A Grande Revelação - V

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Como haviam feito há vinte anos atrás, entre galos e meia noite, Justina e Bartolomeu se deslizaram sigilosos no sótão onde dormia Cielo, e com um trapo encharcado com éter se asseguraram de que continuasse adormecida durante várias horas.

Descera-na sigilosamente entre ambos, e a levaram até o jardim, onde Malvina os esperava na carruagem. Sem fazer barulho e com um grande esforço, empurraram o veículo até a rua. Uma vez ali, deram arranque, e depois de várias tentativas conseguiram colocá-lo em marcha. Bartolomeu assumiu o volante, mas Malvina o deteve.

- Há tal crise! Estamos seguros do que vamos fazer? Eu morro morta, os bebês sentem tudo da barriga, o que estará pensando o meu?

- Não entende que temos que tirar esse lastro de cima da gente?

- Sim, Barti, mas matar... você, não escute... - disse a sua pança.

- Deixe comigo, senhorrr... você arranque logo!

Bartolomeu engatou a primeira e arrancou, levando Cielo desmaiada. Elas o seguiram no carro, enquanto Justina se ocupava de calar os escrúpulos de Malvina.

Ainda era noite muito fechada quando chegaram até um barranco, em um terreno baldio, perto da estancia dos Inchausti. Estacionaram a carruagem a vários metros do barranco, onde começava a ladeira. Colocaram Cielo, ainda desmaiada, ao volante; tiraram a marcha do veículo, e entre os três, com grande esforço, lhe deram um empurrão, até que o veículo ganhou velocidade descendo pela ladeira. Os três permaneceram de pé, observando como a carruagem avançava até o barranco, onde terminaria caindo em um lago, no que, no fim, a empregadinha se afogaria.

Mas os três ficaram absortos quando o veículo parou de repente, em plena ladeira. Amaldiçoando, voltaram a empurrá-lo, até que voltou a ganhar velocidade; mas uma vez mais parou antes de chegar ao barranco.

- Mas será possível, che! Tanto pode nos custar matar essa infeliz! - se queixou Bartolomeu.

E os três voltaram a empurrá-lo. Justina notou que Cielo estava acordando, e voltou a aplicar nela uma dose de narcótico.

- Nos apressemos, senhorrrr, já vai amanhecer!

Voltaram a empurrar, mas agora parecia pesar dez vezes mais. Se esforçaram até o esgotamento e mesmo assim não conseguiram move-lo. Começaram a se desesperar, logo amanheceria.

- Vamos, meu senhorrr, no três... um, dois...

- Tarde... necessitam ajuda? - se escutou.

Os três giraram sobressaltados. Ali havia um camponês a cavalo que sorria para eles amavelmente.

- Empacou? Lhes dou uma mão para empurrar?

- Não precisa, bom homem... - respondeu Barto, já com tom campesino.

- Sim, veja, aí vem meu compadre e seu compadre. - disse o camponês apontando a outros dois que se aproximavam. - Entre todos o fazemos arrancar.

Tiveram que seguir a corrente, e se desfizeram em agradecimentos quando os camponeses deixaram a carruagem outra vez sobre o caminho, e em marcha.

- Como dorme a moça... - comentou o camponês.

- Não é? Tem o sono pesado... - comentou Bartolomeu.

E as horas passaram sem conseguir o fim que perseguiam. Como já havia amanhecido e seria muito perigoso faze-lo a luz do dia, então Bartolomeu decidiu que a levariam até a estancia Inchausti, e a deixariam trancada em um estábulo abandonado, para que se extinguisse alí, sozinha, de fome e solidão. E isso fizeram.

De regresso, já na mansão, se trancaram no escritório. Tina tirou do bolso um papel escrito a mão.

- Aqui tem uma música escrita a mão pela desmiolada.

- Consegue copiar a letra, Justin?

- Tremida e infantil, uma papa.

- Então escreva!

Bartolomeu começou a ditar, enquanto Justina se esmerava em copiar a letra de Cielo.

- "Meus pequeninos, meu don Indi..."

- Não, meu don Indi, não! Não! - se queixou Malvina.

Bartolomeu a fulminou com o olhar, e seguiu ditando.

- "A parapapila que vou sentir falta de vocês, che..." - e se corrigiu. - Sem o che, tira o che... "Saí assim, as pressas, porque encontrei algo de meu passado, e fui atrás. Lhes peço que não se preocupem, confiem em mim... fui investigar..."

Quase Anjos - A Ilha de Eudamón (Português)Where stories live. Discover now