Caindo do alto de uma ilusão - VII

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Na segunda-feira seguinte, o céu amanheceu tingido de uma densa escuridão, enormes nuvens pesadas e escuras o cobriam por completo. Podia ser sentido no ar, carregado de úmidade, a tormenta iminente. Todos na mansão acordaram muito cedo, e pelo nervosismo e correria, parecia o primeiro dia de aulas, ainda que estavam na metade do ano letivo. O único que não começaria as aulas nesse dia era Monito, porque não havia tido tempo de matriculá-lo por sua recente chegada, mas o fariam o quanto antes. Ele observava todos correrem de um lado para outro, enquanto comia sem parar baunilhas molhadas no leite.

O fim de semana havia decorrido entre a constante evocação dos minutos gloriosos que havia durado o festival, as aulas intensivas que Nico deu a todos para poderem passar com folga nos exames de nivelação, e o som incessante da máquina de costura com a que Cielo arrumou os uniformes para os jovens. Thiago doou todos os uniformes que já não usava mais, e o mesmo fizeram Tefi e Nacho, anunciando isso a viva voz. Além disso, Cielo se ocupou dos materiais: encapou cada caderno e pasta comprados para os jovens, apontou todos os lápis e encheu os estojos de caramelos.

Nicolas estava um pouco mais inteiro, havia superado. A partir da suspeita de que Cristobal pudesse estar doente, marcou consulta para fazer os exames o quanto antes. No meio da correria, dava um jeito de interceptar Cielo em algum canto da casa e lhe dar uns beijos roubados, aos que ela se entregava, mas rapidamente interrompia os mimos, pois lhe dava espanto a ideia de serem descobertos. Nicolas ainda era namorado de Malvina, ainda que se tratava de mais de uma formalidade, pois a relação havia se esfriado por completo. Nico lhe disse que no dia seguinte falaria com ela para terminar o relacionamento.
- Não quero que me conte, Indi. Que voce me diga que quer estar comigo me dá uma alegria que me faz me sentir mal.
- Por que?
- Porque não gosto de me alegrar com algo que vai fazer a dona Malvina sofrer.

Nicolas já tinha que lidar bastante com sua própria culpa, mas entendia que era o melhor para todos. Cielo lhe disse que ele fizesse o que sentia, e logo, com o tempo, veriam o que fariam com seu "coiso".

Entre os jovens se estendia uma mistura de alegria e nervosismo; todos estavam entusiasmados com a ideia de começar o colégio, mas lhes angustiava um pouco ir a um repleto de metidos que, sem duvidas, olhariam para eles como a bichos estranhos. A Cielo chamou muito a atenção que Rama estivesse tão apagado, quase amargado; ele sempre havia sido o mais interessado em estudar, e Cielo esperava que estivesse exultante, no entanto, o via abastante apagado.
- Está bem, Rama?
- Um pouco cansado. - respondeu ele, se afastando. Cielo teria jurado que se afastou para que ela não o visse chorar.

Naquela segunda, bem cedo pela manhã, tudo era nervosismo e gritos na mansão. Os jovens se banharam e se vestiram com seus flamantes uniformes. Se encontrarem para tomar café da manhã vestidos dessa forma deu em todos um ataque de risos. Uma risada que escondia uma grande emoção. O unico que seguia sem participar da festa era Rama.

Quando estava para sair rumo ao colégio, Bartolomeu os reteve com um discurso que se estendeu durante vários minutos. Repassou a história da fundação BB, desde seus começos até esse dia, e celebrou a conquista, agradecendo tanto a Nico como a seu filho por esta oportunidade para seus pivetes. Voltou a omitir Cielo nos agradecimentos, ainda quando Nico o fez notar. Pediu aos jovens que se comportassem como deviam e que enobrecessem o nome da fundação BB. Enquanto despedia a todos com lágrimas nos olhos, seu plano duplo já estava em marcha.

