Capítulo 07 - O Cavaleiro e o anjo - Parte 2

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As ruas movimentadas foram dando lugar a ruas cada vez mais desertas. Por estas vielas, passagem obrigatória, alguns dos postes estavam com as luzes queimadas, e sombras esgueiravam-se pelas sarjetas. Apenas mais alguns instantes, e mergulharia novamente no movimento insano dos monstros que sobem e mergulham de viadutos. Lá, os monstros mastigam carne. Mas as sombras matam também, de uma forma diferente. Mas a morte não os despreza por isso.

Quando lembrava de Márcia, não entendia o que tinha dado errado. Foi um namoro morno desde o início. Um dia ela perdeu o interesse, e partiu para viver algo que a balançasse. Ele mesmo ficou com ela um pouco por falta de opção. Só que ele continuava sem opções. Talvez não por feiura, mas pela mais simples falta de jeito.

Saía da zona sombria, esgueirava-se por um vale ainda inseguro, um trecho perdido entre prédios abandonados, um deserto que separava as ruas movimentadas de becos, quando reparou a movimentação de uma mulher e uma criança, sendo abordadas por dois policiais. Eles estavam a sua frente a alguns metros. Poderia ter simplesmente desviado, ter mergulhado em outro beco, no fluxo de luz que o aguardava mais a frente. Entretanto, sentiu-se fortemente atraído para o grupo. Uma mulher negra, assustadoramente linda, uma criança magra e loura, de uma beleza difícil de ser ignorada, sendo abordadas por dois policiais, nitidamente agressivos. O policial ria com o rosto de uma demónio obsceno, e a mulher negra tirava a mão dele de sua cintura com nervosismo. Chegou perto o suficiente para ouvir o que diziam.

— Senhor, somos duas servas do Senhor. Não somos criminosas.

— Mas o que as servas do senhor fazem em becos escuros.

— Buscamos almas perdidas, ganhar almas para Jesus.

— Mas que coincidência. As duas acabam de encontrar dois perdidos. Estamos ansiosos para que ganhem as nossas almas.

— Sangue de Cristo tem poder.

— Vamos fazer o seguinte. A irmã me concede alguns instantes a sós com a sua pupila, a pequena irmãzinha, e a Senhora passa alguns momentinhos com o meu colega. Tenho certeza que depois dessa caridade, seremos praticamente santos.

— Ei, olha ali. Tem um cara olhando. Disse o outro policial, até agora silencioso em seu sorriso. Os dois eram homens grandes e gordos. Tinham os braços grandes, e os pescoços lutando contra a gola das camisas.

Cristiano não teve tempo de fugir, ou de manifestar qualquer objeção. De repente, estava no meio daqueles momentos que definem a sua vida, momentos de azar que todos nós estamos sujeitos. Como diria? Um momento de mal karma. Talvez essa fosse a palavra que o sue professor lhe dissesse, ele que era dado a momento em que era dominado por qualquer filosofia oriental que devia estar ligada a arte que praticavam.

O mal karma de Cristiano manifestou-se. Dois homens grandes, fardados e violentos, caminhavam em sua direção. Mesmo ele, tapado do jeito que era, sabia o que significava: problemas. O fato de ele mesmo também ser um cara grande, e musculoso, com o kimono amarrado com faixa nas costas, talvez conferissem a ele o título de perigoso também, com a diferença que ele não estava armado, e não passava de uma criança, a despeito de seu tamanho e sua força.

— Vaza daqui, rapaz! Está olhando o que? Não tem nada pra ver aqui, não. Vaza! Vaza! Vaza, mané!

— Eu só saio daqui com as duas mulheres.

— E você vai fazer o quê? Vai colocar elas na tua bicicleta e vai sair andando com elas? Quem tu pensa que é, moleque?

— Ei, cara! Acho melhor irmos embora.

— Eu não vou embora, porra nenhuma. Não é nenhum moleque como esse que vai me dizer o que fazer. Eu vou comer aquelas putinhas, hoje, e se eu quiser, eu como o teu cu também. Disse, apontando para o Cristiano.

Nandi observava de um canto escuro. O rosto inexpressivo, atento para os próximos movimentos dos atores. O policial ficava cada vez mais nervoso. O outro tinha medo. Começava a achar que a situação estava ficando perigosa. Pensava no risco para a sua carreira. Ele não queria mais trabalho. Tentava acalmar o amigo, sem muito sucesso. O rapaz diante deles, tremia, mas parecia decidido. Um homem tem poucos momentos que o mundo lhe confere atos de heroísmo. A maior parte, vira o rosto e vai embora. Algumas poucas pessoas agarram a oportunidade. Como eles dificilmente sobrevivem, seu genes não seguem adiante. Por isso o mundo estava cheio de covardes.

— Eu só saio daqui com as duas.

O policial encarou Cristiano tão próximo que o rapaz podia sentir sua respiração. E repentinamente, o policial começou a estapeá-lo. Uma, duas, e seguidas vezes. Cada vez com mais força, até o rosto dele ficar todo vermelho com as marcas das mãos no rosto.

— Vai sair daqui com quem, seu merdinha? Dizia enquanto atingia o rapaz. Diz pra mim, seu merdinha! Quem você vai levar daqui? Não tirou nem sua mãe do puteiro, e acha que vai fazer alguma coisa? Você é um merda, um bosta, um veado bombado que dá o cu. É só isto que tu és. Acha que eu tenho medo de ti? Eu acabo com a tua raça antes.

Nandi e os Filhos de Hórus (Em Revisão)Where stories live. Discover now