Vampiros na Igreja - Parte 01

311 56 383
                                    


Igual a todos os cultos, chegou e foi sentar na última fileira. De lá tinha condições de observar a igreja toda. Preferia as evangélicas porque eram mais animadas. Gostava da música barulhenta e das pessoas gritando e balançando os braços em frenesi. Em determinados momentos, juntava-se a elas, e cantava também. Como diziam? Entoava louvores. Adorava essa palavra.

Ninguém nuca lhe disse que ela não podia entrar. Nenhum anjo desceu do céu com dedo erguido em sinal de protesto: Vampiros não podem entrar na casa do Senhor. Ela também não sentiu qualquer alteração. Não começou a queimar, arder, ou soltar fumacinha da cabeça. Alguém poderia dizer que o motivo era por aquela ser uma igreja evangélica. Que na igreja católica, ela não conseguiria entrar. A verdade é que não ia a uma missa porque achava chato.

Também não gostava das igrejas grandes. O seus cultos preferidos eram os de periferia. Ela entrava com o sua roupa de crente, uma camisa social preta, os botões abotoados até a gola, e saia preta abaixo dos joelhos, um pouco acima da panturrilha, o sapato sem salto preto. Afinal, um vampiro precisa usar preto. Ela deveria ser, então, a vampira perfeita, porque era negra, e o cabelo enrolado trazia curtinho, o que ressaltava seus lábios carnudos, os olhos grandes, escuros e redondos. Dessa forma, o seu disfarce estava completo. Entretanto, gostava de realizar as suas diabruras. Trazia a blusa e a saia bem justas ao corpo, e embora não revelasse um decote, ou as coxas, qualquer pessoa percebia que tinha os seios fartos, as pernas grossas e a bunda grande. A saia colada, até a abaixo do joelho, era a desculpa perfeita para um passo incerto e diminuto, que naturalmente fazia com que rebolasse levemente. Isso deixava os homens loucos.

Gostava principalmente do momento em que todos se cumprimentavam, e cumprimentar os homens castos era o melhor. Um libertino nunca encara uma mulher desarmado. Ele tem sempre a mão no bolso, e o pensamento do preço que tenha que pagar por aquela mulher. Com os castos, é diferente. Eles estão completamente indefesos. Eles ficam nervosos, não disfarçam. Chegam a ficar um pouco intimidados diante de uma mulher provocante. Não excluía de seu cardápio os libertinos, que as vezes matava por prazer, mas preferia os castos, porque estes tinham o sangue mais limpo. Assim, toda a vez que o culto chegava no momento em que os fiéis precisavam cumprimentar uns aos outros, era a oportunidade que tinha para sondar sua próxima vítima.

Primeiro chegou um homem careca. Ele era magro, trazia uma camisa de mangas curtas, quadriculada. Ele pegou firme em sua mão. Quase não a soltou. Quando a cumprimentou, trazia um sorriso cínico no rosto. Este era um libertino. O segundo era uma homem jovem. Podia ver atrás dele sua esposa com uma criança no colo. Ele cumprimentou tímido. Sua mão ficou indecisa. A barba bem feita, os braços fortes de quem trabalha no serviço pesado. Este era um casto. Podia sentir o frescor de seu sangue. E assim por diante, iam chegando os fiéis uma a um, mais homens que mulheres.

Embora os castos sempre sejam mais escassos, e eles ficam mais a cada dia, nas igrejas de periferia sempre era possível encontrar alguns. Homens limpos que acreditam piamente que se guardam para a outra vida, para quando se encontrarem diante de seu deus, encontro este que ela geralmente antecipava. Imaginava o deus daquela igreja um cara a quem devia um grande favor. O seu culto permitia que ela sempre encontrasse homens com o sangue mais próximo do puro. Em outro lugares, o sangue é sempre sujo, cheio de álcool, ou salgado, quando não é um sangue tão gorduroso, que tinha muito trabalho em digerir. Em sua cabeça, ele também devia ser um vampiro. Observava como os fiéis eram tratados. Ora eram chamados de ovelhas, ora de trigo. Para que servem senão para matar a fome? Assim, podia apenas crer que uma vampira anciã tinha redigido pessoalmente as regras de conduta ali contidas, e toda a vez que a religião degenerava, vinha e criava uma nova, de forma que o seu suprimento de sangue saudável fosse ilimitado.

Também não sentia qualquer culpa por estar ali, caçar entre os santos, e servir-se deles. Os mandamentos foram feitos para o homem, e ela não se encaixava neles, fosse pela sua espécie ou por seu gênero. Ela se comparava naquele lugar a uma fera. E como o homem fora expulso do paraíso, teria perdido a comunhão com ela da mesma forma que perdera com os outros animais e os anjos.

Nandi e os Filhos de Hórus (Em Revisão)Where stories live. Discover now