A mansão Inchausti - III

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- A vida é uma roda, roda com ela - sua mãe sempre lhe dizia. Ou talvez lhe disse só uma vez, mas para Jasmim ficou gravado a fogo. Ela não entendia o que sua mãe queria dizer. Além disso não podia pensar em metáforas, por isso imaginava a vida de verdade como uma grande roda de carro. Essa frase que sua mãe repetia era mais uma das tantas coisas que não lhe cabiam na cabeça, mas a aceitava. Não compreendia a infinidade de rituais e tradições que preservava sua família. Para cada pergunta dela, sempre havia uma única resposta:

- Por que temos que usar panos no cabelo?

- Porque somos ciganos.

- Por que batemos palmas?

- Porque somos ciganos.

- Por que o vovô parece chorar quando canta?

- Porque é cigano.

- Por que não posso brincar com essas meninas? Por que riem de mim no colégio? Por que tenho que dançar assim?

- Porque somos ciganos.

- Por que papai e o tio brigam tanto? Por que cochicham? Por que gritam e batem na mesa de madeira?

- Porque somos ciganos.

Ser cigano explicava tudo. E, sem saber porquê, sentia orgulho de ser cigana. Não sabia o que significava ser, mas sua mãe dizia com orgulho e seu pai também. Seus avós, tios e primos gritavam e cantavam com orgulho: somos ciganos! Todos batiam palmas quando ela dançava flamenco, e gritavam, e vibravam, e os saltos sapateavam no palco, e o cheiro das rosas, e a seda vermelha brilhante, e esse canto que parecia um choro. Somos ciganos. E com orgulho.

Ser cigano é tudo em um mundo de ciganos. Ser cigano é nada em um mundo de pagãos.

Jazmin completava sete anos. Era um dia de chuva e não podiam sair. Sua mãe bateu palmas. E cantaram e dançaram em seu quarto. Seu papai lhe presenteou uma câmera de vídeo. Sua mamãe a filmava enquanto ela dançava e cantava:

Vem arrependida, vem pedindo perdão... Dizendo que me quer e que fui seu primeiro amor...

Logo, um grito. Por que gritam? Porque somos ciganos. Mais gritos. O sorriso de sua mãe se desvaneceu. Medo em seus olhos. Sua mãe a escondeu debaixo da cama e a fez prometer que não sairia.

Desde seu esconderijo, ela viu os sapatos de seu pai, os sapatos de outro homem. Cheiro de cigarro. Mais gritos. Tapou os ouvidos. Ouviu um grito desesperado. Seu pai caiu. Sua mãe também caiu. Sangue. Dor. O homem apagou seu cigarro no chão. E saiu.

Todos choravam e gritavam, se lamentando no enterro de seus pais. Muitos juramentos, maldições e orações. Muitas velhas vestidas de preto. E logo, muita solidão.

Ela teria então que ir morar com outro clã. O clã de Joselo. E por que? Porque somos ciganos. Joselo é cruel. É violento. Joselo é mau.

Um juiz veio buscá-la e lhe disseram que iam levá-la para morar em outro lugar. Que já não tivesse medo, que Joselo não podia fazer nada contra ela; A levaram para viver em uma mansão, a Fundação BB. Ali não deixariam ela cantar suas canções. Nem usar suas roupas. Por que não são ciganos. Ali vive um menino muito sério e muito triste com sua irmãzinha mais nova. Ali também vive um menino loiro, de cabelo longo e cacheado, sempre está enojado e é prevenido. Também lindo.

Se chama Juan, mas o chamam de Tacho. Ele a olha, a olha muito. E lhe diz que quer ser seu amigo. Mas ela diz que não. Por que? Porque ele não é cigano. Ela sabe que houve um dia em que tudo eram palmas, música e flamenco. E depois, houve um dia em que tudo era luto e desgraça. Mas sabe também que virá um dia em que tudo voltará a ser palmas e música, que a vida é uma roda, e ela roda com a vida.

Quase Anjos - A Ilha de Eudamón (Português)Där berättelser lever. Upptäck nu