Capítulo 10 - Parte 01

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Laura fugia. Não possuía mais diante de si as árvores da floresta densa, os vales, o cerrado cheio de precipícios e barrancos. Em outros tempos, mover-se-ia com tanta ou igual facilidade. Talvez subisse até as copas mais altas. Os animais começariam a rugir desesperadamente. Eles sentem o cheiro do perigo, a assombração da morte.

Os homens perdidos na floresta, os mais experientes, sabiam quando a morte se aproximava. A maior parte deles acreditava no jaguar e no jacaré. Quando os velhos homens perderam a crença na deusa devoradora, não foi difícil passar-se por um animal violento.

No entanto, até mesmo os magos sabiam a diferença de um simples animal que pegou um incauto, dos espíritos da floresta. Ela os observava de longe, queimarem os cadáveres, oferecerem oferendas, com saudades do tempo em que reinava entre seus servos.

Algumas tribos chegaram a oferecer crianças para aplacar a sua fúria. Logo ela se cansou daquilo. Uma criança era insuficiente para aplacar a sua sede, que com o tempo somente aumentou. Se no começo um homem era o suficiente para aplacar a sua ânsia por uma lua ou duas, com o tempo, nada mais era possível de saciá-la. Ela se sentia amaldiçoada com uma sede infinita.

De nada adiantava seu corpo musculoso, suas formas sedutoras, as coxas grossas, os seios duros, os cabelos longos. Tudo era uma mentira. Ela se sentia seca por dentro.

Com o tempo, começou a matar indiscriminadamente. Homens, mulheres, crianças, o que chegava até ela. E nada era capaz de a satisfazer.

Com o tempo passou simplesmente não fazer diferença. Se comia uma lua ou duas luas depois. Quantos comece. Dez, ou vinte. Os homens começaram a ter medo dela. Então ela começou a margear os lugares onde os homens faziam matanças entre si.

A selva, a floresta, no decorrer dos anos, passou a ser abundante nesse tipo de material.

Houve momentos em que os homens começaram a arrancar grande quantidade de árvores. Por que razão, com que finalidade, não fazia ideia.

Chegaram homens de todos os tipos, de todos os lugares. Homens negros, homens de cabelo enrolado, homens de cabelo liso, olhos pequenos, homens louros e ruivos.

E começaram a cavar desesperadamente a terra, e criar grandes covas, e valas, retirando lama, e pedras monstruosas, numa proporção que nunca presenciara.

Trouxeram monstros de metal, que consumiam e cuspiam fogo. Eram como fornalhas em cima de rodas.

E então começavam a morrer.

Muitos adoeciam, outros se matavam simplesmente. Mulheres de vários lugares também eram trazidas, para satisfazer o desejo daquele mar de homens.

Quando a morte chegou, ela se aproximou como uma carniceira. De lendário jaguar ela se transformou um cão do mato que comia carcaças. A morte levava muitos. Mas Laura levava muito mais. Ninguém percebia a diferença. Para aqueles homens, todos estavam doentes.

Ela sentia que sua sede aumentou a uma situação insustentável. Ela devorara e devorara, sem fim. No entanto, ela sentia que pouco a pouco ela também era envenenada.

O sangue daqueles homens era amargo, e fedia. Hoje, era incapaz de se lembrar do cheiro do sangue dos homens que devorou no auge de reinado.

Depois os homens começaram a ir embora. Seja lá qual templo de pedra e madeira desejavam construir, qual cidadela desejavam erigir, fracassaram. Se aquele reino estava destinado a algum imperador, este nunca o conheceu. Ela comandava das sombras, porque no final, o único poder que importa ao soberano era o poder de vida e morte sobre seus súditos. E esta decisão, sem pedir permissão a qualquer um dos encarregados daquela população monstruosa de escravos, pertencia a ela.

Depois de vários anos, de ter margeado várias outras aglomerações de homens e mulheres, generosas em lhe fornecer vidas, o gosto amargo dos homens daquele tempo lhe trouxeram o mais próximo que já esteve daquela raça que as caçava, aquela raça que veio para aquela terra junto com o homem branco, e que trouxe com ele tantos outros povos.

Ao que tudo indicava, eles eram ruins de sentirem o cheiro de suas irmãs. Eles tateavam no escuro. Mas tinha raciocínio, e isso era o suficiente para que as caçassem com maestria.

Naquela noite, depois de muitos anos, ela os encontrava novamente.

Houve um raro momento na história de sua raça, em que ela se uniu a outra de sua espécie, e por um breve momento, foram obrigadas a cooperar.

Não podia dizer que foi planejado. Propositalmente, de forma alguma, trabalharia com uma de suas irmãs. Elas todas, não tinham essa capacidade. Qualquer coisa no cheiro uma das outras a conservavam sempre a distância. Durante séculos, elas aprenderam a respeitar o território uma da outra. Vários reinos separados, cada uma com sua deusa reinando sobre uma massa suficiente de homens, devorando com parcimônia, de forma comedida, deixando que fizessem suas guerras, fizessem seus escravos para as alimentar. Vários reinos, que sumiram, sucumbiram, diante do homem branco e de sua peste.

Essas deusas foram incapazes de se unirem, de formarem um conselho. De ajudarem seus súditos, os quais para elas não passavam de alimento, um conjunto de cabras encantados com o seu brilho, e com suas formas majestosas. Os homens eram problema dos homens, pensavam. Os cheiros daquelas criaturas estranhas, no meio dos homens novos, no começo despertaram somete curiosidade. Eles mesmos se aproximaram com cuidado extremo. Não revelaram logo suas faces. No meio dos homens novos, eles passaram quase despercebidos.

As anciãs, no entanto, logo perceberam. E antes das primeiras rainhas da morte caírem, sumiram sem deixar qualquer rastro.

Correr agora entre as ruelas da cidade, pelos caminhos ermos dos subúrbios, não era muito diferente de correr na mata. O ambiente era deprimente e morto. Sem verde, sem vida. As grandes árvores do passado deram lugar a torres de pedra iluminadas. No entanto, entre uma torre de pedra e outra, havia uma vastidão de terremos baldios, terrenos que futuro talvez se tornassem outras torres de pedra. Por enquanto, não.

Esses terrenos permitiam que ela se deslocasse e escondesse com facilidade. E quando adentrava nos subúrbios de construções umas por cima das outras, ninguém reparava quando ela subia num poste, ou descia uma parede dependurando-se sobre qualquer reentrância, ou fresta.

Nandi e os Filhos de Hórus (Em Revisão)Where stories live. Discover now