Capítulo 07 - O cavaleiro e o anjo - Parte 4

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O policial exibia um rosto enfurecido, desfigurado numa careta de dor. Parecia sofrer a ponto de sentir nojo da morte do amigo. A mulher e a criança, aqueles demônios escondidos na escuridão, aquelas criaturas insinuantes, atraíram aqueles homens para aquele beco escuro, aquela vala, para ali eles se perderem e se matarem. Passou então e sentir extrema raiva daquelas duas. Por um instante seu olhar olhou em volta, e procurou por elas. Ele iria mata-las também. E tinha que ser rápido. Não chegaria de imediato, mas também não tardaria muito para que alguém chamasse uma viatura, e ele teria que explicar o que aconteceu. Ele daria um jeito. Mas elas não sairiam vias dali.

Procurou por elas, e achou a menina loura a um canto. Afastada alguns metros. Achou estranho que ela não tremia, não chorava, não gritava e não fugia. Ela deveria perder a força das pernas. Tentar fugir e tropeçar. Sujar o vestido na lama do chão, com a boca aberta, e derramar lágrimas pelos olhos e pelo nariz. Mas nada disso acontecia. Ela parecia serena, tranquila. Antes, podia jurar que ria. E a mulher negra, linda como o demônio, tinha sumido. Não como alguém que foge, e deixa as marcas de sapato do chão, ou que se deixa denunciar pelo barulho dos passos e pelos soluços. Ela tinha simplesmente desaparecido.

Antes que pudesse formular qualquer outro pensamento, sua cabeça rolou pelo chão, com o barulho abafado de algo macio que cai no chão, como uma cabeça de porco. Nandi avançou pra ele. Teve a impressão que seus olhos congelados e mortos, assustado pela morte, ainda tiveram tempo de contemplá-la aproximando-se com passos suaves, com a movimento sensual do quadril denunciando que aquela imagem de mulher pura não passava de uma mentira. Se os movimentos de uma devassa deixassem qualquer dúvida, o sorriso diria tudo. Os segundos da morte parecem eternos. Naqueles instantes a mente apreendeu tudo de uma vez, como uma fotografia que é absorvida instantaneamente, e congelada pode-se perceber todos os seus detalhes. O inferno o tinha engolido. O terror no olhar permaneceu fixo, até que vida desvaneceu-se perdida em algum instante do passado. Ele parou, e vida a segui sem ele.

Sobre o chão, Cristiano perdeu completamente as forças,e o corpo escorregou por cima dele. Pensou, estou morto, e ficou esperando o tiro abri sua cabeça. Se fosse assim, talvez não sentisse dor, nunca mais. Os segundo passaram, ele sentia o sangue fluindo. A mão sobre o ferimento, e ele continuava respirando. Notou que tudo estava em silêncio, o silêncio nervoso da cidade, com os barulhos de carro a outra rua, e as buzinas manchando a noite. Ergueu a cabeça e viu o homem no chão, o mesmo que apontava a arma pra ele. Tentou se erguer com dificuldade. Ele muito fraco, e morrendo.

A mulher negra apareceu ao seu lado. Pôs a mão sobre seu peito, passando-lhe a mensagem que deveria permanecer deitado. O rosto da mulher era extremamente tranqüilo. Estava em paz. Não importava que havia três homens mortos diante dela. Tudo era normal. Seu rosto era tão sereno, que não deixou de sentir-se em paz também. Recebia a morte que silenciosamente sempre desejou, em defesa de uma mulher e de uma criança, ambas lindas e provocantes, contra os homens cruéis, que transformaram a sua vida e de outras pessoas naquele mundo perdido.

E mesmo em paz, não conseguia permanece calado, e perguntou, a única idéia que lhe veio a cabeça, a única informação que lhe importava, a beira da morte.

- Quem é você? Ele mesmo não entendeu o que dizia. Mas a mulher diante dele leu suas palavras com perfeição. Do fundo de seus olhos, percebeu que entendia. Ela parou um instante. Notou quando olhou para a criança a alguns metros de distância. Elas conversavam com olhares. Ele procurava uma forma de explicar, para um homem moribundo, de forma clara e sucinta o suficiente, para que ele entendesse antes de morrer. Ele percebeu que era uma piedade difícil de produzir.

- Eu sou um anjo. Deus o mandou pra mim. Agora eu devo colher a sua vida, para entregar a eternidade.

Começou rir. Estava embriagado com o cheiro da morte. Nesses momentos, os maiores absurdos passam a adquiri sentido.

- E porque Deus Brinca conosco? Nos manda proteger pessoas que não precisam?

- Tudo na vida é desnecessário. E vida. A morte. O sangue é derramado de qualquer forma, como o daqueles outros dois homens. Mas o teu sangue é especial. Tu o preparou para este momento. O formaste. Ele corre no teu coração, nos teus pensamentos. E agora, ele vai me nutrir, para permitir que as engrenagens celestiais continuem rodando. Eu preciso apenas da tua autorização. Que a entregues voluntariamente pra mim. Então, o sacrifício estará completo. E poderei carregá-lo daqui, e uni-lo as vísceras do paraíso.

Não havia tempo, nem vida, nem sangue para pensar. Tudo se fragmentava. Ele mesmo não era mais uma pessoa completa. A urgência o consumia, uma ânsia, como se estivesse faminto diante da mesa.

- Leve daqui. Eu sou seu. Leve agora. Não vou fazer falta pra ninguém. Nada importa.

Não entendia como um anjo podia ter um sorriso tão cruel. Havia uma intensa felicidade na morte dos homens. Não conseguia vê-la, mas sabia que a criança estava ali. Criança, anjo, ou fantasma. Aquela imagem infantil tinha um aspecto envelhecido, como se fossem todas as crianças do mundo até aquele momento. Ela devia rir também, com tanta ânsia quanto o anjo diante dele. O anjo sorria. O anjo possuía dentes afiados, caninos, como um cão, como um vampiro. Sua alma, sua consciência, era sugada. Aquela sensação quente no pescoço.

Nandi e os Filhos de Hórus (Em Revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora