Vampiros na Igreja - Parte 02

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Em algum lugar, contudo, deveria existir um deus vampiro que ditava as regras de um bom sugador de sangue. Mas como os vampiros não ligam a mínima uns para os outros ou para suas tradições, que não cultivam, qualquer coisa parecida com a bíblia dos vampiros perdeu-se no tempo.

Existe entre meios incertos e obscuros uma brincadeira humana que diz que os vampiros são descendentes de Caim, da lenda do primeiro homicídio.
Era uma história bonitinha, coisa de menino de RPG, e até plausível, não fosse pela estranha incoerência de que Nandi não conhecera qualquer vampiro que fosse homem, desde os mais antigos, de ver ou de ouvir fala, desde começou a trilhar aquela senda escarlate, há duzentos anos.

Uma mulher branca, com o cabelo muito liso, daquele que não consegue reter um prendedor, sentou do seu lado. Ela trazia um óculos imenso, que tomava quase toda a cara redonda, com a testa alta. As roupas características de mulher recatada, não conseguiam disfarçar que aquela não tinha cintura.

— Nandi? Pronunciou hesitante o nome da mulher negra. Incomodava que ela tivesse um nome tão pagão.

— Oi Ritinha! Que bom que você está aqui. Estava sentindo a sua falta. -  Sabia que Rita trabalhava com o pai em uma padaria. Recentemente sua mãe tinha adoecido, e ela assumiu as obrigações da moribunda, além das próprias.

— Eu fiquei muito ocupada.  - Disse com a voz cheia de culpa. Por um momento, enquanto respondia, não fitava sua amiga. - Eu senti a sua falta também. Eu gostaria muito que você me visitasse qualquer dia. Eu me sinto muito sozinha.

— Eu juro que arranjo um tempo, minha amiga. Tenho andado tão ocupada quanto você. Em casa o meu pai só conta comigo para cuidar de minha mãe doente. Eu estou quase pedindo a Deus que a leve o mais breve possível, para que seu sofrimento acabe. Eu não suporto mais vê-la sofrer.

— Verdade? Inquiriu nervosa, olhando para os lados. Eu sei como você se sente. E baixou ainda mais a voz: Às vezes eu também peço isso.

Nandi gostava de Rita. Sentia que seu sangue era puro como a virgem que era. Mas ela tinha uma regra, que ninguém lhe tinha imposto, e que por esse motivo seguia fielmente: nunca devorar mulheres. Mantinha a amiga como um vínculo, um álibi que impediria que desconfiassem dela quando alguns homens desaparecessem. Caso ela sumisse junto com sua vítima, talvez levantasse suspeitas. Todo o trabalho precisava ser cuidadoso. E como na periferia os homens morrem aos quilos pelos mais variados motivos, a despeito da toda a tristeza e das famílias deixadas para trás, um membro da congregação morrer não representava nenhum evento extraordinário. Dessa forma, poderia manter seu suprimento por anos, pulando de congregação em congregação, sempre voltando a suas preferidas. Em algum lugar, um deus vampiro deveria estar feliz com ela.

Quando o culto terminava, a cena se repetia. Todos voltavam a se cumprimentar, e Nandi voltava a sondar os homens. Trazer Ritinha debaixo do braço, era a desculpa perfeita para que alguns marmanjos se aproximassem. Ninguém tinha interesse na mulherzinha sem graça. Era o pretexto perfeito para Nandi e para seus irmãos de congregação. Todos se esbarrando com todos aqueles cheiros quase a deixavam louca. Mas continha seus movimentos.Com Rita ao seu lado, quase estabelecia com ela uma relação espelhada. Em seus íntimos, aqueles homens jovens ansiavam por terem uma mulher voluptuosa e indecente para fazerem o sexo abençoado por deus. Por isso, quanto mais tímida, mais ansiosos ficavam. Rita ficava incomodada com aquele comportamento de seus irmãos, e acredita do fundo do coração que permanecendo ali, protegia sua amiga dos homens vorazes. Na sua visão, nenhum deles era digno de sua bela e recatada amiga. Exceto o filho do pastor.

Aquele homem jovem, formado nos valores da fé, junto ao altar, seguindo os passos do pai, aos olhos de Rita era o companheiro perfeito. Ela mesmo se candidataria não fosse por sua completa falta de jeito, pelo seu desleixo, pelo seu cabelo mal cuidado, e pelas suas mãos grossas. Ela o observava e suspirava. Consolava-se se pudesse pelo menos casar sua amiga com ele. Eles seriam o casal mais bonito, o modelo de jovens tementes a Deus e que constituem uma família abençoada. Os pais provavelmente escolheriam a esposa de Josué, e planejariam minuciosamente o casamento do herdeiro. Com a família formada, poderia então assumir uma congregação, e quem sabe, substituir o pai que estava prestes a se aposentar.

A vampira poderia atéconcordar com sua amiga, caso não fosse capaz de sentir o cheiro de Josué.Debaixo daquela pele limpa, e debaixo do terno que escondia músculos definidos,escondia-se um devasso. Em seus sangue ainda corriam a vodca e a cocaína.Apenas os humanos iludiam sob aquela fachada, que engava o próprio pai, emborapercebesse nos olhos da mulher que não enganavam a mãe. Nandi não tinhaqualquer interesse nele. Não podia dizer o mesmo do irmão. Por trás dele, nassombras, um jovem magro e apagado, ciente da injustiça de sofria, resignava-secom a cabeça curvada, conscrito. Aquele era um homem santo. Não despertava ointeresse da congregação, mas Nandi sentia seu cheiro.

Nandi e os Filhos de Hórus (Em Revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora