Capítulo 10 - Parte 06

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Os dois homens a alguns metros dela, os devoradores, estavam encantados com o som da própria voz. O homem com cabelos que lembravam uma espiga de milho, estava satisfeito com sua plateia. Ele se embebedou com aquelas palavras por muitos anos, ela sentia. Ele aguardou o seu momento de glória, o dia em que encontraria uma pobre vampira, a beira da morte, e poderia dançar sobre ela com suas palavras bonitas.

Eles se olhavam e riam, convencidos de sua segurança, de sua superioridade. A sua arrogância nascia de seu amor pela lógica, pela capacidade que tinham de absorver o mundo com suas mentes. Nenhum dos animais que eles ignoravam, seria capaz de amedronta-los. Nem o crocodilo, nem o jaguar, os animais mais terríveis. Nem a cobra grande, ou a venenosa. Os próprios animais tinham consciência do perigo. Mesmo sem o uso da razão, sem terem contato com as ideias, os animais sentiam o cheiro da morte, o cheiro que os homens se recusavam a conhecer.

Por essa razão, o homem de cabelos negros não sentiu quando algo o arrebatou para longe e abriu sua garganta. Ele foi sem gritar, sem se amedrontar. Ele não disse nada. Mudo chegou e mudo se foi. Ele simplesmente não entendia. Qual fera tinha tamanha audácia? O animal deveria estar louco. Em sua cabeça, no momento em que a fera o largasse, arrancar-lhe-ia a cabeça. Este instante não chegou, e seus olhos perderam o brilho sem que experimentasse o medo.

A mulher que um dia se tornaria Laura julgou que sua morte foi até feliz. Certamente não sofreu. A dor que sentiu, sinceramente acreditava que ele não sabia sequer o que significava o sofrimento.

Ela não esperou. Enquanto o homem louro estava perdido, pegou um grande pedregulho que estava a alguns metros dela, e bateu com ele no homem com toda a força que tinha. Ele foi jogado pra longe. O braço que usou no reflexo para se defender fora dilacerado junto com o ombro e as costelas. O sangue começou a escorrer das fraturas expostas. Somente então fora tomado pelo terror. Ele tinha vindo até aquele lugar para beber o sangue da vampira, e não para perder seu líquido precioso. Era um licor negro, que ao cair no chão matou tudo o que tocou. Instantaneamente o mato ficou negro também e morreu.

O olhar que dispensou para quem lhe desferiu tamanho golpe, demonstrava extrema mágoa.

— Como você foi capaz de fazer isso comigo?

— Coitadinho! Fiquei até com pena de você!

O homem olhou para os lados para ver se conseguia encontrar o amigo. Encontrou apenas uma mulher negra saída das sombras. Ela tinha o corpo todo sujo de sangue negro. Trazia a cabeça de seu amigo em uma das mãos, seguro pelos longos cabelos, como se fosse um amontoado de palha.

— O gosto de vocês é horrível. Agora eu vou ser obrigada a encontrar outra roupa. A minha está imprestável.

— Se você andasse igual a mim, como você disse, praticamente nua, não teria esses problemas.

— Isso é impossível. Vampiras não se unem. Elas não reagem. Vampiras não matam os Filhos de Hórus.

— Não estamos juntas! Você foi azarado somente. Realmente estou com pena de você.

Ele soltou um grito terrível. Seu urro foi ouvido a vários quilômetros de distância. Os dois grupos de homens ouviram e ficaram amedrontados. Os dois grupos fugiram, cada um para o seu lado, nenhum deles encontrou novamente os seus senhores. Ele se embrenhou entre as árvores. Mergulhou numa fuga desesperada. Nenhuma das duas se animou em seguir seu devorador ferido. Elas não se importavam.

— Eu não pedi sua ajuda.

— Não tinha a menor intenção de ajudar, mesmo! Por mim, era até melhor que tivesse morrido.

— Aqueles dois não queriam fazer nada. Eles só queriam conversar mesmo.

— Acredito.

As duas viraram as costas uma para a outra, se seguiram cada uma o seu caminho. Caçaram os dois grupos de homens que se perderam na floresta. A vampira que um dia adotaria o nome Laura continuou a sugar sangue sem ouvir qualquer mensagem. Outras vezes chegou a lembrar as palavras distantes de sua irmã perdida no tempo. Sabia que futuro traria o momento do reencontro. O grande espírito, pensava, devia lhe dizer que a irmã sobrevivera a qualquer ataque, que ela conseguiu se esconder, vestindo-se de pessoa normal, e andando no meio dos homens incautos.

Percebia também que sua sede ficava cada vez mais e mais insuportável, e mesmo que matasse uma família inteira, era incapaz de se satisfazer. Depois de tantos anos, vagava agora na esperança de ver sua irmã novamente. Sentia que o fim estava próximo, e que devia falar novamente com aquela mulher que um dia salvou sua triste existência, e matou dois filhos de Hórus: um deles arrancando a cabeça, e o outro condenando a fome e ao desespero.

Nandi e os Filhos de Hórus (Em Revisão)Where stories live. Discover now