfito Perez Alzamendi havia lhe pedido que fizesse justiça com as próprias mãos a Tacho, e Bartolomeu havia recusado faze-lo, argumentando que quem não havia perdido o controle por alguma piveta alguma vez.

Havia permitido que Thiago se instalasse com os mucosos, e o deixava ensaiar com essa bendita banda sem chiar. Marianella se mimava com o menino Thiago diante de seus narizes, e Bartolomeu como se nada. Inclusive parecia ter se esquecido que a empregada impertinente sabia toda a verdade, e a tratava com amabilidade e respeito.- Erga-se, homem! Seja você mesmo!- O que é isso que me deu? - disse ele cuspindo o chá que Justina havia lhe servido.- Chá de arrrrrruda macho, para ver se lhe desperta o índio selvagem outra vez. Meu senhorrr, está feito um idiota, vão nos enterrar vivo se continuar assim!

Mas seu amo não reagia, e inclusive se fazia perguntas sobre o bem e o mal, um revirado!

A unica coisa boa dessa mudança de Bartolomeu era que havia se interessado em conhecer Luzinha, e até havia insistido para ir jantar numa noite no porão, fingindo ser o juíz que Luz pensava que era. Tina foi muito feliz por um momento com aquela imagem familiar dos três, jantando nesse porão absurdo, decorado como se fosse um cenário de cinema, no meio de um galpão escuro.

Havia algo que preocupava muito Justina. Já fazia um tempo que Luz estava rebelde e questionava a veracidade da guerra. Não sabia o porquê de ter colocado na cabeça que a guerra era uma mentira, e compreendeu que a rebeldia vinha seriamente um dia que a encontrou a ponto de sair ao jardim pela porta enganosa do cemitério.

Justina acudiu a Bartolomeu e lhe fez entender a gravidade do assunto:- Luzinha quer sair para o mundo, e ainda que a tranco com chave, não sei por quanto tempo mais poderei mante-la ali embaixo... perdeu o medo da guerra. E sair do porão significaria o fim para ambos, senhor.- Terá que reavivar o medo da guerra, então. - propôs ele, e ficou pensativo. - Acredita no inferno, Justin? Porque se existir um... você e eu já temos uma suíte reservada lá...- Pare de encherrrr com a culpa de uma vez!

Bartolomeu teve uma ideia, que era tão disparatada como pouco provável; no entanto, tentaram. Para acalmar a avidez de Luz de sair do porão, lhe prometeram um dia de piquenique. Bartolomeu falou com um militar amigo, que lhe permitiu ir ao campo de treinamento militar por algumas horas.

Extremando os cuidados, tiraram Luz do porão pela primeira vez em sua vida. Tinha os olhos vendados, lhe disseram que era para lhe dar um tempo para se acostumar a luz natural. Com sigilo a subiram no carro e a levaram até o campo de treinamento, sempre com os olhos vendados. Uma vez ali se internaram no campo, e montaram o absurdo piquenique.Tiraram suas vendas, e Luz abriu lentamente os olhos, com dificuldade e um pouco de dor. Quando a vista foi se acostumando a claridade, olhou com fascinação a cor das nuvens; ainda que era um dia nublado, ver o sol que se insinuava lhe provocou lágrimas de felicidade. A distancia, se ouviam os estrondos das bombas e balas de fogo dos militares que faziam seu treinamento. Luz se convenceu, finalmente, da veracidade da guerra.

Depois de uns trinta minutos de piquenique, voltaram a vendar seus olhos e a subiram novamente no carro. Mas de regresso para a mansão, Luz não resistiu a tentação de ver uma vez mais o céu. Abaixou um pouquinho a venda, e olhou através da janela. Viu praças, viu gente andando de bicicleta, viu semáforos, viu malabaristas, viu cinemas, viu crianças tomando sorvetes... viu um mundo que não vivia em guerra.

A partir dessa breve, mas significante, experiencia, a história que Lleca lhe contava em suas conversas através da grade de ventilação ou durante seus encontros, começou a ser mais verossímil para ela que a história de Justina. Sem terminar de aceitar que sua mãe poderia ser uma mentirosa, aceitou o convite de Lleca de ver a realidade mais além do porão.

Num dia de sol saiu, por fim, sem vendas e sem mentiras, a luz do dia. Ele foi até o porão para buscá-la. A porta estava trancada por fora, e ele a destrancou. A segurou pela mão e a conduziu até a escada que dava para a porta enganosa entre as lápides. Ele saiu primeiro para se assegurar de que o caminho estivesse limpo.

- Anda, já pode sair. - lhe assegurou.

Luz começou a subir lentamente os degraus e cobriu os olhos quando a luz do sol a cegou. Esperou para se acostumar com a claridade, e terminou de subir. Era uma imagem quase espectral a de ela imergindo entre as lápides, como um defunto que voltava a vida, como uma ressurreição.

Ele segurou sua mão e a levou correndo até o portão de saída, e dalí, para o mundo.

Nessa noite Bartolomeu estava tomando um banho de imersão com uns sais aromáticos de baunilha que a lesada havia lhe presenteado, em um gesto que lhe pareceu super sweety, quando de repente irrompeu Justina, com o rosto contraído.

- What the hell! - gritou ele, cobrindo suas partes com uma esponja de ducha.- Minha menina desapareceu! - gritou ela, a beira de uma crise nervosa.

Bartolomeu pareceu reagir de repente de sua bondade transitória, vestiu um roupão e desceram correndo ao escritório, desde onde começaram a ligar para todos os contatos. Para Luisito Blanco, ao comissário Açúcar, a Albertinho Paulazo. Mobilizaram todos os recursos, enquanto Justina chorava sem parar. De repente tocou o telefone, e ela atendeu, apressada.

- Fundação Bedoya Aguero...E ficou mais pálida do que era. Depois de uma sequencia de "sim, sim, sim", desligou e olhou para Bartolomeu.- Minha menina está no loft da frente, com Cielo e o doutor Bauer.

Quase Anjos - A Ilha de Eudamón (Português)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora