Caindo do alto de uma ilusão - VIII

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Claro que, ao chegar na esquina onde haviam sequestrado Cristobal, já não estavam mais ali nem seu filho, nem Malvina, nem nenhum policial a quem recorrer. Nicolas estava desesperado, e sacudiu com força Lleca para que lhe dissesse em que direção haviam ido. Nesse momento chegou Mogli, quem Nico havia chamado enquanto corria para essa esquina. Ainda que seu olfato parecia se desorientar na cidade, Mogli tinha uma extraordinária capacidade, quase animal, para rastrear.

Não quis chamar a polícia supondo que isso poderia entorpecer a negociação com os sequestradores. Se perguntavam quem e por que haviam feito isso. Talvez tenha sido Carla? Toda a história da doença era um perverso jogo para voltar a arrancar-lhe dinheiro? Ou talvez se tratava de Marcos Ibarlucia? Se bem não o conhecia, Nico havia frustrado vários assaltos do traficante, era a unica pessoa no mundo que poderia ter algum tipo de ressentimento com ele. No entanto, não podia entender porque quereria sequestrar seu filho. A outra possibilidade era um simples sequestro extorsivo, mas a situação econômica dos Bauer, se bem era confortável, não justificava uma ação como essa.

Uma ligação fora de todo cálculo colocou um fim na inquietação de Nico e Mogli.
- Nicky, é a Malv! - gritou Malvina, agitada.
- Malvina, onde voce está?
- Segui os sequestradores, Nicky! Foi horrível, horrível! De repente o levaram, entende? Levaram meu Cristianinho! Eu disse a mim mesma: quem no mundo pode querer fazer mal a esse solzinho?!
- Malvina, onde voce está? - interrompeu, apressado, Nico.
- E corri! - continuou Malvina heróica, com seu discurso bem estudado. - Corri, mesmo usando salto alto, you know? Depois de duas quadras eles quebraram, mas por sorte, justamente nessa hora passava um taxista, em seu taxi, óbvio, e entrei nele, e lhe disse: "siga esses sequestradores!". O taxista foi muito valente, e os seguiu, mas Albertinho dirigia muito rápido.
- Albertinho? - perguntou Nicolas.

Malvina se confundiu; em ocasiões como essa, quando não sabia como resolver alguma burrice, ficava em branco.
- Eh?
- Albertinho. Voce disse "Albertinho dirigia muito rápido". Voce conhece o sequestrador?
- Não, claro que não! - disse finalmente Malvina. - Foi uma forma de dizer, como quem diz Carlinhos, ou Josézinho...
- Malvina, por favor, me diga onde voce está! - Interrompeu Nico desesperado, e ela finalmente lhe deu a direção.

Poucos minutos depois, Nico e Mogli chegaram no lugar que Malvina lhes havia indicado, mas ela não estava ali. Atrás deles chegou Lleca, ignorando a ordem de Nico de voltar para a fundação. Nico ligou para Malvina, que demorou em responder.
- Onde está, Malvina?
- Estou no cativeiro espantoso onde eles tem Cristianinho sequestrado. - respondeu ela, sussurrando.
- Te disse para não fazer nada! - gritou exasperado Nicolas.
- Eu não podia ficar de braços cruzados enquanto alguem tem sequestrado e com os olhos vendados a meu filhinho do coração! - declamou Malvina com hipocrisia.
- Qual é a casa? - perguntou Nico, enquanto Mogli olhava em todas as direções, farejando, tratando de encontrar o rastro de Cristobal.
- É um casebre horrível, gordo. - sussurrou Malvina. Nesse momento estava na frente de Albertinho Paulazo, que olhava para ela.

Permaneciam em um descampado junto a uma casa abandonada, no interior da qual estava Cristobal, amarrado, amordaçado, e com os olhos vendados. Com um gesto de Malvina, Albertinho começou a gritar e fazer barulho, e Malvina começou a fazer o mesmo, fingindo um enfrentamento. Nico, desesperado, ouvia os gritos enquanto Mogli, como um cão de caça, indicou uma direção.

Malvina cortou a comunicação, e Albertinho e sua namorada fugiram, tal como haviam planejado. E Malvina, entrando de verdade no seu papel de heroína, irrompeu na casa e libertou Cristobal, que estava realmente assustado; e enquanto tirava a venda de seus olhos e a mordaça, exlamou:
- Cristianinho, filho querido, filhinho do coração, voce está bem?
- Malvina! - exclamou o menino, aterrorizado, e ao ver um rosto conhecido, com um grande alívio se agarrou a ela assim que o desamarrou, chorando e com a respiração agitada; estava começando a ter uma crise de asma.

Ao tempo, chegaram Nico e Mogli, sempre seguidos por Lleca. Nico correu para abraçar Cristobal, que não parava de chorar. Mogli viu Malvina com o pequeno, e com um amor espontaneo correu até ela e a abraçou, gritando seu agradecimento em sua estranha linguagem. Mas Malvina estava tão extasiada em seu papel de heroína que decidiu ir por mais.
- Essas bestas foram para lá! - gritou tal qual "Joana de Arco", e saiu correndo.

Nico ia freá-la, mas Malvina já havia saido correndo para a rua. Mais distante, Albertinho e sua namorada entravam no carro e a viram, confusos, perseguindo-os. Malvina correu atrás do casal, que fugiu velozmente. Era toda indignação, o personagem havia se apoderado dela por completo. Nico foi atrás e lhe gritou que os deixasse ir, mas ela respondeu com um grito.

- Ninguém sequestra meu filhinho do coração! - e atravessou intempestiva a rua, sem ver que um enorme caminhão de carga avançava a toda velocidade na contramão.

O som do freio pneumático do caminhão se fundiu com o grito que proferiu Nicolas, e com o som das fraturas múltiplas dos ossos de Malvina.


Quase Anjos - A Ilha de Eudamón (Português)Where stories live. Discover now