Capítulo 04 - Parte 01 - Um caminho de sangue

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Parte 1

O caminho desaparecia debaixo dos seus pés. Corria desesperadamente, ora atravessando uma trilha entre os arbustos espinhosos, outra subindo qualquer elevação do terreno com um salto, ou mergulhando em abismos inesperados. Algumas vezes era mais fácil correr sobre os pés e as mãos, como um verdadeiro animal. Os ferimentos, que a vegetação abria em sua carne, fechavam instantaneamente.

O terreno estava na mais completa escuridão. Apenas seus sentidos aguçados eram capazes de perceber as nuances da paisagem. As várias tonalidades do negro pertence apenas aos deuses. Este caminho está fechado ao homem, como os vários mistérios do mundo.

Há muito tempo ela foi chamada de deusa. E seus súditos serviam-na com o sangue mais nobre. Os guerreiros mais fortes, escolhidos pela guerra, das tribos inimigas escravizadas, eram-lhes servidos em rituais elaborados.

Pouco importava a inutilidade de seus ritos, que escolhessem a lua nova, que interpretassem o futuro da colheita conforme derramava o sangue das vítimas. Se para esquerda, bom milho, se para a direita, era o momento de plantas as batatas. Serviam-lhe tanto sangue que gostava de exibir espetáculos majestosos. O sangue manchando seu rosto, banhando seus seios duros e nus, dançando pelas coxas grossas, engolindo seus pés fortes. Ainda lembrava da sensações dos pés sobre o limo escarlate. Banhar-se em sangue, nadar em sangue, aterrorizar os homens, vê-los desmaiarem de frenesi e terror. Os deuses mais amados, são os devoradores.

Ria de seus servos, quando seus sacerdotes mais graduados profetizam uma época em que o mundo terminaria em banhos de rios de sangue. Julgava que eles não conheciam outra realidade mais fantástica senão a sua, e que por isso, a usavam para juntar as pontos sem sentido do mundo. No fundo, muitos deles sonhavam com seus banquetes.

Quando as guerras escasseavam, serviam seus próprios filhos. Via os jovens entrarem altivos na câmara sagrada. Ajoelharem-se frente ao seu trono de pedra, e oferecerem seus pescoços docilmente. Um jovem de olhos negros e tranquilos, os cabelos negos e longos, o rosto limpo, as feições delicadas, como somente o povo daquela época podia oferecer, um príncipe. Ele se ajoelhou aos seus pés. Os próprios joelhos foram postos sobre uma almofada rústica. Não havia motivos para machucar sua carne. Passou a mão por seus cabelos sedosos e perfumados. Sentiu a pele macia. Talvez tivesse sido lavado com as ervas mais finas. Seu perfume a inebriava. Ele era todo dela. Havia uma forma que gostava de usar para beber. Era a forma mais leve. Não a usava sempre. Fazia-o somente com os corpos mais jovens, o sangue mais doce. Ela gostava de lamber os pescoços de suas vítimas. Eles adoravam morrer dessa forma. Seus membros eretos ela gostava de trazer para dentro de si, e fazê-los gozar. Enquanto ela os matava, gostava de cravar as unhas em suas costas, infringindo as mais diversas dores, para que as vítimas permanecessem confusas, ao mesmo tempo que excitadas. Dessa forma, não sentiam sua pelo fina ser rasgada, não sentiam quando ela os sugava. E quando gozavam, sugava seus sangue mais rapidamente, para não sentirem a morte. A medida que perdiam as forças pelo clímax, perdiam também suas vidas. Ela não precisa explicar suas preferências, não precisava explicar porque escolhia alguns e desprezava outros, ou como distribuía a morte doce e a morte amarga. Mas a incerteza os excitava mais.

Com o tempo, os homens, que amam imitar os deuses, passaram a reproduzir suas orgias de sangue. Alguns aprenderam a apreciar o sangue de vítimas, enquanto se deleitavam em práticas cada vez mais depravadas. Ela os ignorava, pois seu rebanho não tinha fim.

Quando o homem branco chegou, então seus súditos puderam ver suas profecias cumpridas, e a história dos devorou de forma mais voraz que sua deusa. Seu culto morreu com seu povo. Seu nome se perdeu a muito tempo. A deusa de sangue, da colheita do milho e da batata, devoradora de homens, deusa da guerra. Tudo se perdeu no tempo.

Se somente o homem branco tivesse chegado ao novo mundo, ela seria capaz de lidar com eles. Mas com o homem branco chegou outro tipo de monstro, algo que ela não podia imaginar que existia. Chegou um raça de homem que era capaz de caçar e devorar os próprios deuses. Elas aprenderam com o tempo a sentir seus cheiros, a medida que suas irmãs foram sendo mortas, espalhadas entre os várias cidades que unificavam os impérios. As que não morreram, fugiram. Até mesmo sua anciã, a guardião dos segredos de suas existências, do mito de suas origens, perdeu-se. Ela não podia imaginar se a anciã existia ou não. Desde então perdera a noção dos séculos. Passou a viver como um rato, as margens do novo mundo que chegou, viajando como uma nômade, de brejo a brejo, devorando e fugindo. Percebera apenas que vários monstros chegaram com os anos, mostro de metal que servem os homens. Eles, ao que parece, passaram a dominar a magia mais obscura e domaram os demônios desconhecidos. Por isso, por eras incontáveis evitou seus clarões. Permaneceu como uma sobra, que arrastava os incautos para um buraco qualquer.

Nandi e os Filhos de Hórus (Em Revisão)Where stories live. Discover now