Quase Anjos - A Ilha de Eudamón (Português)

Os órfãos e os riquinhos - VI

No meio do caos que gerou o episódio do vestido, ninguem mais que Malvina se deu conta da ausencia de Nicolas.

Haviam estado conversando animadamente na cozinha, enquanto tomavam um café, quando Nicolas pediu licença para ir ao banheiro. Bartolomeu estava tratando de localizar Justina, que não dava sinais de vida, para que comparecesse a festa e fiscalizasse o comportamento dos mucosos com os amigos de Thiaguinho. Logo chegou Julia, e minutos mais tarde aconteceram os gritos, a discussão e todo o episódio desagradável do roubo. Assim que todos os jovens haviam ido embora, Nicolas reapareceu na cozinha, e, estranhado, perguntou o que havia acontecido. Depois de lhe contar resumidamente os acontecimentos, Malvina perguntou onde ele havia estado.

- Fui ver Cristobal, que estava brincando com Lleca e Alelí.
- Great! - disse Malvina, fingindo acreditar nele.

A verdade é que Nico havia estado em outro lugar, fazendo outra coisa. Claro que foi ao banheiro, mas quando saiu, viu a escada de serviço que conduzia ao andar de cima. Pensou, rapidamente, em uma desculpa para começar uma conversa com Cielo, e a encontrou.
- Thiago convidou os adolescentes da fundação para sua festa! - disse a Cielo, que o olhava surpreendida por sua aparição no sótão.
- Quem bom... - disse ela, com a porta entreaberta; falava com ele aparecendo apenas seu rosto, ainda sem entender a urgencia de Nicolas para ir contar isso.
- Não... - se desculpou ele. - Me pareceu genial que Thiago integre os garotos, e queria te contar porque sei que voce se importa muito com eles.
- Sim, é ótimo! Tomara que se divirtam muito! - disse Cielo, fazendo gesto de fechar a porta. mas ele a freou.
- Espera.
- O que foi?
- Preciso te dizer algo.
- Não, não precisa me dizer nada! - exclamou ela, se antecipando ao que ele lhe diria.
- Sim, Cielo, por favor. Não posso seguir me fazendo de tonto.
- O que voce tem que fazer é ir com sua namorada.
- O que tenho que fazer é me jogar pelo que sinto.
- Me parece excelente! - replicou ela. - Vá com a dona Malvina, e se jogue com ela pelo o que sente, por ela!

E fechou a porta. Sabia que, se abrisse essa porta, já não poderia mais fechá-la. E sabia tambem que, como consequencia disso, Malvina sofreria uma dor indescritível. E Cielo não podia se permitir magoar ninguem, ainda que fosse essa mulher oca, frívola e um tanto asquerosa. Cielo jamais faria em alguem o que não gostaria que fizessem a ela.

Frustrado, Nicolas voltou para a cozinha, e a sua frustração se somou a culpa por mentir dessa maneira a Malvina. Então foi buscar seu filho e regressaram ao hotel. Ali estava Mogli, que dormia deitado no chão e despertou, alerta; depois olhou para Nicolas, que deitava seu filho. Cristobal murmurou entre sonhos:
- Pa, vamos ter que mandar para a mamãe o endereço da nossa nova casa para que ela me mande cartas...
- Sim, filho, amanhã mandamos. - respondeu Nicolas enquanto o cobria.

E em seguida, como instintivamente, olhou para Mogli, que negava, em aberto desacordo com a mentira que Nicolas sustantentava ante seu filho.

Nos primeiros anos de vida de Cristobal, Nicolas não teve muito tempo para pensar. Carla havia desaparecido aos poucos dias do nascimento de seu filho e nunca mais haviam voltado a vê-la. Nicolas não duvidou um instante em se encarregar desse bebê ao que, ainda que não fosse seu filho, havia lhe dado seu sobrenome. Não bem produzido o abandono, Nicolas tentou, infructuosamente, encontrar o verdadeiro pai, Marcos Ibarlucia. Não o conheceu pessoalmente, mas tinha notícias de sua reputação: era um traficante de relíquias arqueológicas. Sem necessidade de ter visto sua cara alguma vez, ficava bem claro que eram antagonistas: Ibarlucia buscava saquear precisamente o que Nicolas queria preservar.

O nascimento de Cristobal coincidiu com a época mais ativa de Nicolas: viagens, conferencias, exitos profissionais; mas ele não ia deixar esse bebê a quem já amava profundamente jogado por aí. E assim foi como Cristobal começou a perambular de um lado para o outro com seu pai e seu tio Mogli, o incondicional amigo de Nico.