Capítulo 26

31 6 16
                                    

Os caminhos do cemitério estavam sempre iluminados. A noite inteira, as lâmpadas brilhavam sobre o caminho de pedra, embora as lápides permanecessem na escuridão. Suportes de pedras, imitando colunas talvez de duzentos anos, com modernas fontes de luz no seu interior margeando senda de neve.

Os cheiros do musgo e do limo, da água e da floresta podiam enganar a qualquer um. Mas Nandi podia distinguir perfeitamente. Atravessou a ponte que levava até a parte interior do amplo vale que acomodava os restos de várias gerações, simples monges ou pessoas ilustres. Todos aguardavam o sacerdote lendário que deveria esperar em eterna meditação pelo buda do futuro. Um homem supremo e sagrado. Mal podiam desconfiar que aquele era o esconderijo perfeito para o velho demônio do sangue, a raposa com mil anos, sua anciã Natsume.

Não estava sozinha. O demônio nunca está. Outra criatura se movia entre as araucárias, entre as árvores com troncos antigos, resistentes ao inverno. Este espírito rodeava a visitante, ora por cima das copas secas e escuras, ou ao redor do vale. Acompanhou Nandi por um trecho do caminho.

Para não chamar excessivamente a atenção, a visitante trajava elegantes vestes de inverno. Poderia andar descalça ou nua, não faria diferença. Mas daquela forma, poderia simplesmente passar por uma turista impertinente, que se perdeu de seu grupo, ou decidiu empreender uma aventura sozinha. Ter uma mulher negra andando por terras zen já era uma atração a parte.

Diante de um pórtico, a outra mulher apareceu. Uma jovem com cabelos negros e lisos, a pele pálida, trajando as vestes finas de uma sacerdotisa pagã. O quimono que alternava cores brancas e uma calça vermelha e viva. Seria capaz de brilhar na escuridão. Trazia nas mãos uma espada com a bainha ricamente trabalhada. A vampira pode ver o desenho dourado de um dragão, uma espécie de vampiro original, deus dos rios, devorador de homens.

— Onde está o velho demônio?

— A deusa do sangue repousa em lugar sagrado.

— Não foi assim que me referi a ela.

— Qual a diferença? Demônio ou deus, depende da perspectiva.

— Por quanto tempo você passou meditando para chegar a esta conclusão?

— Trezentos anos, o tempo igual ao qual você tem vagado pelo mundo, demônio errante. Você não é benvinda. Retorne pelo seu caminho. Não temos assuntos a tratar com você. Você não deveria trazer os caçadores até este santuário.

— Então somos contemporâneas. Não trouxe caçador algum.

— Mas eles chegarão em breve. Você sabe. Você é a caça de um deles. Este virá, e com ele, muitos outros.

— Isso não importa. Talvez você não saiba, mas eu fui convidada. A própria anciã me convidou para estar aqui.

— Impossível. Você é vulgar.

— Quando raros, até mesmo artigos vulgares se tornam preciosos. E nossa espécie está morrendo.

— Desde quando você se importa com isso? Vampiras nunca o fazem. Nem mesmo os caçadores.

— Realmente não me importo. Estou apenas informando uma verdade. O meu sangue, hoje, vale muito. E também vale o seu, como o de nossa mãe.

— Eles nunca a pegarão. Morrerão antes todos de fome.

— Ela sacrificará você se for necessário.

— Que seja! Esta vida me concedeu, e a qualquer momento pode tirar. Eu tenho um propósito. Se for incapaz de cumpri-lo, prefiro a morte. Não tenho valor algum. Você também perderá o seu. Este sangue do qual tens tanto orgulho, banhará as pedras deste caminho. Nem falcões ou outros seres beberão dele. Você não merece, mas cuidarei pessoalmente para que tenhas sepulcro neste solo sagrado. Os deuses poderão contemplar a minha piedade. E então, eu e minha mãe deixaremos este solo no qual habitamos por tantos séculos.

Nandi e os Filhos de Hórus (Em Revisão)Where stories live. Discover now