Mar e Thiago estavam tentando controlar Rama, que tinha tanta emoção que não podia contar-lhes com clareza a noticia.
- Temos que conseguir o figurino. E também o som, porque o lugar o coloca, mas acho que nós vamos ter que levar nosso próprio som, porque nunca se sabe, e nós temos que soar bem.
- Rama... do que está falando? Não te entendemos nada!
- Falo de que o Chango nos conseguiu um show! A FM, a que toca nossa demo, quer a gente no show do final do ano!
- Como quer a gente? - perguntou Mar.
- Sim, que cantemos, TeenAngels ao vivo, na frente de milhares de espectadores! O Chango disse que nossa demo está matando... o único ruim é que o show é no mesmo dia do casamento de Nico e Cielo, mas enfim... onde está Tacho? Tem que aprender as coreografias já!
E saiu correndo, falando sozinho, sem poder conter sua excitação. Mar e Thiago se olharam, ainda não se animavam a acreditar no que Rama acabara de lhes contar. Nesse momento chegou Julia, e ainda que tentou minimizar sua preocupação, era muito evidente.
- Estefania veio para cá? - perguntou.
- Não. - disseram em coro Mar e Thiago.
- Se a virem...
- Aconteceu algo, Julia? - perguntou Mar.
Julia a olhou, ainda seguia doendo que Mar se negasse a dizer "mãe", mas deixou passar por alto, e lhes confessou.
- Essa noite ela não dormiu em casa, não atende o celular, não sei onde está... não foi a casa de nenhuma amiga, por favor, se puderem me ajudar a buscá-la, eu os agradeceria... estou desesperada.
Mar e Thiago lhe prometeram procurá-la. Mar se ofereceu para acompanhar Julia, que agradeceu. Thiago ligou para Nacho, e ele não tinha nem ideia de onde Tefi estava. Depois começou a ligar para cada colega do colégio, mas de repente, entre chamada e chamada, seu celular tocou. Era Tefi. Chorava, e com a voz entrecortada pela angustia, lhe pediu que fosse vê-la.
- Onde está, Tefi?
- Estou em um hotel. Por favor, não diga nada. Vem, te necessito.
Ele não disse nada a ninguém, como prometido a ela, e foi ao hotel que Tefi indicou. Ela o fez passar, tinha os olhos vermelhos de chorar.
- O que fez, Tefi?
- Sai de casa... não aguento mais, Thiago, não consigo mais.
Ele se sentou junto a ela, nunca a havia visto chorar dessa maneira.
- Pelo menos ligue para sua mãe, ela está desesperada.
- Mentira, não está desesperada! Fica o dia todo falando de Mar, pensando em Mar, comprando coisas para Mar... eu não importo nem um pouco!
- Sabe que não é assim, Tefi...
- Por que me acontece isso, Thiago? Por que ninguém prefere a mim? Você escolheu ela... minha mãe escolheu ela...
- Tefi, está dizendo besteiras. Vamos ver, primeiro e principal... você e eu... era qualquer coisa, Tefi, e você sabe. Vai me dizer que alguma vez esteve apaixonada por mim?
- Poderia ter me apaixonado...
- Não, sabe que não... nos conhecemos desde os quatro anos, sempre fomos amigos, não tínhamos nada a ver um com o outro. Você se encaprichou comigo, como antes havia se encaprichado com Ito e com Zeta...
- Eu sabia... - estalou ela em mais pranto, como seguindo com o tema, ainda que falava de outra coisa.
- Sabia o que?
- Que Mar podia ser filha de minha mãe, e sabia há muito tempo, e não disse nada, me calei. Sou horrível, sou um lixo... tinha pânico de que acontecesse o que aconteceu... que preferisse a ela, que é sua filha biológica, e eu...
- Tefi, sabe que sua mãe te ama, e que isso não vai mudar nada...
- Tudo muda. Tudo mudou, e para sempre.
Bateram na porta. Ela se assustou.
- Você pediu comida? - perguntou Thiago.
Ela negou, enquanto ele foi abrir a porta. Alí estava Mar. Thiago ficou duro. Tefi também.
- Mar... eu estou aqui porque...
- Não tem que me explicar nada. Vim falar com ela. - disse Mar, sem ciumes, pela primeira vez na relação.
- Você disse a ela que eu estava aqui? - perguntou Tefi a Thiago com ódio.
- Não, foi Nacho. - esclareceu Mar. - Já deveria saber que se quiser guardar um segredo, não deveria conta-lo a Nacho.
- A mim ele não disse... - disse Thiago confuso.
- Você não sabe arrancar um segredo de alguém. - lhe disse Mar, e sorriu. - Nos deixa a sós?
Tefi quis reter a Thiago, mas ele a deixou as irmãs a sós. Tefi tentou sair, e Mar a sentou a força. Se olharam por alguns instantes. Mar sabia que Tefi a odiava, e Tefi não lhe caia nada bem também. No entanto, via em sua cara que estava sofrendo, e não era justo que alguém sofresse. Mar achava que devia essa tentativa a sua mãe.
- Não vim aqui por você, vim por Julia. - começou Mar. - Ela te ama, e está desesperada te procurando. Não pode fazer isso com ela.
- Claro, pobrezinha sua mamãezinha, não?
- Não vim discutir. Só queria te dizer que te entendo. Entendo que te saltou a térmica, que você estava muito bem com seu pai e sua mãe, e de repente te aparece uma irmã, que ainda por cima você não suporta. Entendo que tenha ocultado o que sabia, entendo que me odeie, entendo tudo. E sabe por que te entendo? Porque você é adotada.
- E? - disse Tefi, já beligerante.
- E que isso significa que também te abandonaram. E ainda que depois tenha sido criada com muito amor, eu sei que essa é um dor que não passa nunca, que sempre está. Talvez você e eu temos algo mais em comum que só uma mãe.
Quando Julia viu ambas aparecerem em sua casa, tentou dissimular sua emoção e se manejar com naturalidade; sabia que suas duas filhas, por motivos diferentes, detestavam as demonstrações muito emotivas.
- O que querem comer? - perguntou ela radiante. Era a primeira vez que Mar havia aceitado comer em sua casa.
- Não sei... que Tefi escolha. - disse Mar.
Tefi a olhou com raiva, e replicou.
- Não, que a blacky escolha, que é a nova integrante da família.
- Estefania, não chame assim a sua irmã!
- Ela nunca vai ser minha irmã! - gritou Tefi, enquanto se trancava em seu quarto batendo a porta. Julia negou com a cabeça, e a seguiu até o quarto, onde a repreendeu por ser tão malcriada.
Mar observou que sua mãe tinha tirado da geladeira milanesas e batatas, certamente para cozinhar sua comida preferida: milanesas com purê. Pegou seu celular, aquele que Thiago lhe deu, e mandou uma mensagem de texto a ele dizendo: "Graças a você, encontrei minha mãe". E ele respondeu: "Graças a você, perdi o meu pai".
E enquanto ainda se ouviam os chiliques de Tefi desde o quarto, Mar sorriu. Agora tinha uma mãe. E uma irmã.
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Quase Anjos - A Ilha de Eudamón (Português)
Teen FictionNuma noite de fevereiro de 1854, três pontos luminosos desenham no céu um triangulo perfeito: três relógios idênticos começaram a funcionar ao mesmo tempo, e um deles está no sótão da mansão Inchausti. E ainda que pareça uma cena ocorrida por azar...