Dois Compromissos - III

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Lleca, Rama e Alelí chegaram ao circo e entraram com facilidade pela parte traseira. Na frente, debaixo do grande cartaz que dizia "Circo Mágico", havia outro menor que anunciava: "Com a participação especial de A Bailarina do Ar". Quando saiam para roubar juntos, Rama tratava de evitar que Alelí participasse. Ele fazia trabalho duplo, por ele e por ela. Além disso sabia que sua adorada irmãzinha gostava muito dos circos. Por isso Rama gastou nessa tarde algumas moedas que havia conseguido esconder dos olhos de coruja de Justina e lhe comprou um grande algodão doce. Procurou uma cadeira vazia, e a sentou aí para que disfrutasse do espetáculo enquanto ele e Lleca faziam o trabalho.

Os três tentavam levar com normalidade a vida que tinham, já faziam cinco anos na Fundação BB. Já eram experts na matéria. Jamais chamavam de roubar ao que faziam, senão "trabalhar".

Alelí se sentiu agradecida quando Rama lhe disse que ela não trabalharia, que ele faria por ela. E com um grande sorriso de felicidade aplaudiu os artistas circenses que apareciam. A que mais gostou foi a bailarina do ar, uma acrobata loira, linda, com uns enormes olhos celestes. Alelí observava fascinada como a mulher parecia voar amarrada em um tecido, com umas enormes asas brancas em suas costas. Mas nesse momento um homem muito gordo parou a uns poucos centímetros diante dela e viu que do bolso de trás sobressaía uma carteira bastante gorda, como as que Justina gostava. Viu que o bom Rama estava trabalhando e sentiu que devia ajudá-lo. A carteira estava a vista e graças a isso, quase sem deixar de comer o algodão doce, a tirou de seu dono, que nem se deu conta. Alelí viu que o homem olhava a hora no pequeno relógio dourado – Justina gostava de relógios dourados – e logo o guardou no bolso da frente do paletó. Também pareceu ser um trabalho fácil. E com a mesma tranquilidade de antes o subtraiu. Mas não percebeu que na frente deles havia uma mulher que estava a observando. Era a esposa do homem gordo. E ambos eram os novos donos do Circo Mágico.

- Ladra! Está te roubando! – Gritou a mulher a seu marido. O homem reagiu rápido e olhou com descrença a pequena.

– Sim, ela, a pequenina roubou seu relógio! – Disse a mulher.

O homem não teve tempo de checar, que Alelí já tinha começado a correr.

A mulher tentou atrapalhar e Alelí teve que subir na pista do circo para despistá-la. Cielo, a bailarina do ar, viu desde o alto a situação, e compreendeu imediatamente o que ocorria: os desagradáveis novos donos do circo perseguiam uma menina a quem acusavam de ladra e ela fugia atravessando a pista. Sem duvidar, Cielo decidiu ajudá-la e com um gesto a seu assistente, lhe indicou que a descesse. Cielo desceu como um anjo sobre a pista e se interpôs ante o homem. Ele tentou se esquivar, mas ela o impediu. Nesse momento haviam vários artistas no cenário. Entre eles o lança-chamas, que claramente detestava o novo empresário. E respondendo a uma piscada que Cielo lhe deu, começou a dirigir suas chamas no homem que corria na pista. O mesmo fez os palhaços em seus monociclos, os malabaristas e os anões. Todos começaram a rodeá-lo, encurralando-o. Se armou uma grande confusão, idas e caídas. Tudo parecia parte do espetáculo. Cielo viu com satisfação que a menina havia conseguido escapar pela parte traseira do cenário.

Rama e Lleca haviam visto toda a situação, e ao observar que escapava, saíram da tenda, a procuraram infrutuosamente entre as carruagens, e deduziram que Alelí havia corrido diretamente para a Fundação. Rama pediu que Lleca voltasse pela praça. Ele o faria recorrendo o mesmo caminho que haviam feito para chegar até o circo. Se dividiram e Rama começou a procurar por sua irmã com muita angústia.

A poucas quadras dali Rama começou a ouvir música. E a música era uma paixão para ele, qualquer tipo de música o atraía como um imã. Se aproximou do lugar desde onde provinha e viu uma menina de uns quinze anos, vestida com panos e saia muito longa de cor verde, que dançava apaixonada, sapateando e movendo suas mãos como se fossem asas. Junto a ela havia um pequeno rádio no qual tocava um tema flamenco. Apenas a viu, a reconheceu.

Quase Anjos - A Ilha de Eudamón (Português)Where stories live. Discover now