Nicolas não pôde fazer Malvina desistir de seu desejo de ir buscar os pequenos na saída de seu primeiro dia de aulas. Cristobal, junto com Lleca e Alelí, estavam no edifício anexo do Rockland, a duas quadras da mansão. Nicolas insistiu com que não se preocupasse, que Mogli se encarregaria disso, enquanto eles podiam, finalmente, ter essa conversa que tanto haviam adiado. Claro que Malvina sabia que ele queria deixá-la, e por essa razão adiou o encontro.

- Tenho adoração por esses mucosos. - disse Malvina, e soou convincente. - Cristis é como um filho para mim. E Alelencita e... o outro loirinho da fundação, nada, tipo que os vi nascer, sabe? Os amo com loucura... e o novinho, Monky, he is so nice. Please, deixe que eu vá buscá-los na saída do cole!

Nico não encontrou argumentos para impedi-la, e em troca lhe esclareceu que Alelencita era Alelí; o loirinho, Lleca, e que Monky ainda não havia começado as aulas.
- Obviously! - disse Malvina, e partiu para o anexo de educação primária.

As tres crianças se surpreenderam ao vê-la parada entre os pais na saída do colégio, e muito mais se surpreenderam quando Malvina segurou as mãos de Lleca e Alelí. Já haviam se afastado do anexo, e estavam prestes a atravessar a rua, quando de repente apareceu um carro que se deteve com uma freada brusca na frente deles. A porta de trás do carro se abriu e um homem encapuzado apareceu de lá de dentro; em um rápido movimento agarrou Cristobal e o enfiou dentro do veículo, que arrancou velozmente sem dar-lhes tempo nem de reagir. Ninguem o viu, mas quem sequestrou Cristobal era Albertinho Paulazo, e quem dirigia o veículo era Sandra, sua namorada.

Malvina reagiu atuando como combinado.

- Sequestraram Cristianinho! - exclamou. - Vão avisar o Nicky, go! Corram, go, go! - gritou empurrando Lleca e Alelí, que, aturdidos e angustiados sairam correndo para a mansão, enquanto Malvina corria, "desesperada", atrás do veículo.

Nico estava seguindo Cielo enquanto ela regava as plantas na frente da mansão. Mais distante, Justina desmazelava, enquanto aguardava. Nicolas queria convencer Cielo a ir jantar com ele nessa mesma noite e ela se negava, argumentando que ainda quando deixasse Malvina, essa noite seria muito em cima e a pobre desgraçada estaria chorando a lágrima viva; no entanto, lhe assegurou que contasse com ela para acompanhá-lo em tudo o que tivesse a ver com a saúde de Cristobal.

Nesse momento chegaram Lleca e Alelí e, consternados, informaram a Nicolas o que havia ocorrido. Nico demorou alguns segundos para reagir; que alguem tivesse sequestrado seu filho não tinha nenhum sentido. Ainda sem terminar de compreender realmente o que acontecia, saiu correndo guiado por Lleca até a esquina onde tudo havia acontecido.

Cielo se apressou em fechar a torneira e sair atrás dele, quando começou a se ouvir um estridente alarme de incendios, e, intempestivamente, as portas do Rockland se abriram. No meio de um espessa, abundante e escura fumaça, centenas de adolescentes começaram a evacuar o edifício. Cielo esqueceu sua intenção de ir atrás de Nico ao compreender que havia acontecido um incendio no colégio, e não voltou a respirar até não ver a todos seus garotos sãos e salvos.
- O que aconteceu? - perguntou desesperada, enquanto os jovens recuperavam o ar tossindo. - O que aconteceu?

E compreendeu que algo grave, além do incêndio, havia ocorrido, quando viu que todos olhavam com certo receio para Rama, quem finalmente começou a chorar, impotente e suplicando perdão.


Quase Anjos - A Ilha de Eudamón (Português)Where stories live. Discover now