A Grande Revelação - III

28 0 0
                                    

Quando Cielo agradeceu a Nico por sua ajuda, ele lhe perguntou por que, em vez de recorrer a Bartolomeu, havia falado com ele. Ela o olhou, avaliando se não havia chegado a hora de confessar-lhe todos os segredos que guardava, inclusive os de Malvina. Mas se lembrou, como bem havia lhe dito Bartolomeu, que este ainda seguia tendo o timón do barco, pelo que respondeu a Nico com evasivas.

- Não tem nada, esqueça. - disse ela.

Mas Nico não se esqueceu; muito pelo contrário, começou a pensar em todas as vezes que havia visto Cielo discutir com Bartolomeu, a tensão entre ambos quando ele aparecia. Recordou também aquele episódio que Cielo lhe havia referido, quando descobrira a oficina de brinquedos. Pensou naquela vez que Tacho havia querido bater nele, e na acusação de Mar, quando o chamou de "explorador". Também havia chamado sua atenção o distanciamento que havia entre Thiago e seu pai, e as palavras de Barto no hospital, quando Thiago esteve a beira da morte: "Descobriu quem era o pai e quis se matar", havia dito entre prantos a Justina. Algo não fechava, algo estava mal, e ele estava disposto a averiguar.

Tina estava dando outro chá de arruda macho para Barto, para que terminasse de se esbaforir. Nico entrou muito sério na sala, e sem preâmbulos o encarou.

- Tenho que falar com você sobre o que aconteceu com Tacho.

Bartolomeu se engasgou com o chá.

- Por sorte o temos em casa outra vez, não? - disse falsamente Bartolomeu.

- Venha ao seu escritório, por favor. - lhe respondeu Nico, muito sério, e entrou, esperando que ele o seguisse.

Bartolomeu se olhou com Justina. O que sempre havia temido estava ocorrendo: Bauer havia começado a meter os narizes em seus assuntos. A debilidade que vinha sofrendo se somou ao fato de que outro homem o enfrentava. Bartolomeu era muito covarde, e o modo com que seu cunhado o havia encarado o intimidou. Mas Justina interviu em seguida para estimulá-lo.

- Hora de voltar ao jogo, senhorrrr.

- Não creio que posso faze-lo, Justin... já não estou para estes trotes.

- Vamos, trote, manipule, engane, decapite, faça o que sabe fazer!

- Mas mal consigo caminhar, Tini...

- Imagine o que será de seus cachos sedosos e suas delicadas formas em um presídio, meu senhorrrr.

- Estou te esperando, Bedoya.

Essa provocação era o que necessitava para voltar a se levantar. Levantou o queixo, e o olhou.

- Bedoya Aguero. - corrigiu. E sem tanta pressa, Bauer...

E com passos firmes e lentos entrou em seu escritório. Fechou a porta e se sentou em sua poltrona, preparada para estar sempre uns vinte centímetros por cima de quem se sentasse na frente. Mas Nico permaneceu de pé.

- Te escuto, Bauer.

- Não, eu quem te escuto. Como deixou que levassem Tacho a esse lugar sem uma ordem do juiz?

- Me apertou Perez Alzamendi, e Tacho já tinha uma causa pendente, e...

- Você não pode se deixar ser apertado por ninguém! Tem que defender seus garotos com unhas e dentes... você viu o que é esse lugar?

- Espantoso... se para você foi a primeira vez, para mim é coisa de todos os dias... a propósito, não entendo porquê você foi lá sem me avisar, mas enfim... eu já estava movendo céu e terra, e de fato cheguei atrás de você e o trouxe comigo, não?

Nico o olhou por uns instantes e finalmente disse:

- Não me entra.

- O que é que não te entra?

- Nada. Eu jamais teria permitido que o levassem.

- Claro, você é o pai perfeito, não? O que fez quando levaram seu pequeno? Nada...

- Isso foi muito diferente. Eu perdi um julgamento. - disse Nico fulminando-o com ódio. - Você o deixou ir porque sim, como se quisesse castigá-lo por algo.

- Faço tudo mal, não? - disse Bartolomeu, já em vítima.

- A verdade é que sim, Bartolomeu. Está fazendo água por todos os lados. Primeiro, é uma vergonha que nenhum dos garotos estude...

- Thiaguinho lhes conseguiu uma beca e Rama me incendiou o colégio, o que queria que eu fizesse?

- Que os levasse a outro colégio, que contratasse professores... os garotos querem averiguar sobre suas famílias, e você não faz nada... é tudo muito estranho.

- Já me cansou, Bauer. - disse Bartolomeu ficando sério de repente.

Bauer estava se aproximando demais de seus segredos, e decidiu queimar seus navios. O pobre altruísta, criticado injustamente em seus esforços, era um personagem que sempre dava resultado.

- Se não gosta de como manejo minha fundação, se tem objeções sobre meu desempenho... é tudo seu. Te deixo as chaves de meu cofre, meu escritório... me investigue, absorva tudo. E mais... te delego meu posto de diretor da fundação por uma semana...

Se levantou, oferecendo-lhe sua cadeira, consubstanciado com seu papel de vítima. Nico só o observava.

- Todos questionam e criticam... claro, é muito fácil falar de fora! Ninguém sabe o que é estar no meu lugar. Ser o diretor desta fundação em uma pátria! E o que ganho? Desconfiança, desprestígio... te deixo meu lugar... o timón do barco é seu, todo seu... vamos ver como você faz as coisas tão bem.

Nico fez um gesto que Bartolomeu interpretou como uma retratação. Pensou que seu papel de vítima havia conquistado seu efeito; no entanto, Nico se levantou e disse o impensado:

- Aceito.

- Como?

- Que aceito seu lugar, que tomo o timón do barco.

Bartolomeu nunca em sua vida havia se sentido tão estupido.

Quase Anjos - A Ilha de Eudamón (Português)Where stories live. Discover now